Por Alan Pinheiro de Paula – 10/08/2016
Em meio aos ataques criminosos no Estado do Rio Grande do Norte, o Supremo Tribunal Federal, na última quarta-feira (3 de agosto), declarou que os Estados não podem obrigar as operadoras de telefonia celular a instalar bloqueadores de sinal telefônico móvel nos estabelecimentos prisionais [1]. Como assim Doutor?
Desde a última semana do mês de julho, dezenas de ações criminosas são registradas no Estado do Rio Grande do Norte, incluindo atos de incêndio em vias públicas, além de atentados contra postos da Polícia Militar e Delegacias de Polícia. De acordo com informações prestadas à imprensa pelas autoridades locais, a instalação de bloqueadores de celular na Penitenciária Estadual de Parnamirim, na Grande Natal, seria um dos motivos dos atentados [2].
É cediço que presidiários e integrantes de facções criminosas, mesmo que recolhidos em estabelecimentos prisionais, continuam desempenhando suas atividades ilícitas no ambiente intra e extra prisional, fato este facilitado pela utilização indiscriminada de aparelhos de telefonia celular. Mas preso pode usar telefone celular Doutor? Claro que não! A posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico nos estabelecimentos prisionais constitui falta disciplinar grave, de acordo com o previsto no artigo 50, VII, da Lei de Execução Penal [3]. Além disso, aquele que promove a entrada de aparelho telefônico em estabelecimento prisional e/ou o agente penitenciário que deixa de cumprir seu dever de vedar seu acesso ao preso, estão sujeitos à responsabilidade penal, conforme prevê os artigos 349-A e 319-A, do Código Penal [4].
Destarte, em razão do mau serviço estatal quanto à fiscalização e controle de aparelhos de telefone celular nos presídios, diversos Estados passaram a legislar sobre o assunto. A título de exemplo, por força da Lei Catarinense n° 15.829/2012, foi determinada às empresas de telefonia a instalação de bloqueadores de sinais de radiocomunicações nos estabelecimentos prisionais, sendo estabelecida pena de multa em caso de descumprimento[5]. Além de Santa Catarina, esta imposição foi regulamentada nos Estados do Mato Grosso, na Bahia, no Paraná e no Mato Grosso do Sul.
Mas isso pode Doutor? Na verdade, a proibição da entrada desses tipos de aparelho já deveria ter resolvido o problema, mas é de conhecimento geral que não é fácil assim. Mas poderiam as empresas de telefonia ser obrigadas a bloquear o sinal telefônico nos estabelecimentos prisionais em razão da ineficiência estatal? Conforme previsto na Constituição Federal, artigo 22, IV, compete privativamente à União legislar sobre telecomunicações. Já em seu artigo 24, inciso I e V, compete concorrentemente à União e aos Estados legislar sobre direito financeiro e sobre consumo [6]. De acordo com a predominância de interesses, competência “é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão, ou ainda a um agente do poder público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções” (José Afonso da Silva) [7].
Logo, para que a questão acima seja respondida, deve ser questionado sobre qual matéria este tema estaria inserido. Seria sobre telecomunicações? Sobre consumo? Ou sobre direito penitenciário? Se a resposta for sobre telecomunicações, não poderiam os Estados-membros legislar sobre o assunto sem delegação do Congresso Nacional, uma vez que se trata de competência privativa da União. No entanto, se a reposta for sobre consumo ou direito penitenciário, os Estados poderiam sim legislar.
E qual é a resposta Doutror? Embora seja uma questão polêmica, de acordo com recente decisão do Supremo Tribunal Federal, firmou-se o entendimento de que a matéria tratada neste artigo estaria se referindo a “telecomunicações”. Assim sendo, somente a União pode legislar sobre bloqueadores de sinal de celular em presídios. E essa lei existe Doutor? A resposta é positiva e, de acordo com o que prevê a Lei n° 10.792/2003, artigo 4°, cabe aos estabelecimentos prisionais à instalação de bloqueadores de telecomunicações para telefones celulares [8].
Tudo começou quando a Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) propôs as Ações Diretas de Inconstitucionalidades n° 5356, 5327, 5253, 4861 e 3835, referentes aos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso. Para a entidade, ao determinar os bloqueadores de sinal de celular em presídios, esses Estados teriam usurpado a competência privativa da União para legislar sobre “telecomunicações”.Além disso, as obrigações previstas nas legislações estaduais estariam criando obrigações não previstas nos contratos de concessão de serviço para as concessionárias de serviços de telecomunicações.
Neste diapasão, Hely Lopes menciona: "O equilíbrio financeiro ou equilíbrio econômico, ou equação econômica, ou ainda equação financeira do contrato administrativo é a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste. Essa relação encargo-remuneração deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que o contratado não venha a sofrer indevida redução nos lucros normais do empreendimento” [9].
Em acordo com o acima exposto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que obrigam empresas de telefonia móvel a instalarem equipamentos para o bloqueio do serviço de celular em presídios. Por maioria de votos, os ministros julgaram procedentes as cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas sobre o tema, por entenderem que os serviços de telecomunicações são matéria de competência privativa da União e não dos estados federados. De acordo com o Relator da ADI 3835, ministro Marco Aurélio, que votou pela inconstitucionalidade das leis atacadas, fazendo alusão á Lei Federal n° 10.792/2003, “O ônus foi imposto não à concessionária, mas sim ao estabelecimento penitenciário.” Do mesmo modo votaram os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o Presidente Ricardo Lewandowski. Já em sentido contrário, votaram os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, os quais identificaram matéria de direito penitenciário e reconheceram a competência dos Estados-membros para legislar sobre tal assunto [10].
E agora Doutor? O que fazer? Simples. A instalação dos famigerados bloqueadores de sinal de telefonia nos presídios é perfeitamente possível, no entanto, todo o ônus deve ser suportado pelos estabelecimentos prisionais (Estado) e não às empresas concessionárias. Tão fácil assim Doutor? Deveria, se não fosse a situação babélica do sistema prisional e da segurança pública, que vemos soçobrar diante do crime organizado.
Bem, mesmo diante deste cenário, torçamos para que essa situação seja superada e que o Brasil seja “ouro” nos Jogos Olímpicos, já que está muito aquém do pódio na vida real. Se não formos otimistas, quem será?
Notas e Referências:
[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=322213.
[3] Brasil, Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal.
[4] Brasil, Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
[5] Santa Catarina, Lei n° 15.829, de 24 de maio de 2012.
[6] Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013.
[8] Brasil, Lei n° 10.792, de 1° de dezembro de 2003.
[9] Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, p. 209.
[10] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=322213.
. Alan Pinheiro de Paula é é Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Professor de Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor convidado em diversos cursos preparatórios para concursos públicos. Professor da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (ACADEPOL). Delegado de Polícia.
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