A Política Brasileira, A Queda da Bastilha e A Revolução

16/07/2017

Por Affonso Ghizzo Neto – 16/07/2017

Analisando a realidade atual do País, assistimos nas últimas décadas o desgaste constante e gradativo de nossas instituições (Executivo, Legislativo, Judiciário etc.), notadamente materializado na falta de representação e credibilidade, quase que unânime, na classe política brasileira. Não importa a ideologia política ou a cor da bandeira partidária, ressalvadas raras e boas exceções, a política nacional é o retrato mais trágico do desmando e da criminalidade organizada infiltrada no Estado, reflexo de um sistema político ultrapassado, clientelista e extrativista, que visa unicamente a obtenção de riquezas e de privilégios exclusivos à classe empoderada.

Escândalos de corrupção renovados através de práticas banalizadas no sistema político nacional, a Operação Lava Jato é só mais “uma agulha no palheiro”. Levado a efeito mais um impeachment de um Presidente da República, seu sucessor, ao que aparenta, não ouviu o recado e o grito forte vindo das ruas, mantendo a continuidade de práticas pouco republicanas, em descompasso com a Democracia e o anseio popular, em total afronta ao que representa o verdadeiro significado do Estado de Direito.

Só para dar um pequeno e singelo exemplo, depois de entrar para história como o primeiro Presidente da República denunciado por corrupção no exercício do mandato, visando de todas as formas impedir a continuidade do processamento da denúncia que poderá apurar suas responsabilidades criminais – diante da qual poderia provar sua suposta inocência, observados o contraditório e a ampla defesa –, Michel Temer parece ter extrapolado todos os limites possíveis e imagináveis. Como lembra Ricardo Paladino: “Liberação de emendas parlamentares, entrega de cargos no governo, troca de deputados nas comissões. Michel Temer não tem limites.”[1]

Dito isso, que representa apenas um grão de areia dentro de um imenso deserto de irregularidades, fraudes, desmandos e articulações ilícitas instituídas na governança, talvez seja oportuno recordar os ensinamentos que podem ser extraídos de um importante acontecimento histórico: a “Queda da Bastilha”[2].

Especialmente aos senhores deputados federais, às vésperas da votação que decidirá sobre o encaminhamento da referida denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), vale a recordação para que fiquem atentos às consequências desastrosas que poderão advir de suas escolhas. A grande maioria dos brasileiros, já exaustos e cansados de tanta canalhice e impunidade, exige justamente o respeito a um princípio universal consolidado a partir da “Queda da Bastilha”, qual seja, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei independentemente de credo, raça, sexo, cor, ideologia política ou religião.

Relembre-se que, em oposição ao domínio da monarquia absolutista francesa e às restrições de direitos que atingiam a grande massa da população, em 14 de julho de 1789 ocorreu a célebre derrubada da Bastilha, acontecimento histórico que fortaleceu o sentimento revolucionário que viria a se desencadear em boa parte do continente europeu.[3]

Ato contínuo à “Queda da Bastilha”, em 4 de agosto de 1789, a França renovou sua confiança em novas instituições mais inclusivas, especialmente pela dinâmica imposta pela chamada Assembleia Nacional Constituinte, ocasião em que foram abolidos o feudalismo e os privilégios especiais de aristocratas e do clero francês.

Promulgada a versão definitiva da nova Constituição, em 29 de setembro de 1791 – convertida a França em uma monarquia constitucional –, os novos ventos que buscavam uma maior igualdade de direitos e a extinção de obrigações draconianas sofreram uma forte resistência por parte da Coroa e de seu séquito absolutista.

Em que pese a diminuição de poder do Rei Luís XVI e da Igreja, a dinâmica dos movimentos revolucionários sofreu uma profunda mudança de rumos em virtude do estado de guerra que se instalou em 1792. A “primeira coalizão”, liderada pela Áustria nos interesses do monarca absolutista, declarou guerra aos movimentos revolucionários das massas, então chamados de “sans-culottes” (sem calções).[4]

Como consequência desta forte turbulência social tivemos o início do período conhecido como a “Era do Terror”, ocasião em que os revolucionários liderados por Robespierre e Saint-Just, depois das execuções de Luís XVI e Maria Antonieta, determinaram as ações que culminaram com as execuções de um grande número de aristocratas e contrarrevolucionários, além de outros personagens centrais da própria revolução, como as lideranças populares de Brissot, Danton e Desmoulins.

Com a “Era do Terror” fora de controle, instalada uma convulsão social, o movimento teve seu fim em julho de 1794 com a execução dos próprios líderes da revolução, Robespierre e Saint-Just. Como se sabe, a “Revolução Francesa” resultou em violência generalizada com o sofrimento desnecessário da população, acarretando em instabilidade política e econômica, consequência natural do estado de guerra civil instalado.

Para que os erros do passado não sejam repetidos no presente, vale a lição da História: nenhuma sociedade com alta percepção social de injustiça, quando estabelecidas práticas de governo corruptas e arbitrárias, aguenta inerte e dócil por muito tempo. Com a prática de políticas de governo ineficientes, parciais e desajustadas, o desenvolvimento de uma ética social solidária resta inviabilizado, havendo uma desconfiança social generalizada em relação às práticas padronizadas no agir da classe política brasileira.

Nesse contexto, vale relembrar o nó górdio da questão: a “Revolução Francesa”, enquanto evento extremo e marcante, determinou, de uma vez só, a derrocada do sistema feudal e das injustiças as quais a população menos valida estava sujeita, eliminando os privilégios políticos e os benefícios fiscais que favoreciam exclusivamente à nobreza e ao clero. A radicalidade da mudança pode ser constatada pelo teor do artigo 11o da Constituição de 1791, verbis: “Todos os cidadãos, sem distinção de nascimento, são elegíveis para qualquer cargo, seja de cunho eclesiástico, civil ou militar; e nenhum ofício será considerado inferior a outro.”[5]

Esperando que não seja necessária a experiência dramática de uma revolução violenta – marcada por revoltas, guerras, derramamento de sangue, desmandos e mortes – conclamamos que a classe política brasileira acorde para a realidade da nação e fique atenta à insatisfação popular. Que nossos políticos e congressistas abram bem seus olhos, tendo a capacidade de conduzir a transformação necessária em busca de instituições mais inclusivas onde, além da contribuição e dos sacrifícios cotidianos gerados pelo esforço e o trabalho dos cidadãos, à população brasileira possa também usufruir das oportunidades e das riquezas nacionais.

Quem sabe, inspirados no ideário da “Queda da Bastilha” e da “Revolução Francesa”, possam os políticos brasileiros finalmente compreender a amplitude do conceito de Estado de Direito baseado numa justiça social pautada pela igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Que os senhores deputados, senadores, ministros de Estado, Presidente da República etc. não esqueçam a quem realmente representam – ou deveriam representar. Eis o recado: Basta!


Notas e Referências:

[1] Ricardo Paladino é Promotor de Justiça na Comarca de Joinville-SC. Acessível em: https://www.facebook.com/ricardo.paladino.161/posts/483455415340835?pnref=story

[2] “Queda da Bastilha”. Fernanda Paixão Pirissudanol. Graduação em História (UFRJ, 2016). Acessível em: http://www.infoescola.com/historia/queda-da-bastilha/

[3] ACEMOGLU, D. E ROBINSON, J.A. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução Cristina Serra. Rio de Janeiro; Elsevier, 2012, pp. 220-4.

[4] “'Sans-culottes' est le nom donné, au début de la Révolution française de 1789, par mépris, aux manifestants populaires qui portent des pantalons à rayures et non des ulottes, symbole vestimentaire de l'aristocratie d'Ancien Régime.” Acessível em: https://fr.wikipedia.org/wiki/Sans-culottes

[5] “No mês seguinte após a Queda da Bastilha, a assembleia nacional constituinte aboliu a cobrança de dízimo pela Igreja Católica inclusive as obrigações feudais. Nesta assembleia foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, esta declaração dava o direito a liberdade de expressão, a garantia de propriedade privada e assegurava a igualdade de todos os homens perante a lei. Em setembro de 1791 foi aprovada uma Constituição para a França, onde estabeleceu-se dentre outros o voto censitário (só podiam votar os cidadãos que tinham determinada renda), o livre comércio e a livre iniciativa para os negócios acabando com as restrições mercantilistas e feudais, o poder foi dividido em três instituições: Legislativo, executivo e judiciário.” Site Blogger, publicado em 24/10/2010. Acessível em: http://jornalrevolucaofrancesa.blogspot.com.br/2010/10/constituicao-de-1791.html


affonso-ghizzo-neto. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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