A vitimização por suicídio como reflexo do bullying e a responsabilização de seu agente pela provocação ou divulgação de imagem - Por Jonathan Cardoso Régis

12/12/2017

Já havíamos discorrido algumas linhas acerca do tema suicídio, mais especificamente da sua relação decorrente do Bullying (AQUI) e, mais uma vez tal temática vem a tona com uma notícia que choca a todos (muito embora não me recordo de grande repercussão), qual seja: uma jovem, menor de idade, tirou a própria vida por receio (medo ou vergonha) de que fotos íntimas de sua relação poderiam ser veiculadas/divulgadas nas redes sociais.

Sabe-se que no ano de 2015, foi publicada a Lei nº 13.185, instituindo no ordenamento jurídico brasileiro o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), a qual pode ser classificada com ações verbais (xingamentos, insultos), morais (caluniar, difamar), sexuais (assédios, abusos ou induzimentos), sociais (isolamento, exclusão), psicológicas (perseguição, amedrontar, intimidação, manipulação, chantagear), física (socos, chutes), material (crimes contra o patrimônio, como furto, roubo, dano) ou virtual e, conforme disposto no art. 1º, § 1º, é visto como sendo, 

[…] todo ato de violência física ou psicológicaintencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (grifo nosso) 

Insta salientar o quanto é devastador os resultados e sequelas geradas pela vitimização de tal comportamento, os quais geralmente são verificados intempestivamente, como transtornos psicológicos e/ou psíquicos, podendo chegar a situações extremas como a morte[1].

Dessa forma, a intimidação provocada pelo Bullying pode ocorrer de forma direta e de fácil constatação em razão dos resultados provocados como agressões e consequentemente as lesões recorrentes de tais condutas, aliada a ofensas verbais ou danos aos pertences pessoais, assim como também de maneira indireta ou relacional, através de atos como ignorar, excluir ou difamar a vítima[2].

O Bullying, por ser uma espécie de ato violento gerada na atualidade (mesmo e geralmente de forma silenciosa), denota a violência psicológica, 

A categoria abuso psicológico nomeia agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir-lhe a liberdade ou, ainda, isolá-la do convívio social. Indica também a rejeição de pessoas, na inter-relação. No caso de crianças e adolescentes, o abuso tem um efeito devastador sobre a auto-estima, principalmente quando os pais ou seus substitutos não são afetuosos. Muitos estudos mostram que a baixa auto-estima pode estar associada à formação de personalidades vingativas, depressivas e a desejos, tentativas ou mesmo execução de suicídios[3]

Há algumas semanas atrás ainda foi publicado aqui no Empório do Direito, um Artigo de autoria dos colegas Paulo Silas Filho, Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira e Guilherme Zorzi Rosa, em que trataram quanto o surgimento da (in)verdade e as versões desvirtuadas/distorcidas que surgem quando propagadas nas redes sociais. 

Tempos complicados esses das redes sociais. Verdades são construídas em questão de dias, horas, minutos. O problema é a base dessa construção, a saber, quando não condizente com a realidade fática da qual se diz relatar. Episódios lamentáveis acontecem com frequência: basta um tema ganhar notoriedade que a repercussão em cima desse se estabelece muitas vezes sem considerar o todo, ou o outro lado da moeda. Pior: muitas vezes o único lado que se apresenta é falseado, de modo que se estabelece o todo (como assim fosse) pela parte, estando essa parte viciada pelo desvirtuamento daquilo que foi o que é[4]

Cabe aqui uma reflexão dessa influência das redes sociais no processo de formação de opinião e, por muitas vezes, gerando com tal informação, um pré-conceito acerca daquele determinado fato, podendo, em muitos casos, redundar em resultados catastróficos, humilhantes e/ou degradantes, uma vez, por inúmeras situações, a sociedade toma como verdade absoluta (até mesmo porque a verdade é relativa), aquela notícia ali veiculada.

No caso em que motivou essa breve reflexão, a jovem, receosa com a divulgação de fotos íntimas, acabou sendo vítima do vazamento de registros fotográficos de seu suicídio.

A situação em tela muitas vezes acaba por atingir o psicológico e/ou social da vítima, resultando na diminuição ou perda da autoestima, promovendo o aumento do sentimento de insegurança, de elevação da ansiedade, depressão, sendo conduzida por atos intencionais e repetitivos, dentro de uma relação desigual de poder, por um longo período de tempo contra uma mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequências irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas, emocionais ou comportamentais.

O suicídio se constitui em um problema de saúde pública.

Jovens nas faixas etárias de 15 e 34 anos, sendo que os comportamentos de risco entre adolescentes em relação com os fatores sociais e ambientais têm aumentado o número de mortes prematuras[5].

De acordo com Araújo, Vieira e Coutinho[6], apesar de não existir uma definição única e aceitável, sabe-se que existe um desejo consciente de morrer e a noção clara do que o ato feito pode resultar. Eles trazem que a classificação é vista por três categorias: ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio consumado.

Assim, todo o indivíduo abrevia sua existência por se tornar insuportável no meio social.

Para Durkheim[7], o suicídio é um fato social quando se trata de um conjunto de suicídios em certa sociedade e períodos, pois a sociedade tem uma definição em cada momento do suicídio e ainda, 

A taxa de suicídios constitui, portanto, uma ordem de fatos única e determinada; é o que demonstram, ao mesmo tempo, sua permanência e sua variabilidade. Já que esta permanência seria inexplicável se ela não se devesse a um conjunto de caracteres distintivos, solidários uns com os outros, que, apesar da diversidade das circunstâncias ambientes, se afirmam simultaneamente; e esta variabilidade testemunha a natureza individual e concreta destes mesmos caracteres, uma vez que variam como a própria individualidade social[8]

Diante do exposto, surge a pergunta em relação ao fatídico episódio envolvendo a jovem: a quem compete responsabilizar a morte da mesma? A pessoa que detinha as fotos íntimas e suscitou a jovem quanto a divulgação ou aquele que, conscientemente, acaba por promover a divulgação de uma tragédia?

Não se está aqui falando apenas da disseminação desenfreada em relação as imagens ali divulgadas, mas principalmente, quanto a imagem da jovem e de sua família que por muitas vezes (assim acreditamos), irá reviver esse momento difícil e trágico por inúmeras vezes quando novamente poderão tais imagens ser veiculadas nas redes sociais.

Assim, resta deixar claro que compartilhar material dessa natureza pode gerar a responsabilização ao agente, de crime contra a honra, mais especificamente as condutas delitivas de difamação e injúria, capitulados nos artigos 139 e 140 do Código Penal[9], as quais, sinteticamente e respectivamente, promove a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima ou acaba por ofender a dignidade da mesma.

Somado a isso e relacionado ao fato que acabou por motivar essa breve reflexão, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seus artigos 240 e 241-A, a tipificação da conduta daquele que  venha produzir, fotografar, filmar ou registrar, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente, assim como aquele que ofereça, disponibilize, transmita, publique ou divulgue, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, podendo resultar em pena que pode variar de 03 (três) a 08 (oito) anos de reclusão, acrescido de pena de multa.

Tem-se ainda a possibilidade de responsabilização civil pela divulgação de imagens, conforme reza o regramento estabelecido no Código Civil brasileiro.

Há ainda a situação em que, mesmo com o consentimento em relação ao registro do material, a divulgação das imagens sem autorização específica, principalmente via internet, vem se tornando, infelizmente, comum em nosso cotidiano, o que se chama de revenge porn, sexting  ou pornografia da vingança, resultando, muitas vezes, como reflexo dessa divulgação indevida, na intensificação na condição de vítima com as intimidações sistemáticas (bullying e/ou ciberbullying), promovendo com isso, a incidência também de registros de suicídios, decorrente a intensa exposição vexatória.

Dessa forma, é fundamental saber reconhecer os sinais de depressão, de perda de autoestima, de estresse constante e identificar pessoas que possivelmente estão nessa condição, alertando a família e encaminhando-os a serviços de saúde mental ou tratamento específico, assim como também das ações e provocações que são, na maioria dos casos, o fato gerador desses resultados fatídicos, responsabilizando de alguma forma aqueles que deram ensejo a vitimização trágica. 

 

[1] REGIS, Jonathan Cardoso. LIMA, Djonatan Batista de. Realidade virtual: ciberbullying e seus elementos caracterizadores (Parte 1). Empório do Direito. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/realidade-virtual-ciberbullying-e-seus-elementos-caracterizadores-parte-1/>. Acesso em: 04 dez. 2017.

[2] SANTOS, Mariana Michelena; PERKOSK, Izadora Ribeiro e KIENEN, Nádia. Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas psicol. vol.23 nº.4 Ribeirão Preto dez. 2015.

[3] MINAYO, Maria Cecília de Souza. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. 2006, p. 38. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2/205631-conceitos_teorias_tipologias_violencia.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2017.

[4] SILVAS FILHO, Paulo. OLIVEIRA, Paulo Eduardo Polomanei de. ROSA, Guilherme Zorzi. Como nasce uma (in)verdade: sobre versões desvirtuadas que ganham corpo quando propagadas nas redes.

[5]  BAGGIO, Lissandra; PALAZZO, Lílian S.; AERTS, Denise Rangel Ganzo de Castro. Planejamento suicida entre adolescentes escolares: prevalência e fatores associados. Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Brasil. Cad. Saúde Pública vol.25 no.1 Rio de Janeiro Jan. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/15.pdf. Acesso em: 19 abr. 2017.

[6] ARAÚJO, Luciene da Costa; VIEIRA, Kay Francis Leal; COUTINHO, Maria da Penha de Lima. Ideação suicida na adolescência: um enfoque psicossociológico no contexto do ensino médio. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712010000100006. Acesso em: 19 abril. 2017.

[7] DURKHEIM, Emile – O Suicídio. Estudo de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 14

[8] DURKHEIM, Emile. O Suicídio. Estudo de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 14

[9] Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

[...]

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

 

Imagem Ilustrativa do Post: into the blue // Foto de: Arindam Bhattacharya // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/arrybhattacharya/5335254819

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