A Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime) introduziu na Lei de Drogas e no Estatuto do Desarmamento a figura do “agente policial disfarçado”.
Assim é que, dentre as figuras equiparadas ao tráfico de drogas previstas no §1º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas), punidas com as mesmas penas do “caput” (reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa), foi inserida a do inciso IV, do seguinte teor: “IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”
No caso específico da Lei de Drogas, se trata de um agente policial que atua de maneira disfarçada, visando a investigação e eventual prisão em flagrante de traficantes, fazendo-se passar por comprador de drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.
Vale destacar, entretanto, que o agente policial disfarçado não pode, em hipótese alguma, induzir o sujeito ao tráfico ou preparar de qualquer forma o flagrante, hipótese na qual haveria crime impossível, nos termos do disposto na Súmula 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Isso porque a alegação de flagrante preparado, em crime de tráfico ilícito de drogas, é muito comum, pleiteando-se o reconhecimento de crime impossível na conduta de policiais que, fazendo-se passar por usuários, buscam adquirir drogas de traficante, prendendo-o em flagrante delito no ato da venda. No flagrante preparado, interfere o provocador, que induz o suspeito à prática do crime. Figura totalmente diferente é a do flagrante esperado, em que a polícia, alertada da prática delituosa, surpreende o delinquente no ato da infração, lavrando então a prisão, não tendo a iniciativa do crime partido dos agentes de autoridade.
Nesse caso, ante a multiplicidade de condutas típicas previstas no “caput” do art. 33, indicando tipo misto alternativo, é plenamente válida a prisão em flagrante do traficante que vende ou entrega a droga a policial disfarçado de usuário, de vez que, antes da venda, já estava o crime de tráfico consumado nas condutas de “ter em depósito”, “trazer consigo”, “guardar” etc, todas configuradoras de crime permanente.
Além disso, para a atuação do agente policial disfarçado, exigiu expressamente o novo dispositivo introduzido pela Lei Anticrime que devem estar presentes “elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente”, o que significa a existência de elementos suficientes indicativos de que o criminoso já tenha realizado a conduta delitiva anteriormente, ou seja, que já esteja envolvido com o tráfico de drogas.
O mesmo se diga com relação à Lei n. 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), na qual também foi inserida a figura do “agente policial disfarçado” no crime de comércio ilegal de arma de fogo (art. 17, §2º) e no crime de tráfico internacional de arma de fogo (art. 18, parágrafo único).
No que se refere à infiltração virtual, também foi figura acrescentada à Lei n. 12.850/13 (Crime Organizado) nos arts. 10-A a 10-D, pela Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime).
Pela inovação legislativa trazida pela Lei Anticrime, foi admitida a ação de agentes de polícia infiltrados virtuais na “internet”, obedecidos os requisitos legais, com o fim de investigar os crimes previstos na Lei n. 12.850/13 (Crime Organizado) e a eles conexos, praticados por organizações criminosas, desde que demonstrada sua necessidade e indicados o alcance das tarefas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas.
A inovação legislativa definiu também o que se entende por “dados de conexão”, como sendo informações referentes a hora, data, início, término, duração, endereço de Protocolo de Internet (IP) utilizado e terminal de origem da conexão; e “dados cadastrais”, como informações referentes a nome e endereço de assinante ou de usuário registrado ou autenticado para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário ou código de acesso tenha sido atribuído no momento da conexão.
A infiltração virtual deve ser deferida pelo juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.
Entretanto, somente será admitida a infiltração virtual se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º da Lei n. 12.850/13 e se as provas não puderem ser produzidas por outros meios disponíveis.
Quanto à duração, a infiltração virtual será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, mediante ordem judicial fundamentada e desde que o total não exceda a 720 (setecentos e vinte) dias e seja comprovada sua necessidade.
No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público e o juiz competente poderão requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.
Vale anotar que o §7º do art. 10-A, dispõe expressamente que é nula a prova obtida sem a observância das regras fixadas em lei para a infiltração virtual.
Ademais, a lei prevê no art. 10-C que não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da “internet”, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no art. 1º da Lei n. 12.850/13. Entretanto, o agente policial infiltrado que deixar de observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos excessos praticados.
Inclusive, a lei admite que os órgãos de registro e cadastro público incluam nos bancos de dados próprios, mediante procedimento sigiloso e requisição da autoridade judicial, as informações necessárias à efetividade da identidade fictícia criada, nos casos de infiltração de agentes na “internet”.
Ao final da investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado. Os atos eletrônicos registrados serão reunidos em autos apartados e apensados ao processo criminal juntamente com o inquérito policial, assegurando-se a preservação da identidade do agente policial infiltrado e a intimidade dos envolvidos.
Por fim, é oportuno lembrar que a Lei n. 13.441/07 já havia acrescentado ao Capítulo III do Título VI da Parte Especial do Estatuto da Criança e do Adolescente a Seção V-A, cuidando da infiltração de agentes de polícia para a investigação de crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente, assunto que já tratamos em artigo anterior, nesta coluna.
As disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, entretanto, não se referem a qualquer tipo de organização ou associação criminosa, estabelecendo regras para a infiltração de agentes de polícia na “internet” com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 240, 241, 241-A a 241-D do próprio Estatuto e também nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal, todos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.
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