Alguém ainda não compreendeu que o sol nasce para todos: STF, STJ e os Embargos de Declaração na ADI n. 3943

21/11/2015

Por Helom Nunes e Maurilio Casas Maia - 21/11/2015

O provérbio popular “o sol nasce para todos” tem seus contornos perfeitamente aplicáveis às ações coletivas quando os conceitos de processo justo e de democracia demandam efetivação.

Ora, este é o espírito constitucional. Garantir a todos as promessas constitucionais. Para tanto, impera entre nós a legitimidade concorrente e disjuntiva (artigo 5º da Lei n. 7347/85), de forma a garantir que os direitos coletivos sejam tutelados pelo maior número de atores, desde que possuidores de legitimidade legislativa.

Além da lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm confirmado a legitimidade coletiva da Defensoria Pública.

Na ADI n. 3943, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a legitimidade coletiva da Defensoria Pública, oportunidade em que não aceitou os argumentos apresentados pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. Em recente decisão, mais uma vez, o STF, por unanimidade dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 733433 e afirmou que "A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas."

Por sua vez, no EREsp 1192577, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se discute abusividade de aumento de plano de saúde de idosos. Na oportunidade, o tribunal da Cidadania deu a mais ampla interpretação da expressão “necessitados” (artigo 134, caput, da Constituição), ratificando o entendimento firmado no REsp 1.264.116 (o conceito de necessitado deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis).

Como se vê, é indubitável: a Defensoria Pública está entre os legitimados. Isso porque, a Instituição, pela sua postura e convívio na comunidade, é aquela mais vocacionada a proteger os necessitados vulneráveis[1].

A doutrina refinada também confirma que o sol nasceu para todos os legitimados no processo coletivo. Nessa toada, Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti[2] ressaltam que há tendência de ampliação da legitimidade coletiva desde a edição Lei de Ação Civil Pública (LACP), em 1985, quando foi conferida legitimidade às Associações para a tutela de interesses coletivos em sentido amplo. Aliás, quando na nacionalização da Defensoria Pública na CRFB/88, jamais fora indicado qualquer veto à atuação coletiva da Instituição e, ademais, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, o art. 82, III – voltado à legitimação de órgãos despersonalizados –, já ratificava, desde 11.9.1990, a legitimidade coletiva defensorial.

Ademais, grande parcela doutrinária já superou a visão “guetificada” de necessitado meramente econômico para o processo coletivo. Com essa visão, vide: Rodolfo de Camargo Mancuso, Ada Pellegrini Grinover, Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti Jr., Daniel Amorin Assumpção Neves, Eudóxio Cêspedes Paes, Alexandre Freitas Câmara e Cássio Scarpinella Bueno (para maiores detalhes e referências, leia aqui).

Malgrado a lei, jurisprudência e doutrina possuírem uma compreensão democrática, concorrente e disjuntiva pregando a legitimidade coletiva da Defensoria Pública, alguém ainda não compreendeu que “o sol nasceu para todos no processo coletivo”.

Prova disso, foram os Embargos de Declaração opostos pela CONAMP na ADI n. 3943 (veja mais aqui). Na ocasião, alegava-se contradição no coeso acórdão relatado por ministra Carmen Lúcia, porquanto não se compreendera a distinção entre a atuação na fase coletiva e a posterior fase individual (liquidação e execução individual), tese já seguida pelo STJ no EREsp 1192577.

Não há dúvida que “o sol nasceu para todos” no processo coletivo e democrático, especialmente quando olhamos para os beneficiários. Ora, não compreender a legitimidade coletiva da Defensoria Pública é impedir que os raios do sol da justiça alcance milhares de vulneráveis, “aqueles socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras; enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado”[3].

Assim, como os outros órgãos legitimados possuem sua missão, não se pode ficar cego para uma realidade: Existem grupos, coletividades e movimentos sociais que possuem naturalmente maior envolvimento com a Defensoria Pública, isso pelo comportamento, em geral, contramajoritário da Defensoria Pública – especialmente quando envolvidas as minorias e os necessitados jurídicos e organizacionais. Nestes casos, esclareça-se, a atuação do Estado-Defensor vai muito além de encontrar uma resposta jurídica, alcançando assim respostas sociais para que a sociedade alcance a qualidade de livre, justa e solidária.

A legitimidade coletiva da Defensoria Pública evidencia a democracia no processo coletivo, pois permite o maior número que o maior de beneficiários sejam alcançados pela promessa constitucional de acessos à justiça. Trata-se de conferir legitimidade coletiva à Defensoria Pública devidamente adequada à chamada “segunda onda renovatória de acesso à Justiça”[4].

Como se vê, ainda que alguém não compreenda, a legitimidade coletiva da Defensoria Pública tem respaldo legal, doutrinário e das colendas Cortes do País, cabendo perfeitamente parafrasear Renato Russo: “O sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer”.


Notas e Referências:  

[1] SANTOS NETO, Arlindo Gonçalves dos. Defensoria Pública de Anitta. Revista Visão Jurídica, São Paulo, v. 101, p. 70-71, Out. 2014.

[2] DIDIER JR., Fredie. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4. 9ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2014, p. 196.

[3] BENJAMIM. Herman. Retirado do voto Apresentado no REsp 1.264.116.

[4] MAIA, Maurilio Casas. A Segunda Onda de acesso à Justiça e os necessitados constitucionais: por uma visão democrática da Defensoria Pública. In: Costa-Corrêa, André L.; Seixas, Bernardo Silva de; Souza, Roberta Kelly Silva; Silvio, Solange Almeida Holanda. (Org.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. 1ed.Birigui-SP: Boreal, 2015, v. 1, p. 182-204.


Helom Nunes

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Helom Nunes é Defensor Público do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universal Federal do Amazonas. .

 


 

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email: mauriliocasasmaia@gmail.com Facebook: aqui .

 


Imagem Ilustrativa do Post: 15 de Dezembro, 7h 45m, 3º Celsius, uma aragem gélida na face..... // Foto de: Francisco / Com alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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