A insegurança jurídica imposta ao mercado imobiliário — 1ª. Turma do STF: uma decisão a mais, desagregadora do equilíbrio da ordem econômica

09/08/2018

Coluna João Carlos Adalberto Zolandeck Com Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck            

            Investir no Brasil não tem sido fácil. Acreditar no Brasil não tem sido fácil. Entender o Brasil em suas múltiplas manifestações não tem sido alcançável. O que fazer com um País riquíssimo em recursos naturais e vontade de empreender, onde a criatividade do seu Povo tem poucos precedentes, todavia com déficit primário[i] — um País que não consegue administrar com eficiência suas contas públicas, esbarrando no gigantismo de seus departamentos, muitos deles inúteis, despropositados ou inoperantes, suplantados pelo avanço da tecnologia.

            É um País caro, no sentido de dispendioso, e nós, do Povo, não mais suportamos pagar contas, privilégios e penduricalhos, a exemplo da suntuosa estrutura do Poder Legislativo, quem sabe, uma das mais onerosas do Planeta. O que dizer, então, num momento em que as coisas vão de mal a pior, salvo exceções segmentadas, sobre uma decisão judicial que repercute negativamente em um mercado cujas regras de convivência e maturidade são contrapostas ao argumento.

            Em outras oportunidades, nesta Coluna, tratamos sobre a importância do argumento e das decisões judiciais, no sentido de que o investidor, o empreendedor, grande ou pequeno, direcionam as suas escolhas, não apenas segundo a complexa legislação dos negócios, mas, também e igualmente, segundo a interpretação dada pelos Tribunais a respeito desta ou daquela pauta de mercado.

            Foi noticiado, não faz muito tempo, no Jornal Nacional, da Rede Globo, um precedente, da lavra da Ministra Rosa Weber, que, ao abrir divergência e por maioria, resultou em uma declaração de impenhorabilidade do bem de família do fiador em contratos de locação comercial.

            Consultando o RE 605709, julgado em 12 de junho de 2018, não foi possível obter a íntegra do pensamento, uma vez que o acórdão ainda não foi disponibilizado, cabendo, aqui, portanto, levar em consideração o resultado lá lançado, o debate e os diálogos noticiados a respeito.

            Trata-se de uma decisão isolada da 1ª. Turma do STF, na qual o voto da Ministra Rosa Weber abriu divergência e foi, infelizmente, o voto vencedor, por maioria. Contra o argumento, o Ministro Barroso e o Ministro Dias Tófoli, sendo este, o então Ministro Relator do Caso.

            Segundo Barroso, o STF já tem entendimento pacífico no sentido da viabilidade da penhora do bem de família do fiador por débitos em contrato de locação residencial. Também declarou em sua sustentação que “a possibilidade de atingir o patrimônio do fiador que, voluntariamente, oferece o bem como garantia do débito, impulsiona o empreendedorismo ao viabilizar contratos de locação empresarial em termos mais favoráveis[ii].

            Observa-se, assim, que os agentes econômicos são forçados a conviver com decisões judiciais díspares, em relação ao mesmo tema, sendo que a decisão aqui comentada não possui o efeito erga omnes, portanto, apesar da conclusão equivocada e destoante da racionalidade do mercado, certamente, o que prevalece, e espera-se prevalecer é o entendimento contrário, no sentido de manter-se hígida a norma legal prevista no artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, cujo dispositivo foi introduzido pela Lei 8.245/91.

            O STF, como dito pelo Ministro Barroso, já teve a oportunidade de apreciar a questão sob o enfoque da constitucionalidade desta exceção, definindo-se pela convivência harmônica entre a exceção e a regra constitucional que prevê o direito à moradia — o resultado decorre de uma decisão proferida pelo Pleno do STF (RE 407688), ainda no ano de 2006, sob a Relatoria do Ministro Cezar Peluso.

            É fato que a impenhorabilidade do bem de família é a regra, mas a norma legal traz exceções expressas, e a fiança em contrato de locação é uma delas, não tendo sido excepcionada a locação comercial.

            Lembre-se, ademais, que o STJ já havia uniformizado a jurisprudência e consubstanciado o entendimento na súmula 549, que dispõe: “é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.[iii]

            Segundo dados do SECOVI-Rio, a fiança é utilizada em 51% dos contratos de locação comercial, não se revelando eficientes as alternativas surgidas, pois representam ônus elevado para a relação locatícia[iv] e não são, ainda, onipresentes. Incapazes, portanto, de mitigar os efeitos da decisão judicial aqui comentada.

            Revela-se singular o momento da tomada da decisão, pois competirá ao julgador a escolha entre diferentes teses ou diferentes caminhos, pautada em um exame reflexivo a respeito das lateralidades, dos efeitos, dos custos de transação e das externalidades deste ou daquele ponto de vista, especialmente em casos como este, no qual a repercussão se dá no mercado, que, ao funcionar em equilíbrio, é capaz de revelar e impulsionar a riqueza de um País, por consequência, o bem-estar de seu Povo.

            O discurso pelo provimento do recurso e afastamento da penhora sobre bem imóvel do fiador decorre do equivocado entendimento sobre o direito fundamental à moradia, como se fosse uma regra incondicional, incapaz de comportar exceções. Percebe-se que não houve qualquer preocupação com os contratos em curso, o que é inimaginável nos tempos atuais, ou seja, não se permitiu uma readaptação e até mesmo uma pauta legislativa a respeito.

            Falou-se no mercado, mas qual é a lógica da análise da questão sob o enfoque da experiência, da experimentação? É certo que o contrato de locação comercial se caracteriza como um contrato interempresarial, onde, em ambos os lados, invariavelmente, situam-se empresários. A escolha da pessoa do fiador recai, salvo raras exceções, em uma terceira pessoa com interesse no sucesso do negócio do locatário ou com alguma relação com o segmento, sendo frequente, inclusive (excetuando-se a empresa individual), que a fiança seja prestada por um ou mais sócios da sociedade empresária.

            Vamos ao âmago do trecho argumentativo da decisão judicial: o argumento está ancorado no direito à moradia, naquele, e apenas naquele caso concreto, ou seja, no caso que aqui está sob análise. Tal decisão, diante do seu efeito lateral ou colateral, apesar de ser uma decisão isolada, em se tratando de julgamento por Tribunais Superiores, já afetou o mercado, surpreendido pelo conteúdo conclusivo desigual em relação à higidez da legislação especial excepcionadora.

            É como dizer que o conteúdo decisório em comentário asseguraria o direito à moradia ou acolheria o princípio da isonomia. Será mesmo? Ledo engano! Entende-se o contrário, no sentido de que a conclusão adotada em dissonância com a lógica de mercado, em situações que nele repercute substancialmente, não é uma conclusão justa e eficiente. Explica-se: o mercado imobiliário não estava e nem está preparado para a surpresa, e já experimenta severas consequências diante das externalidades negativas, aliás, contínuas, em razão de outros problemas que derivam da economia, da política e do elevado custo Brasil.

            É mais um sério e isolado obstáculo, que traz relevantes percalços ao investimento imobiliário, não apenas da locação, mas também da compra e venda de imóveis comerciais.

Deste modo, há uma tendência de retração do mercado imobiliário, outro, dentre tantos fatores contributivos que estimulam a recessão, ao menos segmentada. Tal fato leva à conclusão de que a pequena e a média empresa terão dificuldades severas para instalar-se ou progredir, ampliar. Logo, com menos investimento, menos dinheiro será lançado no mercado, o que impacta no emprego e na renda. Com menos empregos e renda, não há como pôr a salvo a moradia de uma imensa massa de desempregados. A decisão judicial em foco, sob o manto de proteger uma pessoa individualmente considerada, gera repercussão negativa a uma ampla coletividade, aparentemente invisível, mas substancialmente fundamental.

            O conteúdo deste pequeno ensaio tem a intenção de trazer o assunto para uma reflexão futura e mais aprofundada, quem sabe com dados estatísticos mais claros, não apenas aqueles conduzidos pela experiência. Fica aqui a mensagem, no sentido de que toda escolha tem repercussão, mas temos que eleger aquelas que acarretem menos efeitos gravosos e que de fato não aumentem o custo social, como é o caso da decisão que se apresenta, onerosa e gravosa. Diante de um tradeoff, fazer a melhor escolha, em detrimento da pior. Para isso, necessário é o entendimento dos contornos, da lateralidade e das externalidades desta ou daquela posição. É preciso continuar caminhando, para reverter este quadro, pois anseia-se por decisões mais agregadoras da racionalidade do mercado, quando o envolvem. Somente assim será possível dar equilíbrio à ordem econômica, ao menos contribuir com ela.

 

Notas e Referências

[i]Em todo ano de 2017, as contas do governo federal tiveram um déficit primário R$ 110,58 bilhões, ou 1,69% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o quarto ano seguido de rombo nas contas públicas.” (sic) Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/contas-publicas-tem-deficit-de-r-251-bilhoes-em-marco.ghtml>. Acessado em: 08 de agosto de 2018.

[ii]Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-18/stf-afasta-penhora-bem-familia-fiador-locacao-comercial>. Acessado em: 07 de agosto de 2018.

[iii] STJ. 2ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

[iv]Disponível em: <https://www.secovirio.com.br/noticias/decisao-stf-aluguel-com-fiador/>. Acessado em: 07 de agosto de 2018.

 

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