A MANIFESTAÇÃO CRÍTICA AOS PODERES CONSTITUCIONAIS NÃO CONSTITUI CRIME – OS DELITOS DE OPINIÃO E A VOLTA DA CENSURA

10/11/2022

Já tivemos oportunidade de abordar, em artigo anterior nesta coluna, a clareza e objetividade da norma constante do art. 359-T do Código Penal, inserida pela Lei n. 14.197/21, que tratou dos crimes contra o Estado Democrático de Direito e revogou a Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional).

É inacreditável que, em pleno século XXI, tenhamos que tolerar a volta da censura em nosso País, tendo que medir palavras que, embora retratando a verdade e a realidade dos fatos, possam ser rotuladas pelos censores e “senhores da verdade” como falsas e “atentatórias contra o Estado Democrático de Direito”.

Como juristas, professores e profissionais do Direito, estudantes e, principalmente, como cidadãos, como sociedade, independentemente do posicionamento político-ideológico perfilhado (que deve ser respeitado absolutamente), não podemos tolerar e nem tampouco compactuar com a volta da censura prévia, com o cerceamento da liberdade de imprensa, com a intimidação ostensiva aos que ousam pensar e se expressar de maneira diversa e com o uso inescrupuloso do aparato do Estado para fazer calar a voz de uma parcela da sociedade que se encontra assombrada com o nível atingido pela corrupção, pelos desmandos, pelo abuso de autoridade e pelo silêncio constrangedor de algumas instituições que deveriam velar pela prevalência do Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, cabe lembrar que a liberdade de expressão exsurge como direito fundamental, corolário da dignidade humana, vindo expresso nos arts. 5º e 220 da Constituição Federal, vedada, inclusive, peremptoriamente, a censura prévia.

No art. 359-T, do Código Penal, vem estampado cristalinamente não constituir crime contra o Estado Democrático de Direito a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.

Diz textualmente o referido artigo:

“Art. 359-T. Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.”

A liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais da democracia, sendo inadmissível que um Estado Democrático de Direito abrigue instituições antidemocráticas, que não suportam conviver com a diversidade de pensamento e com a diversidade política, não aceitando críticas e se arvorando em censoras daquilo que julgam inverdades e que, no mais das vezes, constitui apenas a verdade que deve ser dita, mas que confronta e afronta seus interesses pessoais.

O artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, estabelece literalmente que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".

Nesse sentido, é oportuno citar a brilhante e percuciente lição de ALEXANDRE DE MORAES (“Direito Constitucional”, 36ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 133): “A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com as consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga.” E prossegue o ilustre constitucionalista, em outra passagem: “A liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.” (grifo nosso)

Durante a tramitação do projeto que, posteriormente, se tornou a Lei n. 14.197/21, foi legítima a preocupação do legislador em não criminalizar a manifestação crítica aos poderes constitucionais (Judiciário, Legislativo e Executivo), que não constitui crime contra o Estado Democrático de Direito, não se podendo, por conseguinte, prender, indiciar ou processar criminalmente qualquer cidadão apenas e tão somente porque perfilha uma linha política ou ideológica diversa ou porque ousa expor livremente suas ideias e crenças, concitando a população ao contato com eventuais aspectos obscuros do exercício do poder.

Repetimos: a crítica, embora contundente, a qualquer dos poderes constitucionais, deve ser tolerada em uma democracia, ainda mais quando se prega a necessidade de tolerância com a diversidade de ideologias políticas, de crenças e de opiniões.

A intimidação ostensiva aos que ousam pensar e se expressar de maneira diversa e o uso inescrupuloso do aparato do Estado, mediante investigações ilegais e prisões abusivas, para fazer calar as vozes divergentes, é própria das ditaduras e dos estados totalitários, em afronta, aí sim, ao Estado Democrático de Direito.

O pluralismo de valores e de ideias, portanto, deve ser um dos principais pilares sobre os quais se assentam as bases de um país democrático, devendo a sociedade brasileira zelar e vigiar ininterruptamente para que a livre manifestação do pensamento nunca lhe seja tolhida, sob qualquer pretexto, sob pena de sucumbir, aos poucos, à ganância daqueles que se arvoram detentores de todo o poder.

Por fim, vale lembrar, ainda uma vez, o alerta que brilhantemente nos faz o filósofo ISAIAH BERLIN (“The Crooked Timber of Humanity: chapters in history of ideas”, H. Hard (org.), London, J. Murray, 1990, p. 12-13), segundo o qual “a liberdade total para os lobos significa a morte para os cordeiros” e que tanto a liberdade quanto a igualdade estão entre os principais objetivos perseguidos pelos seres humanos ao longo de muitos séculos. (grifo nosso).

 

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