A NECESSIDADE DE REVISÃO DA VEDAÇÃO DE PRISÃO EM PERÍODO ELEITORAL

06/10/2022

Sempre que se avizinha um período eleitoral vem à tona o questionamento acerca da possibilidade de se efetuar a prisão de pessoas que pratiquem ou tenham praticado infrações penais.

É muito comum a veiculação, pelos meios de comunicação de massa, de notícias de criminosos procurados, investigados e praticantes de crimes hediondos que circulam normalmente pelas vias públicas, inclusive nos locais em que praticaram seus crimes

A vedação de prisão em período eleitoral decorre de antiga e ultrapassada regra constante do art. 236 da Lei nº 4.737/65 – Código Eleitoral, que preceitua:

“Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.”

O próprio Código Eleitoral, entretanto, estabelece exceções: a prisão é possível em caso de flagrante delito ou em caso de condenação por crime inafiançável (transitada em julgado, embora a lei não o diga expressamente). Mas são vedadas as prisões cautelares de natureza processual nas modalidades de prisão preventiva e de prisão temporária, ainda que amparadas pela lei e decretadas em decisão escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.

Há muito tempo que questionamos a viabilidade de se manter, na atualidade, essa regra ultrapassada e totalmente apartada do interesse público, até porque há muitos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de não ter sido a referida norma eleitoral recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, basta um singelo estudo sobre a criação da Justiça Eleitoral no Brasil, nos idos de 1932, no governo de Getúlio Vargas, para se ter idéia de como se tratava, na República Velha, sobretudo, o direito de voto, em que os eleitores eram muitas vezes coagidos a votar em determinado candidato, quando não presos injustamente para não votar no candidato adversário.

Tempos sombrios, mas que já vão ao longe, ainda mais nos dias de hoje, sob as luzes da Constituição Cidadã de 1988.

Apenas para se ter uma ideia da desatualização da norma, a redação do atual art. 236, “caput”, do Código Eleitoral é idêntica à redação do art. 165, “2”, da Lei nº 48, de 04 de maio de 1935!

A bem da verdade, com as garantias que cercam as prisões cautelares na atualidade, regidas pelo Código de Processo Penal e lastreadas em dispositivos constitucionais que amparam e tutelam os direitos e garantias individuais, não se justifica mais a vedação de prisão em período eleitoral, até porque, ainda que prisão cautelar fosse decretada por decisão judicial escrita e fundamentada, é sabidamente garantido o direito de voto ao preso provisório, havendo farta regulamentação da matéria por resoluções dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral.

Ademais, os Tribunais Superiores, em diversos precedentes, vêm admitindo a decretação de prisão preventiva ou a conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva, ainda que em período eleitoral, quando a infração penal praticada não tiver qualquer relação com as atividades eleitorais.

Mesmo na hipótese em que a pessoa tenha sido presa em flagrante pouco antes do período eleitoral e tenha sido apresentada à audiência de custódia já na vigência desse período, poderá o juiz, se for o caso, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, uma vez que já existente efetiva restrição à liberdade previamente ao interregno estabelecido pelo Código Eleitoral.

Em decisão emblemática, proferida pelo Ministro Felix Fischer, no bojo da chamada “Operação Lava-jato”, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que “A vedação contida no art. 236 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) é instrumento que serve à preservação da liberdade do eleitor e diz respeito ao cumprimento de ordens de prisão afora das hipóteses admitidas na disciplina legal. A restrição contida no art. 236 do Código Eleitoral não tem aplicação nos casos em que o agente, por alguma razão, já se encontra com a liberdade mitigada por conta de ordem judicial válida previamente ao período de restrição. Hipótese em que é válida a conversão da prisão em flagrante ou da prisão temporária em preventiva.” (HC 374.357/PR – DJe 20.04.2017).

Portanto, entendemos que o art. 236 do Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo necessária urgente revisão dessa vetusta regra legal que, ao revés de trazer proteção ao cidadão em período eleitoral, semeia a insegurança e protege a impunidade, em patente descompasso com os alicerces de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

 

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