ABDPRO #72 - ELEMENTOS ONTOLÓGICOS DA PROVA. PEQUENAS OBSERVAÇÕES METODOLÓGICAS E HISTÓRICAS. ESSÊNCIA E INTELIGÊNCIA. REALIZAÇÃO DA NORMATIVIDADE JURÍDICA.

20/02/2019

Coluna ABDPRO

 

Introdução:

O tema inerente a prova é um dos mais negligenciados aqui no Brasil (Civil Law), mais especificamente sobre a probática, tal como a definiu Wigmore (Wigmore, Johm. The problem of Proof, in “Illinois Law Review, vol. VIII, n. 2, June 1913, p. 77). Vale frisar, que também no universo anglo-saxónico, existe desencanto com o tema, basta ver William Twining (Twining, Willian. The New Evidence Scholarship, in “Cardozo Law Review, 1991- pp. 295 e gsts.), Também Damaska (Damaska. Mirjan R. El derecho probatorio a la deriva, Marcial Pons, 20150).

Em veras, precisamos efetuar uma reflexão sobre a prova enquanto meio de conhecimento sobre fatos juridicamente relevantes na discussão, em sede judicial. Neste âmbito, cabem, pois, as mais diversas questões: o significado/conceito de prova e probabilidade, a história da prova, a relação entre lógica e retórica na indagação dos fatos no processo, os mecanismos racionais de apreciação da prova, entre outros.

De resto, pensamos que conceitos como o de “verdade material”, “verdade formal”, que continuam a ter curso entre nós, e principalmente nas universidades, têm uma dimensão essencialmente normativa e não epistêmica, já que nada nos dizem sobre a “qualidade” da verdade a que se chega, ainda que pareçam ilusoriamente indicar o contrário.

Assim, fixado o contexto diacrónico e sincrónico dos estudos sobre prova, daremos início a publicação de vários artigos sobre o tema, iniciando hoje por uma pequena visão humanística.

 

Elementos Ontológicos da Prova

Se o saber é questionar, e se a pergunta gera curiosidade, o conceito é uma idéia iniciadora do compreender, falando com toda a propriedade e com o maior rigor razoável.

Sem dúvida, devemos reconhecer que a sabedoria maior consiste em confessar a humildade ontológica do ser humano, elevada à categoria de virtude, que admite fronteiras e horizontes que limitam o voo da razão.

O nascimento da fórmula que o intelecto propõe para a designação e agrupamento de algo, permite que tenhamos a idéia precisa que proporciona ao mesmo tempo legitimidade e justificação.

Desta maneira, se deixa de lado a situação contingente e  efémera  que amarra para sempre as vicissitudes que encarnam o tempo, porém não é a essência que penetra e faz chegar a raiz da convivência humana, que nada mais é que a dimensão jurídica do homem, e que é nada menos que a categoria de cidadãos do universo.

Isso é imposto incondicionalmente, com a severa austeridade de sua essência, como uma ordem implícita que não admite uma resposta psicologicamente factível e metafisicamente fundamentada.

Se a etimologia enseja que o vocábulo progresso significa ação que se faz adiante, e que avança e prossegue, desde uma referência axiológica, isto só é viável quando se aperfeiçoa os valores e categorias que permitem o bom funcionamento da justiça.

Este esforço exige rigor ético, pureza lógica e jurídica, por tratar-se de um tema as vezes informativo, crítico e sistemático, que também exige a concessão e elegância do honeste vivere, como muitos ensinam e preconizam, assim Carlos Lessona (in I Dovere Sociale Del Diritto Giudiziario Civile, 1897, Fretelli Boca Editore).

O sentido da realidade e o sentido dos princípios devem ser levados em conta.

O primeiro é a experiência do profissional do direito no dia a dia forense. O segundo, a experiência do professor.

O direito é produto de uma tradição elegante e esclarecida, e da poderosa estirpe do pensamento de juristas. 

O direito também é um fato social com vida normativa dentro do mundo como história, para ter o mundo da história, e analisar o ritmo da história, sem petrificação de doutrinas. Como fato social positivo, o direito proporciona também força moral, por mais que não se queira assim pensar.

Convertido em ordem normativa, exige compromisso, respeito e obediência, porque leva implícita a proteção de autoridade.

Mas vamos esclarecer: nem obediência sem razão, nem submissão covarde de consciência, que fique pontuado. Oswald Spencer, deixou dito que a história é o acontecer atual, disparado para o futuro e com a vista para o passado (A Decadência do Ocidente, Brasília, Editora Universitária de Brasília, 1986)

A norma realizadora e de conteúdo processual, descreve como deve realizar-se o feito, e torna possível a realização jurídica do esquema legal constitucionalmente estabelecido e infalivelmente integrado, com rigorosa construção sistemática e ordenada (vide https://emporiododireito.com.br/leitura/liberdade-e-autoridade-no-direito-processual-uma-combinacao-legislativa-em-proporcoes-discricionarias-ou-ensaio-sobre-uma-hermeneutica-topologico-constitucional-do-processo por Eduardo José da Fonseca Costa).

 

Observações Metodológicas.

Toda exigência técnica deve conter implicitamente uma exigência legal, assim numa sentença de procedência ou improcedência, ou numa sentença absolutória ou condenatória, onde pode existir um erro na valoração ou produção da prova. Lembrando que os juízes são homens que também podem errar, mas estes erros não podem ser realizados por atos voluntários e desconectados, e que mostrem indiferença, descuido e excesso, no atuar. A lei é o parâmetro, e isto precisa ser observado.

O juiz não pode intervir e nem julgar com miopia e paixão, mas sempre com uma análise serena e judiciosa, e está confinado a norma posta, e não a sua vontade soberana.

Correto. O magistrado deve primar pelo respeito aos limites legais.

Vale lembrar também, que o homem que renuncia à razão, é um homem que rasteja em uma vida sem regras.

Em todos os quadrantes da filosofia, existe a semente da ética, isto é, a norma que regula e decide a moralidade do comportamento humano.

O valor moral não depende de cada um de nós. Encontra-se em nossa subjetividade, e está no fato objetivo de que o mal desmente e contradiz a reta ordem da natureza.

Agora, quem estabelece e ordena esta ordem, é quem legisla e ordena de maneira soberana.

A prova é exame e precisão, argumentação e demonstração, operação mental que confirma e justifica, raciocínio que fundamenta a verdade de uma proposição que exige evidência, que o teorema reivindica e necessita.

A prova é essencialmente indestrutível, juridicamente necessária, axiologicamente soberana e sociologicamente exigível.

Com efeito:

a) É essencialmente indestrutível a prova, porque se funda em premissas que dão firmeza e solidez ao silogismo, ao manejarmos com maestria o argumento e dispararmos certeiramente as baterias da força dialética.

b) É juridicamente necessária a prova, porque é absolutamente imprescindível para fundar um direito exigível sobre a controvérsia processual e para decretar a responsabilidade ou inocência da parte.

c) A prova é axiologicamente soberana, porque a plenitude decisória é uma estimativa jurídica e é valoração com aporte filosófico (grande contribuição) em sua estrutura, e que ajuda a fortalecer a reflexão.

d) A prova é sociologicamente exigível, por causa do compromisso constante e inabalável da sociedade para a realização do melhor julgamento possível (confesso que o termo realização da justiça não me move), tanto na absolvição quanto na condenação de uma parte em alguma coisa, seja no cível ou penal.

A realização do melhor julgamento implica a valorização ética que fortalece a confiança em normas de sobrevivência que não são nem metáfora nem excesso lírico, tampouco.

Se somos iguais por natureza, nada nos pode obrigar moralmente e em consciência. Não basta que se cuide apenas o dado sociológico, porque se prescindiria dos valores metafísicos e dos postulados do espírito.

Todos precisamos de uma cultura humanista, religiosa, moral e histórica para formular juízos de valor diretamente relacionados à consciência e à responsabilidade, isto é o básico.

A realização da pessoa, só é alcançada através da ética do decoro, que é uma consequência da própria autoestima e do respeito aos demais.

Um elogio de conduta, não esconde ou enfraquece a personalidade de quem recebe o ditirambo (forma lírica, de inspiração dionisíaca, e própria de ocasiões festivas na Grécia antiga), nem envelhece ou mostra defeito de idiossincrasia de quem o confere, porque a verdade não fere e nem constitui ofensa, nem é delito, nem origina qualquer falta.

O problema não é a verdade, mas sim os meios pelos quais se busca a mesma, bem assim os limites (falaremos mais detidamente sobre isto em futuros artigos)

A concepção da prova poderia muito bem ser considerada como a totalidade hierárquica de todo o processo, tanto por sua estrutura rigidamente axiológica, como por sua autêntica realização ética e sua dimensão jurídica.

Pode-se argumentar que é uma pedreira firme que fornece o material para construir a magnífica catedral do pensamento jurídico processual.

Todo ordenamento jurídico, que se orienta e agrupa num esforço até o requerido, privilegiando a parte autora, age fora da normatividade processual e constitucional. Se isto acontece, todo ordenamento fica inválido, pois só existe a força da coação e o valor do poder, gerando um verdadeiro arbítrio.

Para a grande maioria dos autores do passado e do presente, a moralidade é o denominador comum que qualifica todos os nossos atos de maneira total, sem a distinção de Kant (in Introdución filosófica al estúdio del derecho, tomo III, Buenos Aires, 1947) e de Hengel (in Fenomenologia do espírito, 1992, parte. I, ed. Vozes), no sentido de que a moralidade é algo que preocupa o íntimo das pessoas, e que o ato público e social deve reger-se pela legalidade positiva.

A pessoa é una, e os seus atos livres e conscientes, isto forma o todo da pessoa, sempre e para sempre.

O ato humano é ondulação concêntrica das ideias que crescem e se agigantam,  para depois estreitar-se, logicamente, ante as exigências da lei natural que transforma os relâmpagos que cegam, em plácida luz da autora, por trata-se de norma suprema que sustenta a ordem moral, que é a exigência ontológica para a qualificação do que sempre será o moralmente bom ou moralmente mal. O primeiro, quando se respeitam direitos e obrigações. O segundo, se se quebram tais parâmetros.

Pode haver discrepância com o que se fala, porém isto se deve a uma exigência metafísica da liberdade, liberdade que não deve estar, por imperativo intrínseco, em flagrante oposição com a verdade/realidade, patrimônio moral e intelectual do homem.

A prova apenas se vincula a circunstâncias de natureza fática, nunca a norma jurídica para a qual rege o princípio nemine licit ignorare jus: nada se permite ignorar o direito, muito menos o juiz que não pode ser um varão hermético ao todo jurídico.

Por razões de economia processual, de evidência lógica e percepção jurídica, os fatos cuja natureza são notórios e são requisitos para uma decisão, não necessitam ser provados, notória non egent probatione (apesar de não concordarmos totalmente com esta economia processual e subjetividade, repetida também no art. 374, I do CPC 2015) , pois segundo a doutrina, brotam do campo da experiência e da generalidade das pessoas  de cultura média, e consequentemente, estão revestidos da exigência intrínseca de sua legitimidade.

Afirma Francesco Carnelutti que “um fato é um pedação da história; e a história é o caminho que recorrem, desde o nascimento até a morte, os homens e a humanidade” (Carnelutti, Francesco, in Las misérias del processo Penal, tradução de Santiago Sentis Melendo, EJEA, 1959, p. 71)

A história não é um ato criador da verdade, porém é inegável que a história descreve a realidade das coisas por ser norma e medida da verdade/realidade.

A história estuda o acontecimento da vida do ser humano, examina causas e leis do acontecer, compreende a geografia política, melhor dizendo a especificação do Estado. Abarca datas e a cronologia, e faz referência a monumentos da antiguidade, a numismática e a paleontologia, etc. Enfim, a história se funda no testemunho, e o testemunho é apto para elaboração da prova.

Porém, deve se ter presente, que um fato é impossível por incompatibilidade com as leis da natureza ou com uma norma jurídica que deve regê-lo em relação necessária, e por repugnância metafísica de sua existência, que apenas habita em uma pessoa que se encontra em um estado psíquico de ausência, como seria quando afirmamos que caminhamos sobre as aguas ou balançamos suspensos em nuvens.

Muitos também, comparam e buscam similitudes entre as tarefas do juiz e do historiador, sendo recorrentes no domínio jurídico. Aqueles que procuraram realizar este exercício enfatizam habitualmente a circunstância comum que estes dois atores terem de desempenhar um papel de averiguação da verdade de fatos passados, a partir de um conjunto de meios, ou indícios, ou provas, que apenas lhes conferem um acesso indireto àqueles. Assim, nesta perspectiva, o juiz também estaria implicado numa pesquisa histórica de acontecimentos pretéritos, menos livre é certo (condicionada pelos contributos das partes integrantes do processo), mas ainda assim com os mesmos contornos, premissas e objetivos.

Um dos autores que defendeu esta analogia, como via para uma melhor compreensão da descoberta judicial dos fatos, foi Calamandrei (Il giudici e lo storico, in “Opere Giuridiche”, vol. I; Napoli, 1965, pp.393 ss.). Muitos outros, como Michele Taruffo (La prueba de los hechos, 4ª., ed, Madrid , Ed. Trotta, 2011, pp. 336/341), no entanto, têm aderido à tese do juiz-historiador e não é difícil compreender o seu caráter apelativo, a que não é indiferente o modo como o sentido comum nos faz intuitivamente olhar para as tarefas habitualmente implicadas na descoberta judicial dos fatos.

Acreditamos que esta similitude é forçada (quem a faz não toma em consideração todos os aspectos caracterizadores da especificidade de busca da verdade no domínio jurídico) e equívoca (porque baseada numa visão da historiografia que também já está ultrapassada) e perigosa (parece tornar mais fácil ou justificável para o direito ceder à tentação episódica de penetrar nos terrenos da própria história).

Obviamente, os defensores desta assimilação do papel do juiz ao papel do historiador não deixam de reconhecer a existência de diferenças pontuais entre os dois. Em particular, consideram o problema da importante limitação que constitui para o juiz ter de desenvolver as suas tarefas dentro do espaço de manobra que as regras de direito da prova lhe permitam. Nesse sentido, não há como não reconhecer que o historiador é, comparativamente, mais livre. No limite, podemos imaginar que do ponto de vista histórico é indiferente que um documento especialmente revelador tenha chegado ao conhecimento por vias mais ou menos escusas, mas o mesmo não pode ser afirmado em relação a um documento que chegue a um processo judicial.

Este cerceamento da liberdade de investigação dos juízes, por contraposição à dos historiadores, depende ainda de outras diferenças, desde logo do fato de o juiz estar obrigado a fornecer e fixar uma versão dos fatos, independentemente de estar ou não satisfeito com o grau de certeza que deposita nos elementos de prova de que pôde dispor. A decisão judicial deve conter-se num certo horizonte de tempo e não se pode contemporizar com investigações ou revisões intermináveis, ou respostas inconclusivas.

No entanto, apesar do reconhecimento destas diferenças, os defensores da tese do "juiz-historiador" continuam convencidos das vantagens que esta analogia encerra na explicação da especificidade do processo de investigação da verdade no contexto dos processos judiciais.

Existe um duplo equivoco aqui: uma má interpretação dos fatores que tornam o processo judicial de descoberta da verdade extremamente específico e, por outro lado, um deficiente conhecimento da historiografia.

Assim, uma comparação entre os dois conduz inevitavelmente a uma simplificação inaceitável das questões epistemológicas e metodológicas próprias, respectivamente, da historiografia e da aplicação judicial do direito.

Mais do que tudo, à verdade do jurista nunca é indiferente a realidade do direito. Por isso, ela não pode nunca possuir o mesmo caráter da verdade histórica. Os fatos no direito, não se bastam como sabemos, na sua simplicidade, mas são sempre irremediavelmente jurídicos. Recordemos aqui a lição de Castanheira Neves à propósito da relação entre questão de fato e questão de direito: "Ao considerar-se a questão-de-fato está implicitamente presente e relevante a questão-de-direito; ao considerar-se a questão-de-direito não pode prescindir-se da solidária influência da questão-de-fato. Ou numa formulação bem mais expressiva: "para dizer a verdade o "puro fato" e o "puro direito" não se encontram nunca na vida jurídica: o facto não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito, o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de aplicar o facto; pelo que, quando o jurista pensa o facto, pensa-o como matéria do direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao facto" (NEVES, Castanheira. Questão de facto- questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, Coimbra, Almedina, 1967, pp. 55/56).

Por outro lado, os fatos objeto da prova são tanto os principais como os secundários que interessam a uma decisão judicial e que exigem comprovação. Assim, não nos detemos em uma mera exposição exegética e hermenêutica dos textos de direito positivo.

Precisamos eleger a rota a ser instalada numa superfície superior de reflexão em sua perspectiva axiológica pela intenção, já que o jurista se sente atraído pela lei moral, ciência normativa da conduta humana, já que procede uma vontade deliberada que é o appetitus rationis, e que intrinsicamente a rege como a todo homem, o mesmo para a virtude e o bem.  Potencialmente haveria valores nobres e edificantes como a ordem, a paz, a liberdade e a justiça, que são valores e conceitos pura e estritamente éticos https://institutumsapientiae.files.wordpress.com/2011/07/sc-2010-06-joc3a3o.pdf

Tem-se apostado e decidido pela busca da essência, fundamento e fim da prova dentro dos limites do processo. Bela tarefa e belo título de nobreza do direito processual, já que permanece o empolgante e complicado tema da prova. Precisamos repensar.

O psicólogo descende verticalmente da essência e da profundidade do inquietante problema da vida. O matemático penetra e se submerge no apaixonante problema da quantidade e na bela dificuldade da exatidão. O físico se entusiasma com o estudo a fundo do movimento. O jurista, no processo, sempre se encontra rodeado de valores e princípios, mas na ordem metafísica não depende de nenhuma norma. Este algo é sua formação pessoal, educacional e espiritual, que deve ser voltada para ver o processo como garantia e não mero instrumento (e assim a ciência probatória).

 

A Essência da prova e a função primordial da inteligência.

A prova não apenas é uma necessidade inelutável, senão um direito e um dever/necessidade que penetram em seus elementos, acudindo a arte gramatical e a austeridade dialética da analogia e do contraste do raciocínio, para obter o máximo convencimento motivado e a legitimidade do mesmo.

Acreditamos que a inteligência de todo ser humano, que mexe com o direito, delibera em sua revisão de dados, com abundância, e menos em penúria, para depois julgar em relação ao fim supremo e intangível, porque a justiça é valor de ordem jurídica, como a verdade, em toda sua expressão metafísica da palavra.

Estes são seus méritos intrínsecos e os elementos ontológicos da prova.

Emmanuel Kant falava que: “a mais bela doutrina jurídica sem metafísica é como o busto do qual zorro da fábula falava, uma cabeça formosa mas sem cérebro”  ( Georges Renard, Introducción filosófica al estúdio del Derecho, tomo III, El Derecho, el Orden y Ia Razón, pág. 20, Ediciones Desclée de Bronwer, Buenos Aires, 1947).

A prova é um tema especificamente processual, com causalidade jurídica e consequência também jurídica, de afirmação concludente e força vinculativa.

A prova é premissa de demonstração, apta a proporcionar conclusões, mediante procedimentos essencialmente silogísticos com encadernamento lógico de algumas proposições com outras, a fim de chegar com precisão, clareza e correspondência exata de pensamento.  Para conseguir, exige curiosidade técnica, sagacidade, atenção, imparcialidade, probidade e disposição perseverante. 

A técnica é um facere, um procedimento seguro e eficiente, um instrumento transcendental e apto a lidar com determinada atividade, com apego a certas regras.

Deve ser completo, metódico e preciso, com o auxílio de hipóteses orientadoras para ver a conveniência ou inconveniência, de conformidade com os requisitos do raciocínio legal para chegar a demonstração.

Sistema jurídico de comprovação, isto é a prova, melhor dizendo, um processo pelo qual se estabelece que toda conclusão é o resultado racional das premissas, com a certeira aplicação das regras de inferência.

Se trata de uma argumentação através da qual se arranca ou se saca uma conclusão de premissas certas, que bem podem qualificar-se de dialéticas, pois reflete mentalmente a coisa que per si se manifesta em um processo que segue uma determinada pauta.

A indução é norma para a análise. A dedução, método para a síntese.

A análise desarticula muitos de seus princípios constitutivos.

A síntese reorganiza os seus elementos complexos: a dos princípios e suas conclusões, das causas e efeitos, determinam a lei e o princípio abstrato que descende da realidade concreta.

Todo trabalho de análise e de síntese, é próprio da função da inteligência que se dirige do complexo ao simples, e do simples ao complexo, do particular ao universal, e do universal ao particular.

Esta função primordial da inteligência, descreve de maneira essencial, os atos de composição e divisão, de síntese e da análise.

Aqui está a ferramenta com que trabalha o julgador no âmbito processual da prova.

 

A realização da normatividade jurídica

A prova , de suma importância no mundo processual, tem projeções vivas e diretas na realização da justiça que deve transmitir ao juiz com fina sensibilidade jurídica, o que se submete as exigências da razão, sem se preocupar em satisfazer a uma sociedade cada vez mais exigente e intransigente, para chegar a metafísica da moral e do jurídico e para não ferir de morte os princípios da equidade que supre a deficiência do direito as vezes.

A prova é de uma insociável transcendência, é o fundamento, em toda sua integridade, da sentença, um arremate dialético na área do direito em toda sua expressão.

O juiz deve ter um conhecimento profundo do ser humano e um alto grau de responsabilidade, como requisitos para um vigoroso esforço intelectual no manejo do silogismo e das leis do pensamento.

Deve estar disposto ao permanente estudo para responder dignamente as exigências da garantia de justiça e das necessidades de proteção jurídica para o processo.

Não precisa ser super-herói ou agir de ofício na busca da prova ou de outros elementos, deve apenas usar do seu intelecto, firmeza e estudo, o que por certo se refletirá no jurisdicionado.

A opinião de Francisco Bacon é no sentido de que o juiz deve ser mais sábio que engenhoso, mais respeitável que simpático e popular, e mais circunspecto que presunçoso. Porém ante tudo, deve ser íntegro, sendo esta para ele a sua virtude principal e a qualidade do seu ofício (Bacon, Francisco. Ensayos sobre moral y politica, p. 226. UNAM, México 1974)

A decisão do juiz implica na vinculação lógica com a norma jurídica, normativamente assinala o tipo e a expressão objetiva da valoração que persuade por um raciocínio,  e acaba obrigando a resposta aos requerimentos sociais: a natureza das premissas não destrói a simetria da estrutura jurídica.

Decisão proferida, que faz uma incorreta valoração, decisão que obstaculiza a realização da normatividade jurídica, deve ser exortadas.

A lógica, como pressuposto necessário na génesis da sentença, proporciona o correto raciocínio do juiz, a quem deve sujeitar-se a princípios de ordem formal. Se deles se afasta, vulnera gravemente suas funções decisórias.

Assim, o bom magistrado, é o que tem conhecimento jurídico, excelente formação acadêmico e uma fina sensibilidade ética, para converter-se em custódia fiel do direito e um zeloso vigilante da realização da melhor justiça possível, mas sem excessos ou glamour.

Aqui vale lembrar ainda de Aristóteles (in Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002a.), o filosofo por antonomásia, o filosofo de todos os tempos, o arquiteto que construiu o suntuoso edifício da filosofia, e no qual habitam todos os filósofos, também de todos os tempos, e que falava que o estudo do direito  sem filosofia, leva a uma justiça  de virtude incompleta.

Sem a filosofia, todo trabalho pode chegar a ser estéril por não buscar realidades e efeitos concretos, bem no campo da investigação, bem no âmbito da dialética. Sem ela,  nos somos como especialistas em codificação apenas, com argúcia de meros rábulas.

Assim, juízes, advogados, defensores, procuradores, enfim todos que militam na área jurídica, devem lançar um enérgico repúdio ao analfabetismo moral, ao analfabetismo filosófico e ao analfabetismo jurídico. Não se trata aqui de declarações retóricas, mas de necessária conscientização.

O fundamento de toda resolução judicial escora-se numa correta apreciação dos elementos probatórios que estejam no processo.

De outra maneira resultaria utópico o desenvolvimento ou a sucessão mental para a elaboração da prova:  primeiro é um ato interno, que é a determinação da vontade, e depois a ação, na esfera externa, que é a execução desta vontade.

Tudo isto supõe análises e reflexões, para depois traduzir essa função dialética em instrumento decisório da sentença.

Fundamentar é provar a decisão tomada pelo órgão jurisdicional, de igual maneira que examinar o fundamento da resolução já dada, é comprovar se essa determinação se ajusta as condições lógicas de precisão que exige o pensamento jurídico, a antagônica palavra absolvição ou condenação.

A estrutura da prova, ética e juridicamente normativa em um sistema normativo, requer a análise do comportamento e a conduta, dos fatos circunstanciais que orientam e assinalam alguma pauta, antiteticamente considerados e axiologicamente operantes para envolve-los com uma roupagem de certeza metafísica, penetrando no campo infindável da verdade e decidindo se a conduta se adequa ao tipo descritivo.

Não se trata de reduzir a uma espécie de reprodução da norma ou de uma transcrição de jurisprudência aplicável ao caso, como com expressão litúrgica chega a decidir-se, para sustentar a validade da sentença, por trata-se de uma mesma relação jurídica e de idêntica proposição normativa.

Uma resolução que omite dados, que não analisa o que é de menos ou de mais no raciocínio, quebrando a exigência dialética na apreciação de toda circunstância que conduza a importância essencial e termina com um vício de argumentação pouco ou nada convincente.

Logo, se necessita da atividade da inteligência auxiliada por uma lógica formal, e a atividade especulativa que se nutre da normatividade ética.

Assim se chega a precisa determinação do objeto jurídico, o bem jurídico protegido, e a figura do respeito e a dignidade da parte como pessoa, tudo isto como conjunção de valores e que não deve deixar em uma parva consideração ética, nem na superfície da indolência.

Assim, podemos dizer com Roger Zavaleta Rodriguez que uma decisão não é razoável, em termos gerais, quando não respeita os princípios da lógica formal, contém avaliações dogmáticas ou proposições, sem qualquer ligação com o caso; não é clara quanto ao que você decide, por que você decide e contra quem você decide; Não se baseia nos fatos expostos, nas provas prestadas, bem como nas regras ou nos princípios jurídicos e, em geral, quando contém erros de apreciação ou de atividade que alteram os parâmetros e o resultado da decisão (Zavaleta Rodriguez, Roger. (2004). Razonamiento judicial, interpretación, argumentación y motivación de las resoluciones judiciales. Lima: Editorial Gaceta Jurídica, 2014, Pág. 368)

A prova, consequentemente, como produto da inteligência racional, é problema axiológico e normativo.

A expectativa da absolvição e a expectativa da condenação, ficam deixadas distantes na instrução formal, porém desaparece da probabilidade com a sentença, que resolve cabalmente a situação jurídica do imputado pelo desenlace jurídico do processo com força vinculativa.

Embora ao longo da história da consolidação do Direito tenha-se constantemente buscado limitar e controlar seu conteúdo de poder, que na maior parte das décadas tem estado a serviço dos governantes de plantão, a princípio a judicialização das pessoas era feita de forma caprichosa, o processo aplicado era arbitrário e a segurança jurídica era um mito; isto implicou um desarraigamento pela figura jurídica. Recentemente iniciou-se um processo de reconhecimento de direitos e reorganização do processo como sistema de garantia, mas ainda estamos longe do razoável.

O resultado da conjunção da verdade, a prova e a investigação, podem ser analisados sobre duas perspectivas: da busca por Estado para estabelecer a verdade e a proteção da parte.

Quando se analisa a proteção do acusado cível ou penal, é possível mostrar como esses três elementos deram origem ao direito de defesa, direito que está relacionado com o devido processo, como quanto a segurança jurídica, tudo isso no marco de proteção do cidadão, dos direitos humanos e a conceituação do campo jurídico como fonte de garantias constitucionais.

Concluindo, sem provas não há direito, sem prova da violação do direito não há condenação.

Foucault (Estudo Alternativo – Michel Foucault: Verdade e poder. Disponível em: <https://estudoalternativo.wordpress.com/2016/06/22/michel-foucault-verdade-epoder/> ou Nietzsche (Sobre a Verdade e a Mentira no sentido Extramoral. Em: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1987) nos mostraram em suas obras, que o problema da prova e da verdade é de “poder” - a quem corresponde provar e quem determina se a prova é válida e determina a “verdade”: é determinada por quem tem a potestas para fazê-lo. Nas sociedades contemporâneas, auto definidas como “democráticas”, esse problema continua sendo o mesmo: é o poder que determina o que, quem e como se prova.

Porém, como observa Gustavo Calvinho, "não devemos perder de vista que o homem é o centro e o objetivo do sistema legal". (Calvinho, Gustavo. Carga de La Prueba, Ed. Astrea, Buenos Aires, 2016, pp.238/254).

Vale frisar, que o processo que defendemos é aquele que privilegia o método de discussão para chegar à solução do conflito (solução que nem sempre se encontra a verdadeira verdade, e bem assim contrário ao comportamento dos juízes erigidos em investigadores que lutam para encontrar a verdade e a justiça, e onde produzem prova de ofício, na busca desta finalidade, sem se preocuparem com a paridade e com o devido processo).

Sobre o conceito semântico da verdade e a reconstrução do fato, sobre vieses cognitivos e decisões, e, sobre o princípio da congruência e a prova de ofício, falaremos em outros artigos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Gherkin // Foto de: Ricardo Liberato // Sem alterações

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