A POLÊMICA LEGALIZAÇÃO DOS JOGOS DE AZAR NO BRASIL

17/03/2022

Há muito tempo que se fala, no Brasil, em legalização dos jogos de azar.

O termo “jogos de azar” se refere, comumente, a jogos em que o fator sorte é majoritariamente ou completamente decisivo nos resultados de uma partida, ou seja, são jogos nos quais os que têm sorte são os que ganham com o azar dos outros jogadores, devido à diferença de probabilidades entre a sorte e o azar.

Sabe-se que a primeiro registro de jogos de azar na história da humanidade remonta ao ano de 2300 a. C., na China, onde jogos de dados eram utilizados para decidir disputas de territórios.

De lá, posteriormente, se difundiram por todo o mundo, desde a antiguidade, estando presentes no Império Romano, passando pela Idade Média e encontrando aceitação, nos dias de hoje, em praticamente todos os países do mundo.

No Brasil, há notícias de jogos de azar no período do Império e na República, sendo proibidos apenas em 1917, por força do Decreto-lei n. 9.215, de 30 de abril de 1946, assinado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra.

Referido decreto-lei, em seu preâmbulo, nos chamados “considerandos”, retrata bem o espírito do governo, na época, ao estabelecer:

“Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;

Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a esse fim;

Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração de jogos de azar;

Considerando que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes;” (...)

Como se percebe, não há na citada norma nenhum argumento jurídico plausível para a proibição dos jogos de azar, sendo as razões puramente morais e de bons costumes.

Ainda do ponto de vista legislativo, no Brasil, “estabelecer ou explorar jogo de azar” constitui contravenção penal prevista no art. 50 do Decreto-lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), no capítulo VII que trata “Das Contravenções relativas à Polícia de Costumes”.

Também constitui contravenção penal, prevista no art. 51 do citado decreto-lei, “promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal”, ao que se seguem outras figuras típicas semelhantes, nos arts. 52 a 57, até chegar ao famoso “jogo do bicho”, espécie de jogo de azar tipificada no art. 58 da Lei das Contravenções Penais.

Entretanto, há que se diferenciar jogo de azar de apostas esportivas e loterias.

Jogos de azar são proibidos. Algumas apostas esportivas e loterias são permitidas no Brasil, controladas e patrocinadas pela Caixa Econômica Federal, tais como Mega-Sena, Lotofácil, Federal, Quina, Loteca, Timemania e tantas outras. Essas loterias são permitidas e geram arrecadação aos cofres públicos e, inclusive, patrocinam diversos programas sociais.

O serviço de loteria, federal ou estadual, é executado em todo o território nacional de acordo com o disposto no Decreto-lei n. 6.259/44, segundo o qual os governos da União e dos Estados poderão atribuir a exploração do serviço de loteria a concessionários de comprovada idoneidade moral e financeira. A loteria federal tem livre circulação em todo o território do país, enquanto as loterias estaduais ficam adstritas aos limites do Estado respectivo. No mesmo sentido o Decreto-lei n. 204/67.

Inclusive o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) tem como uma de suas fontes de receita a decorrente da exploração de loterias, de acordo com o disposto na Lei n. 13.756/2018.

No âmbito da previdência social, as loterias e apostas (chamadas de “concursos de prognósticos”) constituem formas de financiamento, de acordo com o disposto no art. 195, III, da Constituição Federal, e no art. 26 da Lei n. 8.212/91.

Mais recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 442/1991, segundo o qual a operação de jogos de azar em várias modalidades será dependente de licenças, que poderão ser concedidas em caráter permanente ou por prazo determinado. Cassinos poderão ser instalados em “resorts” de grande porte, com limite de estabelecimentos por estado e proibição de que um mesmo grupo econômico controle múltiplos estabelecimentos no mesmo estado. Poderão existir, também, cassinos turísticos, a operar em localidades que detenham o título de patrimônio natural da humanidade, tais como Fernando de Noronha, Parque Nacional do Iguaçu, Pantanal etc. O projeto ainda prevê o funcionamento de cassinos em navios de cruzeiro, de casas de bingo em estádios, sempre com limites para o número de licenças concedidas. Também trata da autorização para estabelecimentos de jogo do bicho, com capital social mínimo, credenciamento por 25 anos e obrigação de identificação dos ganhadores para prêmios em dinheiro acima do limite de isenção do imposto de renda.

É certo que o referido projeto vem gerando acalorada polêmica, inclusive nas casas legislativas, estando ainda pendente, no momento, de apreciação pelo Senado Federal, para onde foi encaminhado.

Fala-se que a legalização dos jogos de azar no Brasil acarretará inúmeros prejuízos sociais, que vão desde a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e prostituição, até o vício em jogos que constitui uma doença catalogada pelo Código Internacional de Doenças – CID, passando pela degradação moral da sociedade e pelo empobrecimento das famílias.

De outra banda, objeta-se com o ganho de arrecadação, a geração de empregos e as oportunidades para promoção do desenvolvimento regional e do turismo, tudo isso devido à legalização.

Em suma, cremos que a legalização consciente dos jogos de azar seja o melhor caminho a ser trilhado pelo Brasil, já que o projeto de lei é bastante moderno e contém diversos dispositivos destinados a uma correta implementação dessa modalidade de diversão que certamente trará muitos ganhos para o Estado e para a sociedade.

É fundamental e imprescindível, entretanto, que haja uma estrita, cuidadosa e constante fiscalização pelo poder público, por meio não somente dos órgãos policiais como também do Ministério Público, evitando que se instale a corrupção do sistema e que o jogo seja a fonte de sustento da criminalidade organizada, inclusive a do chamado “colarinho branco”.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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