A NOVA LEI 14.155/21 E O CRIME DE INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO

03/06/2021

O crime de invasão de dispositivo informático, do qual já tivemos oportunidade de tratar em artigo anterior, previsto no art. 154-A do Código Penal, foi recentemente alterado pela Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, tornando-o mais grave em suas diversas modalidades.

De início, cumpre lembrar que o art. 154-A foi inserido no Código Penal pela Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012, que dispôs sobre a tipificação criminal de delitos informáticos e foi apelidada de “Lei Carolina Dieckmann”, em alusão à famosa atriz brasileira que, em maio de 2012, teve fotos íntimas publicadas indevidamente na Internet, captadas por “hackers” que invadiram seu computador e passaram a exigir dinheiro para não tornar públicas as imagens pela rede mundial de computadores.

Como já havíamos ressaltado no artigo anterior, até então não havia, no Brasil, nenhum tipo penal que se adequasse especificamente ao fato ocorrido, ou seja, à invasão do dispositivo informático e à captação irregular de imagens, dados e informações.

A nova redação do dispositivo, dada pela Lei n. 14.155/21, passou a ser a seguinte:

“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

§2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.

§3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.

§5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:

I - Presidente da República, governadores e prefeitos;

II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;

III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou

IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

A norma penal visa tutelar o sigilo dos dados ou informações constantes de dispositivo informático, que devem ser protegidos e preservados.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Sendo vítimas as pessoas enumeradas no § 5º, que permaneceu intacto, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade.

A conduta típica foi mantida pela nova lei e vem representada pelo verbo “invadir”, que significa devassar, ingressar sem autorização. No crime em tela, o verbo “invadir” tem a conotação de acessar sem autorização, penetrar nos arquivos ou programas do dispositivo informático alheio.

Na redação anterior do tipo penal a invasão deveria ser executada “mediante violação indevida de mecanismo de segurança”, exigência que foi eliminada na nova lei. Anteriormente, o crime não se configurava se a vítima deixasse, por exemplo, o seu computador, “tablet” ou “smartphone” ligado ou desbloqueado e alguém acessasse seus dados indevidamente, ou mesmo se a vítima fornecesse a sua senha para terceiro que, aproveitando-se da situação, obtivesse, adulterasse ou destruísse dados ou informações indevidamente. Agora, essas mesmas condutas passaram a configurar o crime em comento, uma vez prescindível que haja violação indevida de mecanismo de segurança.

Outra novidade digna de nota se refere à propriedade do dispositivo informático. A redação anterior falava em “dispositivo informático alheio”, indicando que o sujeito ativo deveria violar um dispositivo pertencente a outra pessoa. A nova redação empregou a expressão “dispositivo informático de uso alheio”, indicando que o crime se configura ainda que o sujeito ativo viole o seu próprio dispositivo informático, de sua propriedade, que esteja sendo utilizado pela vítima a qualquer título (empréstimo, por exemplo). Logo, o sujeito ativo pode ser o próprio dono do dispositivo.

Além disso, foi mantida na nova redação a finalidade específica (elemento subjetivo específico) do agente de obter, adulterar ou destruir dados ou informações, ou, ainda, de instalar vulnerabilidades (vírus, programas invasores etc) visando à obtenção de vantagem ilícita.

A consumação ocorre com a invasão do dispositivo informático, independentemente da efetiva obtenção, adulteração ou destruição dos dados ou informações, ou da efetiva instalação de vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Trata-se de crime formal. A tentativa é admitida.

Com relação à reprimenda, a pena, que anteriormente era de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa, passou a ser de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. Portanto, não se trata mais de infração penal de menor potencial ofensivo, escapando da alçada da Lei n. 9.099/95.

O § 1º permaneceu inalterado, prevendo figuras equiparadas ao “caput”.

No §2º, o aumento de pena para a invasão da qual resulte prejuízo econômico passou de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) para 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).

Com relação à qualificadora prevista no §3º, se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena que era de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constituísse crime mais grave, passou a ser de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Inclusive, nesse último caso, aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos, tendo o §4º permanecido inalterado pela nova lei.

Por fim, a nova Lei n. 14.155/21 não modificou a regra da ação penal, que continua a ser pública condicionada à representação do ofendido, com exceção dos casos em que o crime for cometido contra a Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos, quando, então, será pública incondicionada.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Martelo da justiça // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações

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