A PROIBIÇÃO DE CONSUMO DE BEBIDA ALCOÓLICA PELO CONDENADO EM REGIME ABERTO E A RECENTE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

21/09/2023

Recentemente a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a proibição genérica do consumo de álcool, imposta pelo juízo da execução penal como condição especial para o cumprimento da pena em regime aberto, deve levar em consideração as circunstâncias específicas do crime e a situação individual do condenado, não sendo suficiente o argumento de que a medida busca preservar sua saúde ou prevenir futuros delitos.

Tratou-se de acórdão proferido nos autos da Reclamação n. 45054/MG, em 09.08.2023, da relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em que o reclamante, por meio da Defensoria Pública, apontou descumprimento da ordem emanada do Tribunal no julgamento do “Habeas Corpus” n. 751.948/MG.

O juízo de primeira instância, da Vara de Execução Penal da Comarca de Guaxupé/MG, fixou como condição especial para o cumprimento de pena do condenado em regime aberto, dentre outras, “não ingerir bebida alcoólica de espécie alguma (condição especial necessária para manter boa saúde mental do apenado, buscando evitar que este volte a delinquir)”, condição essa que foi especificada para cumprir o determinado pelo Superior Tribunal de Justiça em anterior decisão proferida nos autos do “Habeas Corpus” n. 751.948/MG, já referido.

Como é sabido, o Código Penal, no art. 33, estabelece três espécies de regimes prisionais: a) regime fechado, no qual a pena privativa de liberdade é executada em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semiaberto, no qual a pena privativa de liberdade é executada em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar; e c) regime aberto, no qual a pena privativa de liberdade é executada em casa de albergado ou estabelecimento adequado. Na ausência de casa de albergado ou estabelecimento adequado, tem-se possibilitado o cumprimento do regime aberto em residência particular.

Ao final do processo penal, quando for o réu condenado, deverá o juiz fixar, nos termos do art. 59 do Código Penal, o regime inicial de cumprimento de pena, na seguinte escala: a) regime inicial fechado: obrigatório para condenado a pena superior a 8 anos; b) regime inicial semiaberto: condenado não reincidente a pena superior a 4 anos e não excedente a 8 anos; e c) regime inicial aberto: condenado não reincidente a pena igual ou inferior a 4 anos.

A individualização da pena na execução penal não se limita a uma mera formalidade, mas representa um mecanismo essencial para a ressocialização do condenado e sua reintegração à sociedade. Ao considerar as características individuais do apenado, como seu perfil psicossocial, antecedentes criminais, comportamento durante o cumprimento da pena, entre outros fatores, o sistema penal pode adaptar as condições da progressão de forma a garantir a segurança da sociedade, ao mesmo tempo em que oferece ao condenado a oportunidade de reinserção.

A fixação de condições especiais para a concessão de progressão ao regime aberto, embasada na individualização da pena, permite que o sistema penal seja mais eficiente na ressocialização dos apenados. Isso porque as condições impostas podem incluir medidas educativas, de tratamento, acompanhamento psicossocial, ou outras direcionadas às necessidades específicas do condenado. Dessa forma, a execução penal deixa de ser apenas retributiva e passa a ser também orientada pela ideia de reparação e reinserção social.

Além disso, ao levar em consideração as características pessoais, a individualização da pena na execução penal contribui para a redução da reincidência, um dos objetivos primordiais do sistema de justiça criminal.

Vale ressaltar que o acesso ao regime aberto, seja por progressão, seja por fixação inicial na sentença condenatória, pressupões, por parte do condenado, de acordo com o que dispõe o art. 116 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), “a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo Juiz.”

Nesse aspecto, além das condições estabelecidas no art. 115 da LEP, o juiz poderá estabelecer outras especiais para o regime aberto, podendo modificá-las, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem.

Foi justamente em atendimento a essa regra que o juízo de execução de Guaxupé, no caso ora em análise, estabeleceu a proibição total de consumo de qualquer espécie de bebida alcoólica pelo condenado, ainda que no interior de sua casa, condição especial que foi considerada pela Terceira Seção inadequada e carente de fundamentação vinculada ao caso concreto e à situação específica do reclamante.

Assim decidiu o ilustre relator:

“Com efeito, ao justificar tal proibição, o Juiz da execução deixou de vinculá-la às circunstâncias concretas relacionadas ao(s) delito(s) pelo(s) qual(is) o executado cumpre pena e/ou ao comportamento do reeducando no curso da execução penal, ou até mesmo a problemas de saúde específicos de que sabidamente padeça e que justifiquem a contraindicação da ingestão de bebidas alcoólicas.

Obviamente, como é dever de todos, o apenado não deve ingerir álcool durante o trabalho ou antes de conduzir veículo automotor, neste último caso, sob pena de incorrer no delito descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

No entanto, há vários outros horários em que o executado, estando dentro de sua residência, por exemplo, no período noturno ou em dias de folga, não está proibido da ingestão de bebidas alcóolicas, cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde.”

Em conclusão, deixou clara a decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça que, além das condições gerais e obrigatórias estabelecidas pelo juiz para a concessão do regime aberto, pode o magistrado estabelecer condições especiais, desde que fundamentadas e vinculadas concretamente à situação do apenado. Quando o condenado recebe um tratamento adequado às suas particularidades, suas chances de sucesso na reintegração à sociedade aumentam, o que, por sua vez, resulta em uma sociedade mais segura e menos sobrecarregada pelo ciclo de criminalidade.

 

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