Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 08/12/2015
Olá a todos!!!
Qual o limite da moral? O que podemos esperar do outro? Qual deve ser a nossa conduta moral em situações de normalidade, ou em casos extremos? Temos inteligência emocional suficiente para demandar de nossos concidadãos, que se encontram no poder ou não, um ato comissivo, ou omissivo, que sequer cogitaríamos de empreender?
No mês de outubro de 2015, a imprensa noticiou que uma adolescente de 17 anos foi apreendida por fazer saques da conta bancária de funcionários da Caixa Econômica Federal de Bezerros, Agreste de Pernambuco. Ao que se apurou, foram encontrados com ela 62 cartões do Bolsa Família e 12 de contas de clientes[1].
Também de acordo com a imprensa, o Ministério Público da Suíça afirmou às autoridades brasileiras ter encontrado US$ 5 milhões em conta ligada a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, tendo como responsáveis pela movimentação o próprio Deputado, sua esposa e uma de suas filhas[2].
Agora um dado importante para a reflexão que se seguirá: de acordo com a World Justice Project (WJP), o Brasil apresentou variação negativa no fator “ausência de corrupção”. Em 2011, ano da primeira edição, o Brasil havia registrado nota de 0,67 no quesito "ausência de corrupção” (em escala em que quanto mais próximo de 1, melhor). Em 2015, repetindo uma tendência de queda de 2012 a 2014, a nota caiu para 0,46, de modo que no ranking geral, o Brasil caiu da 45ª posição, em 2014, para a 55ª entre os 102 países incluídos no levantamento[3].
Vamos imaginar uma sociedade em que: a) não se postule o impeachment da Presidente da República; b) não se acuse o Presidente da Câmara dos Deputados de: i) ter contas no exterior; ii) fazer uso de recursos de origem incerta; ii) barganhar votos em troca do recebimento do pedido de impeachment; c) senador da República não é pego em gravação ambiental cometendo, em tese, ilícitos e, como decorrência de sua conduta, acaba preso por determinação do Supremo Tribunal Federal; e d) em indicadores internacionais, o país não ocupa vergonhosa posição em que a corrupção se revela endêmica.
Nesta sociedade, a adolescente em cujo poder foram encontrados 62 cartões do Bolsa Família e 12 de contas de clientes teria, de fato, algum limite moral em que se basear para decidir internamente no sentido do cometimento, ou não, do ato infracional. Na nossa sociedade real, passa-se o mesmo? Existe algum limite moral ainda a ser exigido, ou observado?
Parece que vivemos em um momento de (in)definição; e não entre o que é certo, ou não; o jurídico, ou não; o admitido moralmente, ou não; o absurdo, ou não; o descalabro, o cinismo, ou o escárnio; mas sim entre limites extremos da moralidade. Temos, de um lado, absurdos fáticos que conduzem à perda da credibilidade das instituições em âmbito nacional ou internacional; e, de outro, a punição baseada em uma suposta moralidade que se exige a partir de uma também suposta ética decorrente da aplicação do ordenamento em vigor.
Não pretendo, com a reflexão ora formulada, sustentar uma espécie extrema de abolicionismo criminal, ou, de outro tanto, que a legislação em vigor não seja aplicada como decorrência do questionável (no mínimo) comportamento de quem se encontra à testa das principais instituições atuantes no país. Questiono, no entanto, a multiplicidade, ou a ausência de ambientes morais existentes como decorrência destes comportamentos malfadados.
Há um ponto importante a considerar neste aspecto. Estamos acostumados, em geral, a compreender internamente a legislação como forma de vetor direcional de ações e, ainda, que uma vez em vigor, a lei se desprende de sua origem genética. Ocorre que, diante do alto grau de comprometimento moral das instituições públicas na situação atual em que vivemos, a lei perdeu o seu sentido de expectativa de comportamentos admitidos e o seu descumprimento passou a ser implementado até mesmo como forma de alinhamento de condutas à baixa e parca vivência moral admitida na sociedade.
Afinal, se os Presidentes das principais instituições são moralmente questionados e suas condutas apresentam um extremo potencial de imoralidade, por qual motivo então haveria o cidadão comum de se esforçar em observar e fazer observar comportamentos afetos à legalidade? O descumprimento da ordem positiva não é sequer visto mais como descumprimento, senão como alinhamento ao ínfimo nível moral atualmente verificado.
Este movimento é perigoso, porque cria uma tendência que decerto se prolongará no tempo, mesmo após eventual defenestramento de sujeitos públicos acusados de condutas ilícitas. E esta situação enseja, no já conturbado relacionamento fato-norma, um elemento a mais: a imoralidade social, que funcionará como pano de fundo justificativo de condutas proscritas pela legislação em vigor; e da justificativa à crença será questão de tempo.
Uma vez atingido o nível da crença, o estrago será maior. A moral corrompida estará incrustrada na sociedade como um todo; o revés do aceitável se tornará uma espécie de revés do revés; e, embora não venha a ser externado publicamente, as pequenas corrupções serão praticadas e ensinadas, quiçá até mesmo incentivadas.
Neste ambiente, as instituições atuarão de maneira estratégica, proscrevendo e aceitando o que lhes interessar, porque escudados em interesses pessoais e manifestações subjetivas. A expectativa de comportamentos atrelados à legalidade se converterá em enunciações tragicômicas de coincidência de interesses e troca de favores. As falácias se tornarão regras argumentativas; e os vícios, as regras.
Com instituições inoperantes, descalabros nos comportamentos e movimentações sociais, ademais da absoluta falta de credibilidade interna e externa do Estado, restará o niilismo. O nada institucional ocupará o espaço do diálogo e do discurso. Teremos mais de poder e menos de autoridade, além de confusão e caos no ambiente outrora democrático.
Achou ruim este quadro? Ajude a mudá-lo então. Ignore a possibilidade da prática de pequenas corrupções do dia-a-dia; concite seus próximos ao diálogo e reestabeleça uma linha moral de conduta; cobre dos aparelhos estatais e, sobretudo, exija um comportamento institucional adequado aos preceitos constitucionais.
Assim agindo, talvez possamos limitar a corrupção às justificativas, impedindo que chegue ao nível profundo das crenças; e, com isso, possamos manter devidamente encarcerados ou defenfestrados aqueles que, após o contraditório e a ampla defesa, restem cabalmente evidenciados como o revés da sociedade, o contraponto da luz, o rejeito da escória.
O importante é não deixarmos o pensamento que flui qual anátema se tornar o revés do revés na sociedade.
Pense nisso...
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!
Notas e Referências:
[1] Íntegra da notícia pode ser visualizada em http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/estagi%C3%A1ria-de-banco-%C3%A9-apreendida-com-62-cart%C3%B5es-do-bolsa-fam%C3%ADlia/ar-BBmzIwG?li=AAaB4xI&ocid=mailsignoutmd Acesso em 30 outubro de 2015.
[2] Íntegra da notícia pode ser encontrada em http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2015/10/ministerio-publico-da-suica-encontra-us-5-milhoes-em-contas-de-eduardo-cunha.html. Acesso em 04 dezembro de 2015.
[3] Íntegra da notícia disponível em http://blogs.oglobo.globo.com/na-base-dos-dados/post/brasil-piora-no-quesito-corrupcao-do-indice-mundial-de-justica-567637.html. Acesso em 04 dezembro de 2015.
Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.
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