AS FONTES DO DIREITO COMERCIAL E A IMPORTÂNCIA DAS FONTES FORMAIS SECUNDÁRIAS OU INDIRETAS PARA O SEGMENTO JURÍDICO-EMPRESARIAL

23/01/2020

O estudo das fontes do direito comercial assume relevância na medida em que elas orientam as atividades econômico-jurídico-privadas. Como diz Marcia Carla Pereira Ribeiro, elas podem ser materiais, vinculadas à realidade social, a exemplo de fatores religiosos e morais para o direito de família e fatores econômicos para a formação do direito comercial, as quais contribuem para dar conteúdo à norma jurídica, como podem ser formais, estruturadas a partir das normas jurídicas, com o objetivo de dar sustentação ao direito positivo. As fontes formais ainda comportam outra subdivisão usualmente utilizada pela doutrina, em primárias ou diretas (lei, regulamentos e tratados comerciais) e secundárias ou indiretas (lei civil, usos e costumes, jurisprudência, analogia e os princípios gerais do direito).[1]

De fato as fontes do direito comercial repercutem nas atividades do dia-a-dia forense, diante da vocação prática do seguimento jurídico-empresarial, pois a advocacia corporativa, para dar eficiência à solução de problemas precisa não apenas identificar, mas mergulhar nas fontes do direito para interpretar o caso concreto, seja para orientar a atividade empresária, prevenir ou enfrentar o litígio.

Em que pese o entendimento de que as fontes secundárias serão avocadas apenas quando não se encontrarem respostas nas fontes primárias[2], é certo que elas são intensamente utilizadas pelos Tribunais e pelos demais profissionais do direito. Isto porque, em parte, orientam todo o sistema normativo, pois emanadas do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, ao dispor que: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

A título de exemplo, no caso julgado pelo TJPR, a solução dada a um determinado caso envolvendo “plano de saúde coletivo empresarial”, deu-se por analogia, suprindo-se uma lacuna legislativa, nos termos do citado artigo 4º, cujo Decreto 4.657/42 foi alterado pela Lei 12.376/2010.

Abrindo-se um parêntese, mais recentemente, ao conteúdo do mencionado Decreto foram adicionadas questões de ordem prático-comportamental, muito alinhadas com a teoria da Análise Econômica do Direito (AED — Lei n. 13.655/2018), motivo maior para uma nova reflexão, a partir do entrelace das fontes do direito na sua relação de relevância, de forma indistinta, sem relação de dependência ou subsidiariedade.  

Retomando o ponto em comentário, explicita-se, a partir de um caso, o uso da analogia, ou seja, de uma das fontes formais secundárias, atraída para dar efetividade ao direito reclamado. Neste contexto, assim decidiu a 2ª. Turma Recursal do TJPR:

(... ) 2. Nos casos de plano de saúde coletivo empresarial, a Lei n. 9.656/98 foi omissa quanto ao direito de permanência dos dependentes, na hipótese de morte do titular com vínculo empregatício ativo. Isto porque a redação do artigo 30, e § 3º da legislação estabelece a possibilidade de manutenção do contrato apenas para os beneficiários do ex-empregado falecido. 3. Verificada a existência de lacuna na norma jurídica, é dever do juiz decidir o caso de acordo com a analogia, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657-1942). Diante deste contexto, deve ser feita uma interpretação extensiva do artigo 30, e §3º, caput ampliando a sua hipótese de incidência para abarcar também os casos de morte do titular durante a vigência da relação trabalhista. Com efeito, se o legislador buscou proteger os dependentes do ex-empregado falecido, dando-lhes a possibilidade de permanecer no plano pelo período de 24 meses, tal amparo também deve ser estendido para os beneficiários daquele que veio a óbito na constância do emprego (...). (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0001260-10.2018.8.16.0019 - Ponta Grossa -  Rel.: Juiz Alvaro Rodrigues Junior -  J. 10.09.2019).

Percebe-se, deste modo, o uso da analogia de forma clara e expressa, considerando-se que houve o reconhecimento de uma omissão legislativa a ponto de trazer uma consequência ampliativa à referida norma, ou seja, outorgou-se o direito de permanência no plano de saúde corporativo por mais 24 meses, também aos dependentes dos empregados falecidos na constância do emprego, mesmo sem previsão legal, em igualdade de condições com aqueles dependentes do ex-empregado falecido. O caráter ampliativo da norma, por força de decisão judicial demonstra não apenas a importância das fontes formais secundárias, mas o seu uso com o objetivo de se fazer justiça no caso concreto.

Como dito no artigo anteriormente publicado nesta Coluna (16/01/2020), “é fato que a legislação não consegue acompanhar a velocidade das novas formas de se fazer negócios, por isso a importância dos arranjos contratuais”[3]. Invariavelmente o legislador chega tarde, por isso quer-se, aqui, afirmar que as fontes secundárias, ressalvados os entendimentos sobre a aplicação subsidiária, são fundamentais no cenário jurídico-econômico-privado.

Sabe-se que o mercado é uma instituição social espontânea, um bem público. Muitas regras e orientações práticas diárias são construídas a partir dos usos e costumes, outra importante fonte formal secundária do direito comercial. Para o direito empresarial o mercado assume um papel relevante, portanto o entendimento sobre o comportamento dos agentes é indispensável para a análise das consequências, inclusive decorrentes das decisões judiciais, obviamente indutoras de externalidades positivas ou negativas.   

Segundo Mackaay e Rousseau, “mercado é qualquer situação em que pessoas que têm bens ou serviços para oferecer procuram apresentar-se frente a pessoas interessadas em obtê-los, ou, ainda, aquela em que muitos compradores potenciais buscam se apresentar frente à pessoa ou às pessoas que tenham bens ou serviços a oferecer, podendo, portanto, os dois fenômenos ocorrer simultaneamente”. [4] 

O assunto aqui pautado reacendeu com a edição da Lei 13.655/2018, que trouxe alguns elementos hermenêuticos a serviço da interpretação, mais detidamente ao alterar o artigo 20 da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (Decreto Lei n. 4.657/42), cuja redação é a seguinte: nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Não bastasse a norma orientativa de todo o sistema, a Lei 13.874/2019, ao declarar os direitos da liberdade econômica, trouxe repercussões importantes para a prática empresarial, segundo a nova redação conferida ao artigo 113 do Código Civil, a saber:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:

I - for confirmado pelo COMPORTAMENTO das partes posterior à celebração do negócio; 

II - corresponder aos usos, costumes e PRÁTICAS DO MERCADO relativas ao tipo de negócio

III - corresponder à boa-fé; 

IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e

V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. 

§2º As partes poderão LIVREMENTE pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.

Como visto, as fontes formais secundárias ou indiretas assumem um papel não apenas de aplicação subsidiária, pois servem de base hermenêutica para dar eficiência à realidade do caso concreto. À vista disso, defende-se o uso compartilhado das fontes formais primárias e secundárias, pois elementos hermenêuticos emanados destas são úteis e necessários, conforme a normatização acima, especialmente em relação à interpretação dos negócios jurídicos, onde o julgador deve cuidar para não aplicar friamente uma determinada norma, sem contextualizar o caso concreto, os usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio. Este é apenas um exemplo, somado ao caso concreto comentado, solucionado também a partir de uma das fontes formais secundárias, a analogia.  

À luz dessas reflexões e suportes fático-jurídicos, eclode a conclusão de que a clássica subdivisão das fontes formais em primária e secundária perdeu a significância original, merecendo revisão do raciocínio e da explicitação doutrinária em questão.

 

Notas e Referências

[1] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 49.

[2]TEIXEIRA, Tarcisio. Direito Empresarial Sistematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 42.

[3]ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Realidades contrastantes: do ato de comércio ao direito de empresa — a MP 892/2019 e as Instruções Normativas 67/2019 e 71/2019 (DREI). Disponível em <  https://emporiododireito.com.br/leitura/realidades-contrastantes-do-ato-de-comercio-ao-direito-de-empresa-a-mp-892-2019-e-as-instrucoes-normativas-67-2019-e-71-2019-drei>. Acesso em 21/01/2020.

[4] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 91.

 

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