ABOLIÇÃO VIOLENTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO  

30/09/2021

O novo crime denominado “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” foi inserido no Código Penal pela Lei n. 14.197/21, que acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Esse novo crime vem previsto no art. 359-L do Código Penal, com a seguinte redação:

“Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.”

De maneira semelhante ao outro crime que compõe o capítulo “Dos Crimes contra as Instituições Democráticas”, a objetividade jurídica do delito é a tutela do chamado Estado Democrático de Direito.

Mais uma vez vale citar a lição de Alexandre de Moraes (“Direito Constitucional”. 36ª ed. São Paulo: Atlas. 2020. p. 58/59), segundo a qual “o Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais é proclamado, por exemplo, no ‘caput’ do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático ao afirmar que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que ‘a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular’. Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular. O Estado Constitucional, portanto, é mais do que o Estado de Direito, é também o Estado Democrático, introduzido no constitucionalismo como garantia de legitimação e limitação do poder.”

Outrossim, conforme ensina Marcelo Novelino (“Curso de Direito Constitucional”. 11ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm. 2016. p. 54), “com a finalidade de suprir as deficiências e consolidar as conquistas dos modelos de Estado Liberal e social surge o Estado democrático de direito, cujas notas distintivas são o ‘princípio da soberania popular’ e a preocupação com a ‘efetividade dos direitos fundamentais’.”

Sujeito ativo do crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito pode ser qualquer pessoa, isoladamente ou em concurso. Sujeito passivo é o próprio Estado e, secundariamente, a sociedade.

A conduta típica vem representada pela expressão “tentar abolir”. Abolir significa extinguir, anular, banir. O que se pune é a tentativa de abolição, com emprego de violência ou grave ameaça, do Estado Democrático de Direito. A forma de execução do crime é, justamente, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, quais sejam, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.

Efetivamente, dispõe o art. 2º da Constituição Federal:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Conforme assevera Marcelo Novelino (“op. cit. p. 249), “a Constituição de 1988, além de consagrar expressamente o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2. º) e protegê-lo como cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, III), estabeleceu toda uma estrutura institucional de forma a garantir a independência entre eles, matizada com atribuições de controle recíproco. Por não haver uma ‘fórmula universal apriorística’ para este princípio, é necessário extrair da própria Constituição o traço essencial da atual ordem para fins de controle de constitucionalidade. A ‘independência’ entre os poderes tem por finalidade estabelecer um sistema de ‘freios e contrapesos’ para evitar o abuso e o arbítrio por qualquer dos Poderes. A ‘harmonia’, por sua vez, exterioriza-se no respeito às prerrogativas e faculdades atribuídas a cada um deles.”

Impedir significa obstar, inibir, tolher. Restringir significa limitar, reduzir, confinar.

Por meio dessa nova figura típica, o agente tenta, com o emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Vale ressaltar que, segundo o disposto no art. 359-T, do Código Penal, também inserido pela nova Lei n. 14.197/21, “não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.”

Trata-se de crime doloso, que se consuma com a mera tentativa de abolição, mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Por ser um crime de atentado ou de empreendimento, não se admite a tentativa, que já é caracterizada como a própria consumação. O crime é formal, não havendo necessidade da ocorrência do resultado naturalístico (abolição do Estado Democrático de Direito). Ressalte-se que, ocorrendo a efetiva abolição do Estado Democrático de Direito, não haverá mudança importante na tipificação, configurando-se o exaurimento do crime ora em comento, com reflexos apenas na dosimetria da pena-base, a critério do julgador. Evidentemente, é bom ressaltar, que, se for abolido o Estado Democrático de Direito, mediante o impedimento ou restrição do exercício dos poderes constitucionais, dificilmente o sujeito ativo será punido.

A ação penal é pública incondicionada, descabendo o acordo de não persecução penal.

Por fim, vale lembrar que esse crime será considerado inafiançável e imprescritível se for praticado por grupos armados, civis ou militares, de acordo com o disposto no art. 5º, XLIV, da Constituição Federal.

 

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