Trazer um assunto que remonta à prática de atos de comércio, cuja teoria procurou justificar a condição de comerciante, bem como comentar sobre a teoria da empresa, também para justificar a condição de empresário, em paralelo com recentes atos regulatórios, parece não fazer sentido, porém em que pese a absorção da figura do comerciante pelo empresário em nosso sistema normativo, a necessidade de integração entre normas remotas, modernas e contemporâneas ainda se faz presente.
Isto porque aqueles que laboram no direito comercial/empresarial deparam, frequentemente, com a necessidade de interpretar o caso concreto, levando-se em conta a legislação comercial extravagante e o código civil, expurgando o texto legal conflitante e acomodando regras de aplicação ainda cabíveis, especialmente aquelas vinculadas ao registro público de empresas mercantis (Lei n. 8.934/94), ao direito da propriedade industrial (Lei n. 9.279/96), às sociedades por ações (Lie n. 6.404/76), dentre outras aplicáveis ao comércio marítimo (segunda parte do Código Comercial)[1], bem como as intensas barreiras de ordem prática, que repercutem em ônus pecuniário em razão da ineficiência dos serviços públicos colocados à disposição das atividades econômicas privadas.
A economia jurídico-privada brasileira é influenciada por dois sistemas, em momentos diferentes de sua fase evolutiva, o Francês e o Italiano. O primeiro antecede ao segundo, tendo sido marcado pela entrada em vigor do Code de Commerce, de 1808, conhecido como Código Mercantil Napoleônico, enquanto que o sistema Italiano decorre da aprovação do Codice Civile, importante marco da unificação do direito privado, entre questões comerciais e civis. Ambos os sistemas estão fundados em um objetivo comum, que é o da proteção do comerciante/empresário, até mesmo em razão da existência de regramento específico para a recuperação judicial e extrajudicial, instituto sucedâneo da concordata, além da viabilidade da extinção de obrigações pela via falimentar.[2]
Como diz Campinho, “o empresário não se mostra como simples versão moderna do comerciante. O seu conceito nos conduz a uma visão de maior amplitude, para um alargamento de horizontes, com o fito de impor uma nova leitura para aqueles que exercem profissionalmente uma atividade econômica organizada, colocando-os sob um regramento único”[3]. Empresa, portanto é explicada a partir da concepção de empresário, como sendo a atividade propriamente dita (econômica, profissional e organizada para a circulação de bens e serviços — CC, artigo, 966).
É sob essa base que o sistema jurídico-econômico pátrio está assentado e organizado, todavia a passos lentos, contra a velocidade e a dinâmica dos negócios em tempo de globalização virtual.
É fato que a legislação não consegue acompanhar a velocidade das novas formas de se fazer negócios, por isso a importância dos arranjos contratuais, em um momento em que se busca dar retorno financeiro aos investimentos na atividade produtiva, muitos idealizados e realizados a partir de novos projetos, novas ideias que se amoldam a estruturas jurídicas iniciais, as startups, permitindo a exploração de atividades inovadoras por uma pessoa física ou conjunto de pessoas, por uma nova empresa, pela reunião de empresas (joint ventures contratuais ou societárias) ou uma empresa já consolidada.
São ideias e projetos que comportam várias fases até alçar sucesso, oportunidade de monetização do capital investido, objetivo primário do idealizador e dos investidores. Até mesmo uma grande empresa de sucesso conhecido pode separar das suas atividades triviais um novo projeto, em uma nova estrutura jurídica, configurando debaixo de si uma startup deslocada do negócio originário, encontrando formas variadas de investir e de obter retornos financeiros mais sólidos, com menor tempo e custo.
O texto avoca preocupações neste processo evolutivo, especialmente em razão da demora do legislador, obviamente dependente de iniciativas e de interesses, pois, corriqueiramente, chega tarde para atualizar a norma segundo o que ocorre na vida e prática empresarial, respondente das demandas de mercado, em velocidade bem maior. Esse atraso e as barreiras em um País de herança cartorial e burocrática trazem problemas no que se refere ao registro público de empresas mercantis, ao cumprimento de obrigações legais, ao arquivamento de atos e fatos da vida da empresa (societários, administrativos, contábeis, financeiros e econômicos).
Em que pese a evolução de procedimentos eletrônicos, muitos atos ainda são cartoriais, e outros dependem, não de uma medida provisória, suscetível de alterar apenas temporariamente a rotina da empresa, caso não convertida tempestivamente em lei, mas de iniciativas legais e normativas capazes de repercutir nas expectativas do empresário, na sua visão evolutiva da economia privada.
É neste ponto, ainda no escopo das questões contrastantes, que cabe trazer um exemplo bem claro desta problemática que esbarra em custos de transação elevados e ineficiência por conta de barreiras na gestão pública vinculante das atividades privadas. Explica-se: por ocasião da MP 892 de 05 de agosto de 2019 (DOU de 06 de agosto de 2019), as publicações empresariais obrigatórias previstas nas Leis 6.404/76, 13.043/2014 e 13.818/2019 serão feitas nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários — CVM e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à negociação — além do sitio eletrônico da própria companhia da sociedade anônima. O artigo 289 da LSA obriga as companhias abertas a publicarem, regularmente, suas demonstrações financeiras na mídia impressa, no Órgão Oficial da União, dos Estados ou do Distrito Federal e em jornais de grande circulação, o que foi alterado pela referida MP.
Em um primeiro momento, a intenção, ao que parece, era a de diminuir o tamanho da estrutura de gastos da companhia nesta particularidade (publicações obrigatórias), no entanto faltou combinar com quem legisla, ou seja, a demora para a conversão da MP em Lei retirou vigência da MP, causando grande transtorno às empresas que, por conta da confiança na nova e provisória regra legal, desmantelaram os respectivos setores e agora caminham para a restruturação, em obediência à LSA e à nova Instrução Normativa do DREI (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração). Evidentemente, desestruturar e reestruturar ocasionam custos, quiçá mais elevados do que aqueles economizados durante o tempo de vigência, o que demanda avalição caso a caso.
Os custos de transação não são sentidos apenas na iniciativa privada, mas no uso da máquina pública, não apenas no que se refere aos valores pecuniários propriamente ditos, mas aos custos decorrentes das mudanças comportamentais e de processos internos.
A Instrução Normativa DREI nº 67/2019[4] foi construída em razão da MP nº 892/2019 e revogada pela Instrução Normativa nº 71[5] de 17 de dezembro de 2019, por meio da qual, em resumo, ficou consignada a seguinte orientação: no período de 14/10/2019 a 02/12/2019 as publicações das sociedades anônimas deveriam ser realizadas na Central de Balanços (CB) do Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED) ou no Sistema Empresas.NET, conforme o caso; e a partir de 03/12/2019 as publicações das sociedades anônimas devem ser realizadas no Diário Oficial e em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia, nos termos do art. 289 da LSA que tornou a vigorar.
Situações como estas são corriqueiras. Cabe, obviamente, reconhecer o esforço da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital – Secretaria de Governo Digital – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, vinculados ao Ministério da Economia, ressalvadas as questões de ordem levantadas acima, reforçando-se a necessidade de avanços nas mais diversas variáveis, não que seja uma missão fácil, mas necessária para aprimorar as atividades empresariais e proporcionar o desenvolvimento do País, com maior eficiência quando se promove um alinhamento prévio, para que inciativas de governo também repercutam na ordem legislativa de forma mais célere e duradoura, contribuindo para a prosperidade das relações vinculadas à economia privada, que muito retribui à Sociedade Brasileira.
Notas e Referências
[1] CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 17.
[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 28-30. “Em 1942, o Codice Civile passa a disciplinar, na Itália, tanto a matéria civil como a comercial, e a sua entrada em vigor inaugura a última etapa evolutiva do direito comercial nos países de tradição romanística. É fato que a uniformização legislativa do direito privado já existia em parte na Suíça, desde 1881, com a edição de código único sobre obrigações, mas será o texto italiano que servirá de referência doutrinária porque, embora posterior, é acompanhado de uma teoria substitutiva à dos atos de comércio”. COELHO, Fabio Ulhoa. Obra citada, p. 33.
[3] CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 18.
[4] Instrução Normativa DREI nº 67, de 30 de setembro 2019. http://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_67r_2019.pdf
[5] Instrução Normativa DREI nº 71 de 17 de dezembro de 2019. https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=387428
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