A Mediação e a Conciliação empoderam?

20/09/2016

Por Juliana Ribeiro Goulart e Jéssica Gonçalves – 20/09/2016

A expressão em português empoderamento equivale ao vocábulo inglês empowerment, cujo significado é “dar poder a alguém” para realizar uma tarefa. Trata-se de uma transformação interna, que possibilita que pessoas ou instituições realizem mudanças que as façam evoluir (FREIRE, 1992, p. 64). Nesse caminho, os indivíduos deixam de vivenciar a passividade das demandas para se tornarem protagonistas da sua própria história, com poder de decisão e consciência sobre seus atos.

As técnicas consensuais de tratamento de conflitos – como a Mediação e a Conciliação –, permitem que o cidadão se torne menos dependente da tutela do Estado, contribuindo para a necessária mudança de mentalidade exigida pelo novo paradigma, por muitos denominado coexistencial.

Nesse sentido, os meios consensuais podem ser compreendidos como maximizadores da cidadania, ao permitirem que o sujeito tenha voz e seja escutado ativamente em um processo recíproco e positivo de lidar com seus problemas. Ao experimentar os métodos consensuais, o cidadão se afasta do modelo binário ganhador x perdedor e, se empodera, na medida em que se vê capaz de fazer escolhas, chamando para si a responsabilidade de lidar com as próprias controvérsias, inclusive as futuras.

Nessa perspectiva, empoderamento é quase sinônimo de autonomia, referindo-se à capacidade dos indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim, entre as múltiplas esferas da vida as quais pertencem: sociais, políticas, econômicas e culturais. A esse respeito, Luis Alberto Warat (2005, p.114) ensina que a autonomia da vontade devolve ao cidadão a oportunidade de resolver seus próprios conflitos, depois de décadas em que foi forçado a crer que era melhor que o Estado tomasse as medidas coercitivas sobre suas próprias situações de insatisfação.

Com vistas a potencializar a consciência emancipatória individual do sujeito para participar da construção da resposta aos seus problemas, é que o termo empoderamento se relaciona com os meios consensuais e alternativos, tais como a Mediação e a Conciliação.

A visão transformativa proporcionada pelas técnicas da Mediação e da Conciliação permite que o conflito seja encarado de forma positiva, como uma oportunidade de caráter dúplice: desenvolvimento do exercício da autodeterminação – consistente no empoderamento dos participantes – e, da confiança mútua, por meio do incentivo à reciprocidade entre as partes (FOLEY, 2011).

As técnicas da Mediação e da Conciliação, se bem aplicadas, podem conferir aos cidadãos maior autonomia para decidir – com responsabilidade, alteridade e respeito ao   outro –, as suas próprias demandas. Isso porque as formas consensuais, em razão da sua estrutura não adversarial, buscam a transformação na estratégia dos indivíduos, estimulando-os a tomarem decisões cooperativas que influenciam a realidade em que se encontram inseridos.

Especificamente, o termo empoderamento está previsto no inciso VII do artigo 1º do Código de Ética de Mediadores e Conciliadores como “Princípio[1] do Empoderamento”, cuja ideia visa formar os cidadãos para que se tornem agentes de pacificação de futuros litígios, ou seja, pretende ratificar as capacidades adquiridas pelas partes na experiência da autocomposição, no sentido de que possam ajudá-las em suas próximas controvérsias.

Nessa direção, existem muitas evidências de que os meios consensuais empoderam: a) promovem a resiliência, pois encorajam o “seguir em frente”; b) incentivam a escuta ativa, o que leva a uma adequada tomada de decisão, mais rica em informações; c) estimulam a empatia, elevando o nível de confiança entre as partes e d) favorecem o aumento da coesão interna e da promoção da autonomia dos membros da comunidade, que se tornam os “juízes” das suas próprias causas.

Portanto, a Mediação e a Conciliação, técnicas consensuais e bilaterais de tratamento de conflitos empoderam, já que permitem que os sujeitos construam criativamente soluções satisfatórias para os seus problemas. O futuro agradece.


Notas e Referências:

[1] Os “princípios” norteadores da mediação estão previstos no Código de Processo Civil, na Lei de Mediação e na Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça. Aqui não se pretende discutir a natureza da terminologia “princípios” ou estabelecer conclusões a respeito de se tratarem de regras, princípios ou diretrizes técnicas. Contudo, importante salientar que não se tratam de princípios taxativos.

FOLEY, Gláucia Falsarella. A Justiça Comunitária para Emancipação. In: SPENGLER, Fabiana Marion; LUCAS, Doglas César (org.). Justiça Restaurativa e Mediação: Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos Sociais. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 36.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.


Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Mestranda em Teoria e História no Direito (UFSC). Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com / Facebook aqui.


Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Imagem Ilustrativa do Post: The World is Mine // Foto de: Lukasz Porwol // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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