A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DE PRISÃO EM PERÍODO ELEITORAL

01/11/2018

 

 

Chamou a atenção de todos, neste último período eleitoral, a quantidade de criminosos que deixaram de ser presos em razão da vedação constante do art. 236 da Lei nº 4.737/65 – Código Eleitoral, que preceitua: “Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.”

Os meios de comunicação de massa veicularam inúmeras notícias de criminosos procurados, investigados e praticantes de crimes hediondos que circulavam normalmente pelas vias públicas nos locais em que praticaram seus crimes, frequentando bares e estabelecimentos congêneres, escarnecendo das autoridades da segurança pública, cônscios da impunidade, sob os olhares de perplexidade da população honesta.

Houve um caso, inclusive, de chefe de facção criminosa procurado pela Justiça que compareceu espontaneamente à delegacia de polícia para “prestar esclarecimentos” e, depois, vedada sua prisão em período eleitoral, escafedeu-se para a clandestinidade em retorno à sedutora vida do crime.

É certo que o Código Eleitoral estabelece exceções: a prisão é possível em caso de flagrante delito ou em caso de condenação por crime inafiançável (transitada em julgado, embora a lei não o diga expressamente). Mas são vedadas as prisões cautelares de natureza processual nas modalidades de prisão preventiva e de prisão temporária, ainda que amparadas pela lei e decretadas em decisão escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.

O que deve ser questionado, nesse aspecto, é a viabilidade de se manter, na atualidade, essa regra ultrapassada e totalmente apartada do interesse público.

Como bem observa o ilustre jurista Antonio Carlos da Ponte, em excelente trabalho intitulado “Prisão e Período Eleitoral”, disponível no sítio do Ministério Público do Estado de São Paulo na internet, “o questionamento que deve ser realizado é se tal norma, oriunda de uma legislação de 1965, foi recepcionada ou não pela Constituição Federal de 1988.”

Essa é a questão primordial a que devemos nos debruçar ao analisar o disposto no art. 236 do Código Eleitoral.

Preceitua o nobre jurista que “o Código Eleitoral foi elaborado em conturbado momento da vida nacional; as liberdades públicas não possuíam o destaque e o papel que têm hoje.”

Efetivamente, basta um singelo estudo sobre a criação da Justiça Eleitoral no Brasil, nos idos de 1932, no governo de Getúlio Vargas, para se ter idéia de como se tratava, na República Velha, sobretudo, o direito de voto, em que os eleitores eram muitas vezes coagidos a votar em determinado candidato, quando não presos injustamente para não votar no candidato adversário.

Tempos sombrios, mas que já vão ao longe, ainda mais nos dias de hoje, sob as luzes da Constituição Cidadã de 1988.

Pode parecer absurdo, mas a redação do atual art. 236, “caput”, do Código Eleitoral é idêntica à redação do art. 165, “2”, da Lei nº 48, de 04 de maio de 1935!

Atualmente, com as garantias que cercam as prisões cautelares, regidas pelo Código de Processo Penal e lastreadas em dispositivos constitucionais que amparam e tutelam os direitos e garantias individuais, não se justifica mais a vedação de prisão em período eleitoral, até porque, ainda que prisão cautelar fosse decretada por decisão judicial escrita e fundamentada, é sabidamente garantido o direito de voto ao preso provisório, havendo farta regulamentação da matéria por resoluções dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral.

Seria, nas palavras de Antonio Carlos da Ponte, “um verdadeiro acinte à Justiça e a tradução da mais pura impunidade, por exemplo, o comparecimento de um homicida, com prisão preventiva decretada, cujo mandado ainda não fora cumprido, à seção eleitoral, o regular exercício do direito de voto e, depois de quarenta e oito horas, o retorno do criminoso à clandestinidade. A interpretação meramente gramatical do artigo 236 do Código Eleitoral pode levar a tal disparate; enquanto que a interpretação teleológica ou sistemática conduz a outra conclusão.”

Assim, respeitadas as opiniões em contrário, temos que o art. 236 do Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que busca a valorização da cidadania e finca os alicerces de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, não compactuando com a injusta subtração de criminosos ao alcance da lei apenas e tão somente por se tratar de período eleitoral.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Centro de São Paulo // Foto de: Diego Cavichiolli Carbone // Sem alterações

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