Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck
Parte-se da premissa de que o empresário está em constante relacionamento, a partir do enlace com fornecedores, consumidores, parceiros, entre outros, sendo fundamental cuidar de suas relações e dotar de eficiência a atividade empresária.
Para isso, propõe-se o diálogo entre a análise econômica dos contratos e a teoria dos jogos em um ambiente de negócios, atribuindo-se importância a uma característica fundamental, o enforcement e sua repercussão nos custos e no mercado, sob a âncora do princípio da confiança.
A estrutura jurídica de uma empresa é complexa e, apesar das múltiplas relações com agentes econômicos de toda ordem, a presente reflexão estará concentrada nos contratos interempresariais, pois deles cuida o direito empresarial.
Paula Forgioni diz que os contratos interempresariais devem ser interpretados no contexto do mercado e são firmados entre empresas cujas atividades são movidas pelo lucro.[i]
Deste modo, os contratos possuem um papel fundamental para a estabilização das relações, dando a estas, previsibilidade.
A ideia de enforcement (garantia de exequibilidade) dá aos negócios, a partir dos contratos, credibilidade, sem a qual não há incentivos para atrair investimentos e prover o desenvolvimento econômico de um país.
A exigibilidade das obrigações que emanam dos contratos tem pautado discussões importantes, especialmente na presença de contratos interempresariais, em cujo modelo a intervenção do Estado é mínima, limitando-se aos aspectos corretivos e coercitivos para fazer cumprir o que foi convencionado pelas partes.
É por isso que as decisões judiciais têm recebido atenções na medida em que moldam o comportamento de agentes econômicos internos e externos. Caso o Poder Judiciário deixe transparecer à sociedade uma eventual dificuldade de fazer cumprir contratos livremente pactuados, com a possibilidade de ser comprovada a existência de um viés anticredor por parte dele, a interpretação do posicionamento resultará em incerteza jurisdicional, trazendo impacto direto na política econômica e no comportamento dos agentes privados.
Anteriormente, nesta mesma Coluna Empório, foi comentado que o momento da tomada da decisão é singular, pois competirá ao julgador a escolha entre diferentes teses ou diferentes caminhos, pautada em um exame reflexivo a respeito das lateralidades, dos efeitos, dos custos de transação e das externalidades deste ou daquele ponto de vista, especialmente nos casos em que a repercussão se dá no mercado[ii].
Para reforçar a ideia de credibilidade e enforcement, em termos empresariais, chega-se à seguinte lógica: quanto maior for a confiança, menores serão os custos gerados em uma relação jurídica. Os elementos morais, punitivos e reputacionais que integram os contratos em geral asseguram a exequibilidade, o enforcement. Assim, quanto mais garantidor for um contrato, melhor para a economia e melhor para o empresário. Como rotineiramente diz Marcia Carla Pereira Ribeiro, “a confiança é redutora de custos”.
Luciano Timm não exclui a possibilidade de intervenção corretiva nos contratos, sempre que “o custo da intervenção seja inferior ao benefício que ela trouxer ao acordo das partes”. Sustenta tal conclusão em um dos objetivos do próprio direito contratual, que é a de reduzir os custos de transação, compreendidos, ao citar Donald Wittman, como: “a) o custo de redação dos contratos pelas partes; b) o custo de redação dos contratos pelo tribunal (interpretação); e c) o custo de condutas ineficientes decorrentes de contratos mal-redigidos ou incompletos.”[iii]
Ao lado dos contratos, não menos importante é a estratégia utilizada visando a melhor solução para o caso concreto. Na maioria das vezes está vinculada a fatores externos.
Quando se fala na utilização de alguma estratégia, os consultores do direito têm-se servido da teoria dos jogos para compreender as regras e institutos jurídicos frente às situações postas. O objetivo da análise de um jogo é prever o seu resultado, ou seja, quais serão as estratégias adotadas para um determinado objetivo.
Luciano Timm bem esclarece a questão ao mencionar que:
“A teoria dos jogos diz respeito à análise de comportamento estratégico em que os tomadores de decisão interagem, sendo que o resultado de suas ações depende também das ações dos outros. Teoria dos jogos assume que os tomadores de decisão (também chamados de jogadores ou agentes) são racionais, o que significa que: (i) eles sabem quais são seus objetivos e preferências; (ii) eles sabem quais são as limitações e restrições relevantes às suas ações; e (iii) eles conseguem escolher a melhor ação possível dados seus objetivos e preferências e respeitadas as limitações e restrições relevantes. Em outras palavras, a teoria dos jogos é a ciência do comportamento racional em situações em que existe interação, ou interdependência , entre os agentes.”[iv]
Para a teoria dos jogos a denominada “solução de Nash” ocorre quando o equilíbrio é atingido, ou seja, quando não há motivo para quaisquer dos jogadores mudarem sua estratégia original. Neste sentido, cada jogador escolhe suas ações de forma independente, motivado pelo seu objetivo. Esta teoria é fundamental para a solução de jogos não cooperativos. Vale ressaltar que nem todo equilíbrio de Nash é um equilíbrio de estratégias dominantes, pois nem todo jogo tem estratégias dominantes, existem jogos que têm um ou mais equilíbrios, na concepção de Nash, e jogos que não têm equilíbrio de Nash.[v]
No ambiente empresarial, pela teoria dos jogos busca-se antecipar comportamentos e resultados, subsidiando-se de regras provenientes do ordenamento jurídico e da economia regulatória de um determinado mercado. Neste sentido Decio Zylbersztajn e Raquel Sztajn pontuam:
“A análise econômica deve, então considerar o ambiente normativo no qual os agentes atuam, para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas ou imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes econômicos. O Direito por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e as Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional.”[vi]
Assim sendo, a Análise Econômica do Direito, nesta particularidade, com foco nos contratos, busca a eficiência das relações e a efetividade na alocação de recursos, evitando e reduzindo perdas. Mesmo que confrontados os resultados no contexto dos direitos sociais, a AED pode ser utilizada no compartilhamento e na distribuição de recursos, não no sentido de assistencialismo, mas no sentido de redução do custo social a partir de incentivos.
Horacio Spector quando discorre sobre eficiência e justiça declara:
“En la cultura jurídica estamos acostumbrados a pensar que el valor supremo del orden jurídico es la justicia. Según una visión clásica de la idea de justicia en el Derecho Privado, ésta reconoce tres variedades: la asignación de derechos de propiedad debería estar guiada por la justicia distributiva (o social); la reparación de los perjuicios ocasionados por la conducta culpable, por la justicia correctiva o rectificadora, y la celebración y cumplimiento de los contratos, por la justicia conmutativa. Generalmente, el Análisis Económico del Derecho no utiliza ninguna de estas ideas de justicia, sino antes bien el concepto de eficiencia, de modo que será útil definirlo. …
La noción de eficiencia paretiana no requiere agregar o sumar los beneficios y costos de diferentes personas. Si un cambio (por ej., inducido por una norma jurídica) es Pareto superior, no hay perdedores y, por ende, no hace falta comparar las pérdidas y las ganancias de las personas afectadas. Por supuesto, hay que hacer una comparación para saber si alguien está mejor em S¹ que en S². Pero no es menester realizar ninguna comparación interpersonal.”[vii]
O mesmo autor, ao analisar a eficiência das normas jurídicas e suas aplicações, esclarece que:
“De todas formas, la conexión entre los análisis predictivos y la eficiencia tiende a aflojarse. Las investigaciones recientes de los analistas económicos del Derecho se preocupan por predecir qué comportamientos ocasionan diferentes normas jurídicas e investigar sus diversas propiedades, no sólo la eficiencia sino, por ejemplo, la distribución de la riqueza, la eliminación de la corrupción, la participación ciudadana, la igualación de oportunidades educativas, etcétera. En este sentido, es claro que la función predictiva es insoslayable para cualquier análisis racional del Derecho. Incluso si se deja de lado enteramente la eficiencia y solamente se busca la equidad o la justicia distributiva, resulta menester predecir si una norma jurídica realmente es capaz de lograr la situación considerada equitativa o justa. Como es obvio, este argumento puede ser extendido a la persecución de cualquier objetivo socialmente valioso.”[viii]
Neste contexto, para que se possa criar um ambiente favorável no âmbito empresarial, com a geração de riquezas, alocação de investimentos e novas tecnologias, faz-se mister que o nosso sistema jurídico seja compatível com a ideia trazida acima, de enforcement. Que as relações sejam pautadas pela credibilidade e confiança de um mercado, no qual as partes possam operar com racionalidade econômica, estimulando, por consequência, a atividade empresarial sustentável e o desenvolvimento econômico do País.
Notas e Referências
[i]FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 2010, p. 29.
[ii]ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A insegurança jurídica imposta ao mercado imobiliário — 1ª. Turma do STF: uma decisão a mais, desagregadora do equilíbrio da ordem econômica. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/a-inseguranca-juridica-imposta-ao-mercado-imobiliario-1-turma-do-stf-uma-decisao-a-mais-desagregadora-do-equilibrio-da-ordem-economica>. Acessado em: 05 de setembro de 2018.
[iii]TIMM, Luciano Benetti e GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise econômica dos contratos. In: Luciano Benetti Timm. (Org.). Direito e economia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.175.
[iv]TIMM, Luciano Benetti e HILBRECHT, Ronald O. Uma Introdução à Teoria dos Jogos. In: Direito e Economia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.115.
[v]TIMM, Luciano Benetti e HILBRECHT, Ronald O. Uma Introdução à Teoria dos Jogos. In: Direito e Economia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas: 2014, p.121.
[vi]ZYLBERSZTAJN, Decio e SZTAJN, Raquel. Direito e Economia Análise Econômica do Direito e das Organizações. São Paulo: Editora Campus, 2005, p.3
[vii]SPECTOR, Horacio. Elementos de Análisis Económico Del Derecho. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni Editores, 2004, p.9.
[viii]SPECTOR, Horacio. Elementos de Análisis Económico Del Derecho. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni Editores, 2004, p.14.
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