AFINAL, AGENTE PÚBLICO PODE RECEBER PRESENTE?

09/03/2023

Os questionamentos que se colocam desde o início são: um funcionário ou agente público, no exercício da função ou em razão dela, pode receber presentes? E as autoridades públicas? E o Presidente da República?

Primeiramente, cumpre salientar que o art. 117, XII, da Lei n. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, estabelece que ao servidor público é vedado “receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições”, não esclarecendo, contudo, o que se entende por “presente”.

No âmbito da administração pública federal, a matéria vinha regulada pelo Decreto n. 4.081, de 11 de janeiro de 2002, que instituiu o Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em exercício na Presidência e Vice-Presidência da República, impondo-lhes o dever de pautar-se pelos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, moralidade e probidade, mantendo clareza de posições e decoro, com vistas a motivar respeito e confiança do público em geral, sendo-lhes vedado receber presentes, salvo os que não tenham valor comercial ou que não ultrapassem o valor de R$ 100,00. Recebendo presente de maior valor e não podendo devolvê-lo ou recusá-lo, estes deveriam ser incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidades de caráter cultural ou filantrópico.

Ocorre que o referido Decreto n. 4.081/02 foi revogado pelo Decreto n. 9.895/19, que dispôs sobre a Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e da Vice-Presidência da República, órgão consultivo destinado a aplicar o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994.

Este último decreto, em seu Anexo, Capítulo I, Seção I, cuidando “Das Regras Deontológicas”, estabeleceu, no item I, que “A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.”

Ante a revogação do Decreto n. 4.081/02, foi instituído, em 21.08.2000, o novo Código de Conduta da Alta Administração Federal, com as finalidades de tornar claras as regras éticas de conduta das autoridades da alta Administração Pública Federal, para que a sociedade possa aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental; contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos da Administração Pública Federal, a partir do exemplo dado pelas autoridades de nível hierárquico superior; preservar a imagem e a reputação do administrador público, cuja conduta esteja de acordo com as normas éticas estabelecidas no Código; estabelecer regras básicas sobre conflitos de interesses públicos e privados e limitações às atividades profissionais posteriores ao exercício de cargo público; minimizar a possibilidade de conflito entre o interesse privado e o dever funcional das autoridades públicas da Administração Pública Federal; e criar mecanismo de consulta, destinado a possibilitar o prévio e pronto esclarecimento de dúvidas quanto à conduta ética do administrador.

As normas do Código de Conduta são aplicáveis aos Ministros e Secretários de Estado; aos titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível seis; e aos presidentes e diretores de agências nacionais, autarquias, inclusive as especiais, fundações mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista.

O Código silencia sobre a sua aplicação ao Presidente e ao Vice-Presidente da República.

Já havia sido criada pelo Decreto de 26 de maio de 1999 a Comissão de Ética Pública (CEP), para atuar como instância consultiva do Presidente da República e Ministros de Estado em matéria de ética pública e ser responsável por administrar a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal, dirimindo dúvidas acerca da interpretação tanto de suas normas quanto do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Além disso, a Comissão de Ética Pública manifesta-se em consultas sobre a existência de conflito de interesses e apura, mediante denúncia, ou de ofício, condutas em desacordo com as normas previstas no Código de Conduta da Alta Administração Federal. É também responsável pela coordenação, avaliação e supervisão do Sistema de Gestão da Ética Pública do Poder Público Federal.

Posteriormente, com o Decreto n. 6.029, de 1º de fevereiro de 2007, foi instituído o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo federal, destacando-se novas atribuições à Comissão, entre as quais a coordenação, avaliação e supervisão do referido Sistema.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal, em seu art. 9º, estabelece:

“Art. 9º. É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade.

Parágrafo único.  Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que:

I - não tenham valor comercial; ou

II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).”

No âmbito da Comissão de Ética Pública, foi editada a Resolução n. 3, de 23 de novembro de 2000, estabelecendo “Regras sobre o tratamento de presentes e brindes aplicáveis às autoridades públicas abrangidas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal.”

A dita Resolução dispõe, no item I, que a proibição de que trata o Código de Conduta se refere ao recebimento de presentes de qualquer valor, em razão do cargo que ocupa a autoridade, quando o ofertante for pessoa, empresa ou entidade que esteja sujeita à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a autoridade; quando o ofertante tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que possa ser tomada pela autoridade, individualmente ou de caráter coletivo, em razão do cargo; quando o ofertante mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a autoridade; ou quando o ofertante represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de pessoas, empresas ou entidades compreendidas nas hipóteses anteriores.

Entretanto, a aceitação de presentes é permitida, de acordo com o item 2 da Resolução, em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade que se enquadre em qualquer das hipóteses previstas no item anterior; e quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas.

Mais recentemente, o Decreto n. 10.889, de 9 de dezembro de 2021, regulamentando o inciso VI do art. 5º e o art. 11 da Lei n. 12.813/13 (que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego), em seu art. 17, reafirmou a vedação a todo agente público do Poder Executivo federal de receber presente de quem tenha interesse em decisão sua ou de colegiado do qual participe.

Esse decreto definiu “presente” como sendo “bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie recebido de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe e que não configure brinde ou hospitalidade” e conceituou “agente público” como “o agente político, o servidor público e todo aquele que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, por nomeação, por designação, por contratação ou por qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função no Poder Executivo federal”. Dada a amplitude do conceito, nele podem ser incluídos, a nosso ver, o Presidente e o Vice-Presidente da República.

Portanto, a aceitação de presentes pelo Presidente da República fica também subordinada ao regramento estabelecido pelo Decreto n. 9.895/19 e pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal, devendo ser observados os termos da Resolução n. 3/2000, da Comissão de Ética Pública, além do disposto no Decreto n. 10.889/21.

Ao Presidente da República, como agente público, em suma, é vedado receber presente, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade, devendo ser observado o disposto nos itens I e 2 da Resolução n. 3/2000 da Comissão de Ética Pública, com a obrigatoriedade de registro e publicação por meio do e-Agendas ou sistema próprio, instituído pelo Decreto n. 10.889/21.

 

 

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