Introdução
O Poder Público, segundo dispõe o art. 37, inciso XXI[1], para aquisição de bens, produtos e serviços ou, ainda, para os casos de alienações, deverá utilizar o processo de licitação.
Art. 37 (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O dispositivo constitucional foi regulamentado por meio da Lei Geral de Licitações e Contratos Públicos, n.º 8.666/1993. O art. 3º[2], da citada norma, fixou que o procedimento licitatório destina-se a garantir a observância do principio constitucional da isonomia; a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, além de observar os princípios contidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
O citado art. 3º foi alterado pela Medida Provisória n.º 495/2010, transformada na Lei Federal n.º 12.349/2010, que incluiu, dentre os objetivos da Lei de Licitações, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A regulamentação da Lei n.º 12.349/2010 foi realizada pelo Decreto n.º 7.546/2011, que criou uma Comissão Interministerial para implantação da Lei Federal e definição das margens de preferência que serão aplicadas às compras públicas federais.
Em principio, uma leitura rápida do art. 3º da Lei n.º 8.666/93, alterado pela Lei Federal n.º 12.349/2010, poderia enganar o leitor e leva-lo a uma conclusão equivocada, qual seja, a de que a alteração legislativa pretendeu aplicar o principio ecológico da sustentabilidade nas compras públicas, atendendo ao postulado da Agenda 21 e da Declaração do Rio de Janeiro de 1992.
Na verdade, o novo objetivo contido na Lei n.º 8.666/93 é uma aplicação analógica de regras econômicas criadas por outros países, como a China e os Estados Unidos da América, com a exclusiva função de fortalecer a economia nacional através de um sistema protecionista, reservando um percentual para aquisição exclusiva de produtos nacionais, no processo de licitação pública.
A alteração legislativa, embora seja teratológica sob o ponto de vista da finalidade da licitação, uma vez que não se pode pretender conciliar a igualdade de oportunidades e a busca da proposta mais vantajosa com a promoção de medidas nacionalistas – clausula de barreiras para produtos internacionais, prestou-se ao estabelecimento de política macroeconômica e, ainda, revelou uma profunda despreocupação do Estado com o princípio ecológico da sustentabilidade nas compras públicas.
A sustentabilidade contida no art. 3º da Lei n.º 8.666/93 diz respeito, muito mais, aos negócios e às sociedades empresariais brasileiras. O Poder Executivo, ao editar a Medida Provisória n.º 495/2010, teve por objetivo a garantia da sustentabilidade das Empresas Nacionais, considerando as cifras vultosas que envolvem as compras públicas.
Discute-se, no presente ensaio, em que medida as compras públicas realizadas pelo Estado observam o principio da sustentabilidade.
A sustentabilidade e as compras públicas
Em recente artigo, publicado no Empório do Direito, externei que a sustentabilidade pressupõe a realização, ao mesmo tempo, do desenvolvimento socioeconômico e da preservação do ecossistema. Expliquei tratar-se de um axioma, qual seja, a sociedade será sustentável quando for capaz de se manter, harmonicamente e de forma equilibrada com o ecossistema no presente e no futuro. A sustentabilidade é, portanto, uma verdade aceita como essencial para discussão que circunda o dilema ecológico do mundo – como viver o presente, abonando que as gerações do futuro terão a oportunidade de viver em um planeta equilibrado ecologicamente? (CARMO, 2018)[3]
Na teoria da sustentabilidade existem dois consensos possíveis: a) o modo de vida e de desenvolvimento atual da sociedade não é sustentável e, b) a causa da insustentabilidade está ligada à logica do sistema de produção e de consumo capitalista.
O Poder Público se insere nesse contexto, primeiro, pelo fato de promover uma alteração legislativa no sistema de compras públicas com aspecto exclusivamente econômico e, segundo, por não promover a utilização de um sistema de compras sustentável, considerando que consumo envolvendo o Poder Público no Brasil corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), alcançando no ano de 2009, em valores reais, a cifra de 3 trilhões de reais. E, ainda, em 2010, apenas o governo de São Paulo gastou o equivalente a 20 bilhões de reais em compras e contratações públicas[4].
O Poder Público, preocupado com o volume financeiro envolvido nas compras públicas, passou a rever o sistema de licitação, incluindo, reflexivamente a ideia de que dentre os objetivos da Lei de Licitações estaria à aquisição de bens, produtos e serviços que fossem sustentáveis – quer dizer, o Poder Público deveria buscar realizar licitações do tipo menor preço sustentável, garantindo que a execução dos serviços públicos ocorresse por meio de bens, produtos e serviços sustentáveis, pois, do contrário, poder-se-ia comprar produtos baratos, porém, com padrões de produção e manufatura insustentáveis – degradadores do meio ambiente ou vilipendiadores do Ser Humano.
No Brasil, embora não haja qualquer sinalização quanto à inclusão do principio da sustentabilidade no sistema de licitações e contratações públicas, algumas estratégias foram criadas a partir da aplicação do art. 225 da Constituição Federal.
É comezinho que o art. 225 da Constituição Federal constitui matriz de direitos e de responsabilidades, tanto para o Poder Público quanto para o cidadão, em relação ao meio ambiente e a sustentabilidade. Cabe ao Poder Público, segundo o texto constitucional, garantir a qualidade de vida para as presentes e para as futuras gerações; implicando na assunção de políticas ambientais de sustentabilidade para toda a sociedade, inclusive para o setor produtivo e para o próprio Poder Público.
Dessa forma, não seria razoável que o Poder Público adquirisse, com recursos públicos, produtos/serviços cuja matriz de contrafação fosse insustentável – como comprar papel proveniente de recurso florestal da Mata Atlântica; como construir obra pública com projetos que desconsiderassem a utilização de tecnologias de produção de energia por painéis fotovoltaicos ou que não realizassem o aproveitamento da agua proveniente da chuva; como não contratar/promover os serviços de coleta seletiva ou não implantar a coleta seletiva nas repartições públicas.
A implantação da licitação verde é uma necessidade, pois, possibilitará ao Poder Público cumprir a obrigação constitucional de proteger o meio ambiente e a sociedade e, ainda, em razão da demanda do Poder Público, colaborará para a implantação de uma economia verde; facilitará a inserção de critério ambiental e social de sustentabilidade nos editais e nos termos de referências das compras públicas e criará um ambiente econômico favorável para investimento pelo setor empresarial em produtos sustentáveis, tendo o Poder Público como cliente potencial.
Conclusão
É certo que o Brasil já avançou estrategicamente em inúmeras áreas sociais e ambientais em relação às compras públicas. Na prática, aos poucos a Lei de Licitações vem regulando as garantias constitucionais, como é o caso do art. 7º, inciso XXXIII da Constituição que proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
A sustentabilidade não é um slogan, muito menos uma filosofia etérea. Trata-se de um modo de vida, uma opção sem retorno de toda a sociedade. No que toca o Poder Público, dentre as diversas ações que estão sob seu julgo, cabe à responsabilidade de implantar um novo sistema de compras publicas; um sistema que demande produtos verdes, certificados pela produção socialmente justa e pelos menores impactos ambientais possíveis.
[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 29 de mar. 2018.
[2] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 29 de mar. 2018.
[3] Disponível em http://emporiododireito.com.br/leitura/a-teoria-da-sustentabilidade. Acesso em 30 de mar. 2018.
[4] BETIOL, Luciana Stocco. O papel das compras públicas para um desenvolvimento sustentável. Cadernos Adenauer, ano XIII, 2012.
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