Nos últimos anos, o debate em torno da execução penal tem sido marcado por diversas mudanças legislativas e jurisprudenciais, especialmente no que diz respeito à progressão de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade. Uma das questões centrais nesse contexto é a necessidade e a relevância do exame criminológico como instrumento de avaliação do condenado para a concessão de benefícios penais. A recente Lei 14.843/24 trouxe novidades significativas nesse sentido, reacendendo discussões sobre a reintrodução do exame criminológico na legislação penal brasileira.
O exame criminológico, previsto na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), é uma ferramenta destinada a fornecer elementos para a adequada classificação do condenado e para a individualização da execução penal. Por meio da análise dos antecedentes e da personalidade do indivíduo, busca-se orientar as decisões judiciais no que tange à progressão de regime, entre outros benefícios.
Historicamente, o exame criminológico desempenhou um papel fundamental no processo de individualização da pena, permitindo ao magistrado uma avaliação mais precisa das condições subjetivas do condenado. No entanto, ao longo dos anos, sua obrigatoriedade como requisito para a progressão de regime foi objeto de questionamentos e críticas, levando à sua abolição pela Lei 10.792/03.
A partir desse momento, o critério para a progressão de regime passou a ser predominantemente objetivo, baseado no cumprimento de uma fração da pena e no bom comportamento carcerário, conforme estabelecido pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal. No entanto, a supressão do exame criminológico, naquela oportunidade, deixou lacunas no processo de avaliação do condenado, especialmente no que se refere à sua real capacidade de ressocialização e reinserção na sociedade.
Entretanto, subsistia, no meio forense, o anseio de dar ao juiz de execução um respaldo técnico-científico para avaliar as condições subjetivas do condenado no momento da concessão de alguns benefícios penais, mormente a progressão de regime.
Assim foi que o Supremo Tribunal Federal, após muitas ponderações jurídicas e muitos questionamentos jurisprudenciais, editou a Súmula Vinculante 26, tornando o exame criminológico facultativo, podendo o magistrado, a seu prudente arbítrio e fundamentadamente, determiná-lo para melhor aferir o requisito subjetivo (mérito para a progressão) do condenado. No mesmo sentido a Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça, admitindo “o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.”
A recente Lei 14.843/24, também conhecida como Lei Sargento PM Dias, trouxe importantes alterações à Lei de Execução Penal, dentre as quais se destaca a reintrodução do exame criminológico como requisito para a progressão de regime. O § 1º do artigo 112, em sua nova redação, estabelece que o apenado somente terá direito à progressão se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico (“§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.”).
Essa medida representa um avanço significativo no sentido de resgatar a importância do exame criminológico como instrumento de avaliação do condenado. Ao considerar não apenas critérios objetivos, mas também aspectos subjetivos relacionados à personalidade e ao histórico do indivíduo, o exame criminológico possibilita uma análise mais completa e individualizada da situação do apenado.
Além disso, a Lei 14.843/24 estabelece que o exame criminológico deve ser realizado em todos os casos de progressão de regime, respeitadas as normas que vedam essa concessão. Isso significa que sua aplicação não é mais facultativa, mas sim obrigatória, conferindo maior segurança jurídica e uniformidade às decisões judiciais.
A reintrodução do exame criminológico na legislação penal brasileira é justificada não apenas pela necessidade de uma avaliação mais criteriosa do condenado, mas também pelos potenciais benefícios que essa medida pode trazer para o processo de ressocialização. Ao identificar as características e necessidades individuais do apenado, o exame criminológico permite a elaboração de um plano de execução penal mais adequado e eficaz, contribuindo para reduzir os índices de reincidência criminal e promover a reintegração do indivíduo à sociedade.
Ademais, a exigência do exame criminológico como requisito para a progressão de regime não significa uma volta ao modelo ultrapassado de avaliação subjetiva e arbitrária. Pelo contrário, sua realização deve ser pautada por critérios técnicos e científicos, garantindo a imparcialidade e a objetividade do processo.
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