...And Justice for All: Uma abordagem sobre Direito e Rock

16/04/2017

Por Vinícius Anacleto Burato – 16/04/2017

O Rock nacional estava em alta durante os anos que antecederam a promulgação da Constituição de República, em 1988. As letras das músicas cantadas pelas bandas da época empolgavam, pois representavam a manifestação do que acontecia no dia a dia da sociedade brasileira daqueles tempos. Ousadia e subversão são os termos que definem o papel que muitos dos conjuntos musicais realizaram durante os anos 80, enfrentando com coragem a ordem instituída no país. Para se evitar a censura, ou até mesmo a prisão, era necessária a criatividade artística para driblar as barreiras que impediam o brasileiro de manifestar o pensamento e a insatisfação contra a estrutura de governo vigente. O estudo do tema é interessante e relevante, pois retrata parte da história do Brasil sob outro aspecto, recomendando-se a leitura da obra “Direito & Rock: O BRock e as expectativas normativas da Constituição de 1988 e o Junho de 2013”, de autoria de Germano Schwartz, sendo de grande valia para entender a relação do Direito com o Rock nacional dos anos 80.

Mas não são apenas as músicas do Rock nacional que muito tem a ver com o nosso Direito. O título do presente texto é o nome de uma música da banda norte-americana Metallica, lançada no ano de 1988 (mesmo ano de promulgação da Constituição brasileira), fazendo parte do álbum cujo seu nome é a faixa-título. Passados quase 30 anos de seu lançamento, sua letra permanece atual, assemelhando-se, em muito, à realidade brasileira. Fato curioso foi uma petição criada por fãs da banda, no ano de 2013, com o objetivo de trocar o hino nacional brasileiro pela música do grupo estadunidense.[1]

Infelizmente, as promessas do constituinte originário nunca se concretizaram. Em outras palavras, o que há no Brasil é uma democracia formal, e não material. Por isso, a sujeira, a corrupção, o “jeitinho”, infelizmente, fazem parte da cultura brasileira, impedindo o progresso nacional. Ou seja, não há distribuição de riqueza, não há direito a educação, a saúde, a alimentação, ao trabalho, a moradia, ao lazer, a segurança, entre outros elencados no artigo 6º da Constituição da República. Ao tomar por base a letra da música do Metallica e refletir um pouco sobre o (eterno) caos instituído no Brasil, torna-se perceptível a íntima relação com a nossa realidade social e institucional.

Retratando bem os dilemas jurídico-sociais brasileiros, a letra inicia com os seguintes versos: “Halls of justice painted green / Money talking” (Palácios de justiça pintados de verde / Dinheiro fala mais alto). Durante muitos anos, até a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no ano de 2004, pela Emenda Constitucional n. 45, a corrupção sempre esteve muito presente no interior do sistema de justiça brasileiro. Com a criação destes dois órgãos de controle, muitas práticas reprováveis realizadas por membros do Judiciário e do Ministério Público foram descobertas, tendo por consequência a punição dos responsáveis. Os atos mais comuns eram as vendas de decisões e nepotismo. Uma verdadeira “casa de negócios”. Hoje a realidade encontra-se um pouco modificada e o número de magistrados e membros do MP envolvidos em práticas que vão a sentido contrário aos princípios que norteiam a administração pública tornou-se minoritário. No entanto, há muito a ser combatido, devendo-se, sempre, respeitar os preceitos constitucionais, evitando-se a vala comum da “fúria punitiva”.

Outra frase presente na letra – “Hammer of justice crushes you” (O martelo da justiça te esmaga) – merece destaque. Em interessante artigo intitulado “Profissionais do Direito deveriam ouvir mais heavy metal”, o autor, Raul Haidar, com precisão, interpreta o citado trecho à brasileira:

Quando o Metallica afirma que “o martelo da Justiça te esmaga” aponta, certamente, as decisões equivocadas que muitas vezes são mantidas em todas as instâncias, pela interpretação distorcida da realidade ou pelo exagero das formalidades que transformam o meio em um fim em si mesmo. Esse martelo ignora os dramas dos destinatários da Justiça e esmaga não apenas as pessoas, mas os próprios alicerces da sociedade, sobre os quais a própria Justiça está amparada.[2]

Por conta do excesso de formalidade e da inobservância dos sacrifícios enfrentados por grande parcela dos brasileiros, o “martelo da Justiça” também esmaga os excluídos do acesso ao Judiciário. Muitos não conseguem pleitear um direito por não terem condições financeiras para tanto. A verdade é que este seleto grupo somente está envolvido em um processo judicial quando se vêem acusados de um crime, muitos destes insignificantes, devido a já mencionada “fúria punitiva” que presenciamos nestes tempos sombrios do Direito Penal, que deve(ria) ser a ultima ratio. Acredita-se, ainda, com certa ingenuidade, que os institutos do Direito Penal são capazes de enfrentar a criminalidade, enquanto a criminologia e outros saberes das ciências sociais ainda estudam este complexo fenômeno, na busca de uma (possível) solução para o problema.

Seguindo a música, pois “o show não pode parar”, temos os seguintes versos: “Apathy their stepping stone / So unfeeling / Hidden deep animosity / So deceiving” (A apatia é o que os sustenta / Tão insensíveis / Hostilidade escondida no interior / Tão enganador). Friedrich Nietzsche certa vez disse: "Paga-se caro por chegar ao poder: o poder imbeciliza". Muitos daqueles que integram o alto escalão do sistema de justiça brasileiro sentem-se verdadeiros “deuses”, “o todo poderoso soberano”, “como se” estivessem cumprindo uma “função divina” na Terra, o que acaba, por infeliz consequência, tornando a arrogância, a prepotência, o ego, entre outros atributos da pior espécie, as principais características desses agentes que tem por função lidar com os problemas humanos e sociais. É necessário ter sensibilidade, isto é, ser compreensivo, atencioso, humilde e estar disposto a mudar a triste realidade a que lhe é apresentada. Não se trata de fazer uma revolução, mas sim, cada um fazer a sua parte, dentro de seus limites de atuação, para tornar o mundo em um lugar melhor para se viver. Felizmente, há pessoas que não se deixam levar pelo cargo que ocupam e compreendem a verdadeira essência de sua profissão.

Outra frase que merece algumas considerações: “Lady Justice has been raped” (A senhora justiça foi violentada). Por conta da cultural e habitual prática de atos de corrupção, principalmente pelos agentes do alto escalão do poderes da República, a materialização/concretização de justiça social no Brasil encontra dificuldades para se tornar realidade. A consequência é o desemprego, a exclusão social, milhões jogados na miséria, milhões sem oportunidades para realizarem seus sonhos, pessoas morrendo nos hospitais e pessoas sem acesso à educação. Eis a justiça violentada. “Ela é violentada pelos que a deturpam, pelos que a colocam abaixo de interesses mesquinhos, pelos que imaginam poder transformá-la em moeda de troca para alguma coisa.”[3]

A relação do Direito com as artes, em especial a música e a literatura, merecem destaque, pois o sistema jurídico precisa ser compreendido para além dos textos legais. As artes muito têm a nos dizer, pois elas são capazes de expressarem sentimentos, problemas do cotidiano, entre outras coisas de forma tão mágica, bela a criativa. No presente texto, com a música trabalhada neste pequeno escrito, buscou-se demonstrar a arte como expressão da realidade jurídico-social, algo omitido nas teorias trabalhadas em obras acadêmicas. Não se trata de um fim em si mesmo, mas de uma colaboração a uma nova forma de se ver o direito.

Por fim, a frase de maior indignação contida na letra da música: “I can't believe the price we pay” (Eu não consigo acreditar no preço que nós pagamos). Pagamos caro para o funcionamento de um sistema que não supera nossas expectativas. Pagamos caro por um sistema que por muito tempo praticou atos de corrupção sem consequências aos responsáveis, devido a sua constituição por mitos criados pela dogmática jurídica. Pagamos caro pela Justiça, mas não temos Justiça. Em verdade, não sabemos ao certo o que é Justiça, pois não a conhecemos. Mas a injustiça não precisa de significado, pois ela já é conhecida por todos. “...And Justice for all”, se possível.


Notas e Referências:

[1] G1. Fãs fazem petição para trocar hino do Brasil por música do Metallica. Disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/04/fas-fazem-peticao-para-trocar-hino-do-brasil-por-musica-do-metallica.html>. Acesso em: 29 mar. 2017.

[2] HAIDAR, Raul. Profissionais do Direito deveriam ouvir mais heavy metal. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jan-30/raul-haidar-profissionais-direito-deveriam-ouvir-heavy-metal>. Acesso em: 05 abr. 2017.

[3] Ibidem.


Vinícius Anacleto Burato. . Vinícius Anacleto Burato é acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Bass and Details / / / Facebook // Foto de: Valentin Ottone // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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