A necessidade de advogado no inquérito policial – Por Ricardo Antonio Andreucci

28/09/2017

De acordo com o disposto no art. 7º, XXI, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), com a redação dada pela Lei nº 13.245/16, constitui direito do advogado, “assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos.”

Referido dispositivo, ainda que tenha significado um reconhecido avanço para a lisura do procedimento investigatório, por óbvio não instituiu a obrigatoriedade de o advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração das infrações.

Com relação ao sigilo, a questão já veio pacificada pela Súmula Vinculante 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”), cujos ditames receberam reforço pela nova redação dada ao inciso XIV do art. 7º do EOAB (“examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”).

Tendo o advogado o direito de assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, não significa que se possa abrir contraditório no inquérito policial ou em qualquer outra investigação, em que repartição pública seja.

Como se sabe, no âmbito do inquérito policial, o procedimento investigatório é, por excelência, inquisitivo, nada obstante possa o investigado, por si ou por intermédio de seu advogado, requerer diligências e apresentar arrazoados.

A nulidade mencionada pelo citado inciso XXI do art. 7º ocorrerá apenas quando o respectivo direito do advogado for cerceado ou tolhido por ato da autoridade encarregada de conduzir a investigação.

E mesmo que ocorra cerceamento ao exercício desse novo direito, não se trata de anular todo o inquérito policial ou investigação simplesmente porque o investigado não foi assistido por advogado no curso dos respectivos atos, mas somente de se declarar nulo o “interrogatório ou depoimento” e, subsequentemente, todos os elementos investigatórios e probatórios “dele decorrentes ou derivados”direta ou indiretamente.

Portanto, o cerceamento ao novo direito do advogado de assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações acarreta a nulidade absoluta tão somente do próprio interrogatório ou depoimento, assim como dos elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados.

Trata-se de uma corruptela da teoria dos frutos da árvore envenenada, que, no caso, se aplica única e exclusivamente aos elementos investigatórios e probatórios decorrentes ou derivados do interrogatório ou depoimento do investigado e não de todo o inquérito policial ou instrumento investigativo.

Nesse sentido, se a autoridade que investiga (seja a autoridade policial, o órgão do Ministério Público ou qualquer outra a quem a lei atribui esse poder) já tiver muito bem clara e traçada a linha da investigação, com embasamento probatório suficiente para a apuração dos fatos, o interrogatório ou depoimento do investigado pouco influenciará na condução dos trabalhos, daí porque eventual nulidade por falta de advogado afetará unicamente o ato em si (interrogatório ou depoimento) e os que dele derivem ou decorram. Não se anulará, repita-se, todo o inquérito policial ou mesmo o processo já instaurado, onde os elementos eventualmente inquinados de nulidade absoluta na fase investigativa poderão ser refeitos.

Isso decorre logicamente, inclusive, da dispensabilidade do inquérito policial, já que, nos termos do art. 27 do Código de Processo Penal, “qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.”

Assim, se o inquérito policial é dispensável, pouco importa ao processo haja ou não nele nulidade absoluta por falta de advogado.

Diga-se mais, a presença do advogado não se tornou obrigatória no inquérito policial, mas passou a constituir um direito do investigado, que dele pode abrir mão a seu alvedrio, sem que isso inquine de nulo o caderno investigativo.

A reforçar essa conclusão, vale lembrar que o Código de Processo Penal, no art. 261, estabelece que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor“, não havendo, pois, obrigatoriedade da presença de advogado no inquérito policial.

Ademais, a nova disposição não inovou tanto assim, já que o art. 5º, LXIII, da CF dispõe, desde 05.10.1988, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”, em nada modificando a indispensabilidade do advogado à Administração da Justiça (art. 133, CF).


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Imagem Ilustrativa do Post: Black woman in law library // Foto de: Jerry Bunkers // Sem alterações

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