A privatização dos presídios no Brasil – Por Ricardo Antonio Andreucci

25/08/2016

Novamente vem à tona a discussão acerca da privatização dos presídios no Brasil, com a inclusão do Projeto de Lei do Senado (PLS) 513/2011 na chamada Agenda Brasil, documento que congrega ampla pauta com medidas que tem por finalidade arrefecer a crise política e sinalizar para o final das dificuldades econômicas do País.

Referido Projeto de Lei define normas para a privatização de presídios, por meio de parcerias público-privadas (PPP), para a construção e gestão de estabelecimentos penais.

O tema não é novo e já havia sido enfrentado anos atrás, inclusive no estado de São Paulo, onde a idéia, já em estágio avançado de desenvolvimento, foi abortada após os setores de inteligência das polícias civil e militar alertarem o governo estadual sobre os planos da criminalidade organizada em assumir a direção dos presídios privados (que seriam dados em concessão pelo poder público), por meio de “laranjas” ou “testas de ferro” que participariam do certame licitatório. Naquela época ainda nem se falava em parcerias público-privadas.

Mais recentemente, o primeiro presídio privado do País foi inaugurado em 2013, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), fruto de parceria público-privada com o governo mineiro, com a proposta de aumentar as possibilidades de reinserção social do preso e oferecer alimentação, vestuário e atendimento médico de forma mais rápida e dinâmica.

O Complexo Penitenciário Público-Privado mineiro tem 3.040 vagas distribuídas em cinco unidades com capacidade para 608 detentos e foi construído pela sociedade de propósito específico Gestores Prisionais Associados (GPA), que poderá administrá-lo pelo período de 27 anos. A direção do presídio fica a cargo de um diretor público, nomeado pelo governo estadual, cabendo aos gestores fornecer aos presos atendimento médico, odontológico, social e jurídico, mantendo-os trabalhando e estudando. Tudo isso, é claro, mediante uma régia remuneração paga pelos cofres públicos que beirava os R$ 3.000 por preso já no primeiro ano de funcionamento.

Nos Estados Unidos, a questão envolvendo a eficiência e os custos dos presídios privados ganhou recentemente a atenção dos principais meios de comunicação, tendo o renomado periódico “The Washington Post” publicado, no dia 18 de agosto próximo passado, a seguinte manchete: “Justice Department says it will end use of private prisons”.

Tudo se originou a partir de um memorando enviado pela Procuradora-Geral Adjunta (“Deputy Attorney General”) Sally Q. Yates ao Diretor do “Federal Bureau of Prisons” (BOP), Thomas R. Kane, sugerindo a redução dos presídios privados no país, dentre outras razões, por não oferecerem o mesmo nível de serviços dos presídios operados pelo governo federal.

“Private prisons served an important role during a difficult period, but time has shown that they compare poorly to our own Bureau facilities. They simply do not provide the same level of correctional services, programs, and resources; they do not save substantially on costs; and as noted in recent report by the Department’s Office of Inspector General, they do not maintain the same level of safety and security”, escreveu Sally Yates.

A referência da Procuradora-Geral Adjunta foi a um relatório do escritório do Inspetor Geral do Departamento de Justiça norte-americano dando conta dos inúmeros problemas constatados na gestão prisional privada. O escritório do Inspetor Geral é o órgão que realiza investigações independentes, auditorias, inspeções e revisões especiais envolvendo pessoal e programas de justiça, visando detectar e prevenir desperdícios, fraudes, abuso ou má-conduta, promovendo a integridade, economia, eficiência e eficácia nas operações do Departamento de Justiça.

O citado relatório (“Review of the Federal Bureau of Prison’s Monitoring of Contract Prisons”), dentre outras coisas, faz quarto recomendações ao “Federal Bureau of Prisons” (“We make four recommendations to the BOP to improve the monitoring and oversight of its contract prisons, including enhancing its oversight checklist, which we believe should assist the BOP in ensuring that the significant number of inmates it houses in these facilities receive appropriate health and correctional services and that the contract prisons are safe and secure places to house federal inmates.”), concluindo que os presídios privados americanos não mantém o mesmo nível de segurança que os presidios públicos, além de serem mais caros aos contribuintes.

A problemática americana que envolve o assunto, entretanto, é mais de cunho político que propriamente jurídico e administrativo, na medida em que os presídios privados (tanto estaduais quanto federais), instituídos na era Reagan, nos anos 80, tiveram o seu apogeu há mais de uma década, quando a população carcerária cresceu assustadoramente, fruto da chamada “guerra às drogas”, muito embora apenas uma modesta parcela dos presos se encontrem em presídios privados atualmente.

A recomendação de Sally Yates atende à política de Obama de diminuição da população carcerária nos EUA, por meio da concessão de vantajosos indultos aos presos por delitos considerados menos graves, aí incluídos os condenados por tráfico de drogas que, a critério do estado, não mais devem ser mantidos no sistema carcerário. Ou seja, Obama busca fazer o caminho contrário àquele iniciado na era Reagan.

No Brasil, a experiência de Ribeirão das Neves vem dando certo, embora a custos maiores, por preso, não obstante a resistência à privatização dos presídios manifestada por alguns movimentos sociais, pelos agentes penitenciários e por parcela da sociedade civil rechaçando a inclusão do tema na Agenda Brasil e sustentando a necessidade de maior discussão acerca das reais vantagens de se passar à iniciativa privada parte da gestão do sistema penitenciário brasileiro.

A privatização é cara, inegavelmente, e pode levar ao incremento do encarceramento na busca pelo lucro, como ocorre nos EUA, onde os gestores privados financiam abundantemente campanhas políticas buscando o aumento das penas, a diminuição de benefícios aos presos e, consequentemente, o aumento de seus ganhos.

De todo modo, a questão, aqui no Brasil, precisa ser melhor trabalhada, amadurecida e amplamente debatida, a fim de que não se torne, futuramente, um problema maior que o já existente, com o sistema penitenciário entregue nas mãos de gananciosos e inescrupulosos grupos econômicos, ou, pior ainda, nas mão das facções criminosas e do crime organizado, sepultando, de vez, o ideal de uma sociedade segura e protegida.


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