A POLÊMICA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

30/03/2023

O recente e lamentável episódio ocorrido no dia 27 de março p.p., em que a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos de idade, morreu esfaqueada por um aluno adolescente na Escola Estadual Thomazia Montoro, Vila Sônia, na zona oeste da cidade de São Paulo, S.P., reacendeu o debate acerca da redução da maioridade penal no Brasil.

Na ocasião, além da falecida, outras três professoras e dois alunos foram atacados pelo adolescente, que invadiu a escola trajando uma máscara de caveira e portando uma faca, com a qual desferiu golpes nas vítimas.

Após o ataque, o adolescente em conflito com a lei foi apreendido e, ao cabo da tramitação de procedimento regulado pela Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, estará sujeito à medida socioeducativa que for julgada mais adequada.

Dada a gravidade dos fatos praticados e o emprego de violência no cometimento dos atos infracionais, poderá ser aplicada ao adolescente a medida socioeducativa mais severa, que é a internação em estabelecimento educacional pelo prazo máximo de três anos, devendo sua manutenção ser reavaliada no máximo a cada seis meses.

Pois bem. Diante desse panorama, a pergunta que reverbera na sociedade brasileira é: seria adequada esta branda punição? Por que o referido adolescente não pode responder criminalmente como se adulto fosse? A maioridade penal deveria ser reduzida no Brasil?

A questão é polêmica e apresenta inúmeras implicações que não permitem a formulação de uma resposta simplista e açodada.

Como é sabido, no Brasil a maioridade penal é alcançada aos 18 anos, sendo certo que, até esta idade, os menores são considerados inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A maioridade penal aos 18 anos tem assento constitucional, estando prevista no art. 228 da Constituição Federal, que assim dispõe:

 “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

A mesma regra também é encontrada no art. 27 do Código Penal e no art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesses dispositivos, a legislação penal brasileira adotou o critério biológico para aferição da imputabilidade do menor. Trata-se, em verdade, de uma presunção absoluta de inimputabilidade do menor de 18 anos, fazendo com que ele, por imposição legal, seja considerado incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Adotado o critério biológico, a inimputabilidade é fundamentada na ideia de que o cérebro dos menores de 18 anos ainda não atingiu plenamente a maturidade biopsicossocial, o que pode prejudicar a sua capacidade de compreender a ilicitude do ato que praticaram e de agir de forma consciente e responsável.

Assim, a legislação penal brasileira estabelece que, em caso de cometimento de atos infracionais (crimes ou contravenções), os menores de 18 anos devem ser submetidos a medidas socioeducativas, que visam à sua ressocialização e reintegração na sociedade, ao invés de penas privativas de liberdade.

A título de comparação, nos Estados Unidos, o critério para aferição da imputabilidade penal de crianças e adolescentes varia de acordo com cada estado. No entanto, geralmente, é utilizada uma combinação de critérios biológicos, psicológicos e sociais.

Em alguns estados, como em Massachusetts, a idade mínima para responsabilização penal é de 7 anos. Já em outros, como em Kansas, a idade mínima é de 10 anos. Em alguns estados, há uma distinção entre crianças e adolescentes na imputabilidade penal.

Além da idade, outros fatores também são considerados na aferição da imputabilidade penal nos EUA, como a capacidade de compreender a natureza e a gravidade do crime, a capacidade de entender as consequências das suas ações, o grau de desenvolvimento cognitivo e emocional, a capacidade de controlar impulsos e comportamentos, a presença ou não de transtornos mentais, e as condições sociais e familiares.

Em alguns estados, há a possibilidade de se realizar uma avaliação psicológica e social do menor para determinar se ele é capaz de compreender a natureza e as consequências dos seus atos. Em outros, como em Connecticut, há um processo judicial específico para casos envolvendo menores de 18 anos, em que o juiz leva em consideração o histórico do menor, a natureza do crime e as circunstâncias em que ele ocorreu, além de outras informações relevantes, para decidir sobre a responsabilização penal dele.

Na Europa, o critério para aferição da imputabilidade penal de crianças e adolescentes também varia de acordo com cada país. No entanto, geralmente, é utilizado um critério baseado na idade e no desenvolvimento psicológico e social do menor.

Em grande parte dos países europeus, a idade mínima para a responsabilização penal é de 14 anos, como na França, na Alemanha, na Espanha e na Itália. No entanto, em alguns países, como na Holanda, a idade mínima é de 12 anos, e em outros, como na Suíça, a idade mínima é de 10 anos.

Como ocorre nos Estados Unidos, além da idade, outros fatores são levados em consideração na aferição da imputabilidade penal na Europa, como a capacidade de compreender a natureza e a gravidade do crime, a capacidade de entender as consequências das suas ações, o grau de desenvolvimento cognitivo e emocional, a capacidade de controlar impulsos e comportamentos, a presença ou não de transtornos mentais, e as condições sociais e familiares.

Em geral, a abordagem da justiça juvenil na Europa é baseada em medidas socioeducativas, que buscam a reabilitação e a reintegração do jovem na sociedade, ao invés de punições severas. Essas medidas podem incluir aconselhamento, serviços comunitários, programas de reabilitação, liberdade condicional e internação em instituições especializadas.

Em alguns países, como na Noruega, a abordagem da justiça juvenil é baseada no princípio de "responsabilidade restaurativa", que busca a reparação do dano causado pelo crime, tanto para a vítima quanto para a comunidade, e a reintegração do jovem infrator na sociedade.

Existem no Brasil diversas iniciativas legais visando a redução da maioridade penal para 16, 14 e até 12 anos, com inúmeros projetos de lei para alteração do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Entretanto, vale lembrar que a maioridade penal aos 18 anos vem prevista na Constituição Federal, razão pela qual nenhum projeto de lei teria o condão de modificar essa regra, sendo necessária uma emenda constitucional tratando do assunto, com a profundidade e seriedade que o tema merece.

Nesse sentido, cumpre destacar que existem opiniões divergentes entre juristas a respeito da possibilidade de alteração dessa regra.

A regra estampada no art. 228 da Constituição Federal é considerada por muitos como uma cláusula pétrea, ou seja, uma norma que não pode ser modificada por emenda constitucional, pois faz parte do núcleo essencial dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

Essa posição é sustentada por alguns juristas que argumentam que a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes é um princípio fundamental do Estado brasileiro, previsto não apenas na Constituição, mas também em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

Por outro lado, há quem entenda que a maioridade penal é uma questão de política criminal, que pode ser objeto de discussão e deliberação do Congresso Nacional por meio de emenda constitucional. Segundo esse entendimento, a cláusula pétrea referente aos direitos e garantias fundamentais não impede a alteração da maioridade penal, desde que essa mudança seja feita por meio do processo de emenda constitucional previsto na própria Constituição. É a nossa posição.

Em suma, diante desse cenário de divergência de opiniões, o tema segue sendo objeto de debates e discussões na sociedade e no Congresso Nacional. Vale ressaltar que qualquer proposta de emenda constitucional que pretenda alterar a regra da maioridade penal precisaria seguir os trâmites e requisitos previstos na Constituição, como a aprovação em duas votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com quórum qualificado, e a sanção do Presidente da República.

 

Imagem Ilustrativa do Post: C. E. Maioridade Penal (PEC 171/93) // Foto de: Bruno Covas // Sem alterações

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