Aplicabilidade e hierarquia dos tratados internacionais de meio ambiente ao ordenamento jurídico brasileiro

21/07/2015

Por Danielle Mariel Heil –21/07/2015

Primeiramente vale lembrar que para que um tratado possa vigorar dentro do ordenamento interno jurídico brasileiro, ele deve passar por todo o processo de formação, e, após ratificado, ser promulgado pelo Presidente da República, tudo isso em decorrência do sistema dualista empregado pelo Brasil.

No Brasil, portanto, em suma, vale esclarecer que em virtude da adoção da teoria dualista, a norma internacional só vale quando devidamente recebida pelo direito interno, como uma lei, ou decreto.

Com relação à temática ora em questão, esta realmente é polêmica, posto que há controvérsias quanto há predominância da lei internacional ou da interna.

Contudo, o entendimento acerca deste assunto foi firmado pelo STF, na apreciação, em dezembro de 1977, do recurso extraordinário 80.004, conforme se infere:

"Quando do julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 de 1977, os tratados internacionais estão em paridade com as leis federais, estando no mesmo nível hierárquico. Consequentemente, aplica-se o princípio de que a norma posterior revoga a norma anterior com ela incompatível, podendo tanto um tratado revogar uma lei federal, quanto a lei federal revogar um tratado. Isto decorre do próprio sistema dualista adotado pelo Brasil. Uma vez que o tratado deve ser incorporado através de um decreto para surtir efeitos, ele se iguala a uma lei federal."[1]

Tal posição tem sido mantida pela Corte Suprema mesmo após a promulgação da CRFB/88.

Do mesmo modo, o ministro Celso de Melo bem demonstrou, em seu voto, a sistemática exigida pelo ordenamento constitucional brasileiro para a aplicabilidade dos tratados internacionais no país:

"Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção do iter procedimental que compreende a aprovação congressual e a promulgação executiva do texto constitucional (visão dualista moderada)."[2]

Com relação à hierarquia dos tratados internacionais, entende-se que os tratados, por estarem subordinados hierarquicamente, ao ordenamento constitucional brasileiro, nenhum valor jurídico terão aqueles atos internacionais que transgridam a Constituição e, consequentemente, têm o mesmo nível de lei ordinária.

Considerando a supremacia da norma constitucional perante as demais normas jurídicas, conclui-se:

"Somente uma norma constitucional poderia estabelecer supremacia dos tratados de direito internacional de meio ambiente sobre as normas de direito ambiental em vigor em nosso país, e isto não é o que ocorre. Ademais, possuindo qualidade de legislação ordinária, os tratados devem submeter-se à Constituição da República, não podendo, então modificá-la, estando esta acima de qualquer ato internacional que venha a ser incorporado pelo direito brasileiro."[3]

Nessa ótica, considerando a falta de menção pela CRFB/88 acerca da incorporação dos tratados internacionais no Brasil:

"Em face da omissão constitucional e da competência atribuída ao art. 49 da CF/88, o Poder Judiciário brasileiro consolidou a posição de que é necessária a incorporação interna de normas de direito internacional e estas, uma vez incorporadas, adquirem status de lei ordinária."[4]

Destaque-se, ainda, à inovação inserida no artigo 5°, parágrafo 3° da CRFB/88, qual seja “[...] os tratados decorrentes de direitos humanos aprovados pelo quorum de 3/5 em cada uma das casas do Congresso Nacional, em dois turnos, terão força de Emenda à Constituição”.[5]

O ensinamento de Trindade em relação às normas de direitos humanos aplica-se muito bem ao Direito Ambiental, inclusive por ser esse também um direito humano:

"Na verdade, como se pode depreender de um exame cuidadoso da matéria, no presente domínio de proteção o direito internacional e o direito interno conformam um todo harmônico: apontam na mesma direção, desvendando o propósito comum de proteção da pessoa humana. As normas jurídicas, de origem tanto internacional como interna, vêm socorrer os seres humanos que têm seus direitos violados ou ameaçados, formando um ordenamento jurídico de proteção."[6]

Desse modo, quanto à aplicabilidade dos tratados de direitos humanos, se extrai do mandamento do parágrafo 1.° do artigo 5.° da CRFB/88:

"Como se já não bastasse o status constitucional atribuído pela Carta de 1988 aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, é ainda de se ressaltar que tais tratados, por disposição também expressa da Constituição, passam a incorporar-se automaticamente em nosso ordena-mento, a partir de suas respectivas ratificações."[7]

Diante do todo mencionado, convém ressaltar, portanto, que da mesma forma que são imediatamente aplicáveis aquelas normas expressas nos artigos 5.º a 17.º da CRFB/88, o são, de igual maneira, as normas contidas nos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil seja parte, inclusive os tratados internacionais de meio ambiente.

Ainda na lição de Reis, deve-se pontuar:

"Por força da interpretação conjunta dos §§ 1.° e 2.°, do art. 5.° da Constituição Federal de 1988, os tratados e convenções internacionais relativos a direitos humanos ratificados pelo Brasil são automaticamente incorporados pelo país, adquirindo status de norma constitucional."[8]

Dessa forma, portanto, se os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, então, os tratados de direitos humanos, que definem direitos e garantias, também devem ter aplicação imediata.

Ademais, acerca da pouca incorporação dos tratados internacionais de meio ambiente no direito interno brasileiro, lecionam Schimidt e Freitas:

"Se pesquisarmos a jurisprudência específica sobre aplicação de tratados internacionais de direito ambiental, praticamente nada encontraremos. Os juízes não se utilizam destas normas para fundamentar decisões; tampouco os advogados usam-nas. [...] Provavelmente este fato advém de duas questões: a falta de conhecimento e o próprio sistema dualista existente em nosso país."[9]

De fato, o primeiro e, até o momento, o único tratado aprovado conforme o rito da EC n.º 45/2005, é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, juntamente com o seu Protocolo Facultativo, sendo assim, este tratado só pode ser ampliado, não pode sofrer restrições.

Portanto, mesmo em uma análise superficial, é possível perceber que o Brasil ainda precisa evoluir muito no que se refere à proteção dos direitos humanos, facilitando a incorporação dos tratados que versem sobre o tema.

Desse modo, com relação à precária aplicação dos tratados internacionais de direito ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, destaca Mazzuoli:

"Assim os tratados internacionais de direito ambiental, a partir do momento em que se incorporam ao direito brasileiro, possuem força de lei e devem ser aplicados pelos Tribunais, da mesma maneira, mesma extensão e com a mesma obrigatoriedade própria à aplicação do direito interno."[10]

Face às duas sistemáticas de incorporação, verifica-se que o Brasil optou por um sistema misto, no qual os tratados internacionais de direitos humanos, por serem direitos fundamentais, se incorporam automaticamente e, portanto, têm aplicabilidade imediata, enquanto os demais dependem de lei que os implementem.

Essa conclusão deriva da falta expressa de menção constitucional a qualquer corrente (monista e dualista), adotando-se a dualista nesta pesquisa, onde há duas ordens jurídicas distintas, salvo para os tratados internacionais de direitos humanos, onde se aplicam, a teoria monista, com aplicação imediata destes tratados ao ordenamento interno brasileiro.

Nesse caso, considerando-se que, como já exposto, o direito ao meio ambiente é um direito humano fundamental de terceira dimensão, a própria CRFB/88 permite que os tratados assinados pelo Brasil relativos à preservação e conservação do meio ambiente, como requisito ao direito à vida e existência digna, adquiram status de norma constitucional.

Todos esses argumentos sustentam a seguinte conclusão:

"O direito brasileiro faz opção por um sistema misto disciplinador dos tratados, sistema que se caracteriza por combinar regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos – por força do art. 5, § 2.°, - apresentam hierarquia constitucional, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional."[11]

Ademais, “O regime jurídico diferenciado conferido aos tratados de direitos humanos não é, todavia, aplicável aos demais tratados, isto é, tratados tradicionais”.[12]

Pode-se concluir, portanto, diante do todo exposto que a CRFB/88 confere tratamento especial aos Direitos Humanos, ao reconhecer sua eficácia imediata e universalidade, como fica bem evidente no artigo 5.º, LXXVIII, parágrafo 1.º, da CRFB/88. A esse respeito, nos esclarece Dallari:

"[...] se a Constituição distinguiu os tratados de Direitos Humanos, o fez para assegurar-lhes uma condição mais relevante no quadro da hierarquia das normas jurídicas vigentes no Brasil do que aquela reconhecida para o restante das normas convencionais [...]."[13]

Em consulta a recentes decisões do STF, ao que tudo indica, a Suprema Corte brasileira está em vias de mudança, contudo esta ainda mantém a posição de que: os tratados comuns situam-se no mesmo nível das leis ordinárias, porém com relação ao status jurídico dos tratados de direitos humanos, sinaliza um certo avanço em sua jurisprudência.[14]

Evidencia-se o acima afirmado através do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 em 22 de novembro de 2006, do STF, em emblemático voto proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, quando discutido sobre a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel diante do disposto no artigo 7.º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), posicionamento igualmente adotado nesta pesquisa, ao destacar:

"[...] a reforma acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico [...]."[15]

O STF, portanto, entende atualmente que:

"Os tratados internacionais de direitos humanos possam adquirir hierarquia constitucional, desde que observado o procedimento previsto no parágrafo 3º, artigo 5º da CRFB/88, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004."[16]

Contudo, no entendimento de Mazzuoli, a configuração dos tratados de direitos humanos como normas de hierarquia constitucional, não necessita do procedimento contido no artigo 5.°, parágrafo 3.° da CRFB/88, contrariando o posicionamento já demonstrado do STF, conforme se infere:

"Segundo sempre entendemos, qualquer tratado de direitos humanos ratificado pelo Brasil (independentemente do quorum de aprovação) tem índole e nível de normas constitucionais. Sobre esse assunto [...] Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto no § 2° do art. 5° da Constituição [...], pois na medida em que a Constituição não exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu bloco de constitucionalidade e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional."[17]

Por fim, conclui o internacionalista:

"Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3° do art. 5 ° equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe referido parágrafo [...] O que se deve entender é que o quorum que o § 3° do art. 5° estabelece serve tão-somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2° do art. 5° da Constituição."[18]

No entanto, na presente pesquisa, optou-se por seguir o entendimento do STF, no sentido de que:

"[...] embora a reforma constitucional tenha ressaltado o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento, não podendo ser equiparados à legislação ordinária, não podem estes ser comparados às normas constitucionais."[19]

Dessa forma, com a posição firmada do STF a configuração da pirâmide jurídica do ordenamento brasileiro foi modificada: na parte inferior encontra-se a lei e no topo encontra-se a CRFB/88 e os tratados de direitos humanos, desde que aprovados com o quorum qualificado do artigo 5º, parágrafo 3º da CRFB/88, eis que o STF ainda mantém a sua posição acerca do nível constitucional dos tratados de direitos humanos.

No mesmo sentido, com relação ao posicionamento adotado pelo STF e por esta pesquisa, ressalta Cortez:

"O posicionamento defendido não deixou de representar um avanço na jurisprudência do STF, ao pretender estabelecer um mecanismo de compatibilização entre a legislação infraconstitucional e os tratados de direitos humanos, desde que não fossem afetados dispositivos constitucionais. Ao sujeitar a legislação infraconstitucional – lei ordinária ou lei complementar – aos tratados de direitos humanos e estes à Constituição, a aplicação desta tese traria como implicação a prevalência dos tratados, no plano dos efeitos jurídicos, sobre as leis infraconstitucionais, ainda que fosse lícito admitir o exercício do controle de constitucionalidade contra as normas internacionais."[20]

Destaca-se ainda, a decisão do Superior Tribunal de Justiça [21], tendo como relator o Ministro José Delgado, em maio de 2006:

"Quando do RHC 18799, [...] o § 3.° do art. 5.° da CF/88, acrescido pela EC n.º 45, é taxativo ao enunciar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais."[22]

De todo o exposto, vislumbra-se que o ordenamento brasileiro é bastante evoluído na questão ambiental, faltando, entretanto, conferir-se à norma positiva real efetividade.

Todavia, portanto, em que pese a forte vocação ambientalista do ordenamento jurídico brasileiro:

"O Brasil já esteve envolvido em acidentes ambientais de vulto, os quais, embora nem sempre tenham causado danos que ultrapassassem as fronteiras de nosso Estado, chamaram a atenção da comunidade internacional seja pela extensão e natureza dos danos ambientais, seja pela diversidade de ecossistemas presentes em nosso território, ou pela influência desses ecossistemas na saúde do meio ambiente do planeta, como é o caso da Floresta Amazônica."[23]

Por fim, considerando a existência de uma preocupação internacional em encontrar soluções uniformes para assegurar os direitos fundamentais, conclui-se que a legislação brasileira que advenha tanto de origem interna quanto internacional, devem ser utilizadas em conjunto, harmonicamente, em busca da implementação de normas de proteção ambiental, bem coletivo e comum da humanidade.


Notas e Referências:

[1] SCHIMIDT; FREITAS, 2009, p. 23.

[2] GOMES; REIS, 2007, p. 84.

[3] SCHIMIDT; FREITAS, 2009, p. 25.

[4] REIS, 2010, p. 25.

[5] BRASIL, 1981, p. 2.

[6] TRINDADE, 1997, p. 402. * “Artigo 5°, § 1.°, CF/1988. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 1981, p. 2).

[7] MAZZUOLI, 2001, p. 96.

[8] REIS, 2010, p. 26.

[9] Op. Cit., p. 26.

[10] MAZZUOLI, 2001, p. 203.

[11] PIOVESAN, 2009, p. 67/68.

[12] GOMES; REIS, 2007, p. 236.

[13] DALLARI, 2003, p. 61.

[14] BRASIL, 2011c.

[15] “EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coerci-tiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Inter-pretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Acesso em 11 mai. 2011” (BRASIL, 2011d). 17 SOARES, 2011. 18 MAZZUOLI, 2009.

[16]SOARES, 2011.

[17]MAZZUOLI, 2009.

[18] Ibid., 2009.

[19] CAMILLO, 2010.

[20] BONIFÁCIO, 2008, p. 223.

[21] BRASIL, 2011f.

[22] PIOVESAN, 2009, p. 73.

[23] REIS, 2010, p. 13.


Danielle Heil (1) .

Danielle Mariel Heil é advogada, atualmente Procuradora Adjunta do Município de Brusque-SC, especialista em Direito Constitucional pela Fundação Educacional Damásio de Jesus e em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina.  


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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