A importância do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária para o Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura

01/10/2015

Por Thaís Boia Marçal - 01/10/2015

O Governo brasileiro analisa proposta de tributação (PLS nº 298/2015[1], de autoria do Sen. Randolfe Rodrigues) para o repatriamento de capitais, denominado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, pelo programa de Offshore Voluntary Disclousure, seguindo as orientações internacionais, com destaque para aquelas oriundas da Força Tarefa em Ações Financeiras (Financial Action Task Force – FATF).

A ideia é permitir que os recursos patrimoniais lícitos de titularidade de residentes no Brasil (pessoas físicas ou jurídicas), transferidos ou mantidos no exterior, possam ser declarados aos órgãos brasileiros e, com o pagamento do tributo e da multa correspondente, receberão tratamento regular do Estado.

A análise comparativa de diversos países, tais como Itália, Argentina, Turquia e Portugal, permite concluir que tal prática tributária vem sendo bem sucedida como fonte de receita e reaquecimento da economia nacional.

No Brasil, há estimativa de que a União arrecade cerca de 100 a 150 bilhões de reais, pois se avalia que existam US$ 400 bilhões não declarados de brasileiros no exterior.

A instabilidade no cenário econômico brasileiro e a busca de ambientes com uma economia mais lucrativa, nas décadas de 80 e 90, pode ser identificada como razão do grande volume de capital no exterior.

Atualmente, nota-se um esforço do Governo Federal em conjugar o equilíbrio das contas públicas (como se pode notar com as medidas de ajuste fiscal) com o desenvolvimento nacional.

Nesse contexto, a discussão, no Congresso Nacional, do PLS nº 298/2015 revela-se de nodal importância, pois o pretendido repatriamento dos capitais tende a promover o reaquecimento da economia brasileira, diante do incremento de sua circulação no território nacional.

Além disso, como requisito para regularização, o projeto, nos termos do substitutivo apresentado pelo Sen. Delcídio do Amaral, prevê o pagamento de imposto de renda, com alíquota de 17,5% (art. 6º) e multa correspondente 100% (cem por cento) do valor de imposto pago (art. 7º).

Não obstante a experiência internacional ter fixado alíquotas mais baixas, como forma de incentivo à adesão ao programa, percebe-se que o patamar proposto encontra-se adequado, uma vez que ficará acima da última faixa da tabela do imposto de renda para pessoa física, sendo igualado ao custo tributário básico de uma pessoa jurídica.

Age bem o legislador constituendo ao instituir a tributação por meio da espécie tributária imposto, haja vista que a sua tributação como taxa não se revela apropriada, diante da dificuldade em identificar o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (CF, art. 145, II, e CTN, art. 77), a fim de caracterizar tal espécie tributária.

Igualmente benéfica se mostra a opção por instituir a tributação por meio de imposto de renda, uma vez que não se tem meios de identificar qual a operação originou aquela renda, bem como se esta seria submetida à tributação brasileira.

O art. 7º, do aludido projeto, dispõe que será devida multa no patamar de 100% (cem por cento) sobre o imposto de renda apurado, sendo que a receita dela proveniente será destinada ao Fundo de Desenvolvimento Regional de Infraestrutura (FDRI) e ao Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do Imposto sobre Operação Relativa à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (FAC-ICSM), instituídos pela Medida Provisória nº 683, de 13 de julho de 2015.

Nesse prisma, o repatriamento de capitais revela-se um importante instrumento de gestão, sob dois aspectos principais: (i) incentivo à cooperação privada; (ii) estímulo à economia brasileira.

O primeiro aspecto ganha relevo, uma vez que a adesão ao programa de repatriamento é voluntária, incentivando uma postura colaborativa do setor privado para investir capital no país. Tal postura acarreta em um menor gasto público para sua efetivação, concretizando o princípio da economicidade e da eficiência.

O segundo aspecto – estímulo à economia brasileira – pode ser identificado por pontos: (i) injeção de capital na economia nacional; (ii) direcionamento de parcela de multa para o fundo de desenvolvimento de infraestrutura.

A respeito do ingresso de capital no Brasil, percebe-se que isso estimula a economia no momento em que a arrecadação tributária aumenta com o grande volume de imposto de renda que se estima ver arrecadado, o que permite ao Governo aplicar verba no mercado (capital de investimento) e até mesmo suprir as suas necessidades de manutenção estrutural, além de permitir a criação de políticas públicas[2] e programas[3] que propiciem o desenvolvimento nacional, regional e local.

No tocante à multa tributária, o projeto original do PLS nº 298/2015, de autoria do Sen. Randolfe Rodrigues dispõe em seu art. 10, §1º, II, que a multa seria no montante de 10% (dez por cento) caso o titular do recurso a ser repatriado empregue seus investimentos em projetos para implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia e saneamento básico, aprovados como beneficiário do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), previsto no art. 1º da lei nº 11.488, de 2007[4].

Sob esse aspecto, vale destacar que a proposta de substitutivo apresentada pelo Sen. Delcídio do Amaral parece melhor atender aos princípios da economicidade e da eficiência, ao prever no art. 10[5], o pagamento de valor fixo de multa, qual seja de 100% (cem por cento) sobre o valor pago de imposto de renda no processo de repatriamento, a ser destinado ao Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (FAC-ICMS) e ao Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI), pois, especificamente, na questão da infraestrutura permite a análise de qual setor de infraestrutura terá prioridade de investimentos em dado momento, de acordo com o planejamento estatal.

Da análise da proposta, percebe-se que não há percentual pré-fixado do quantitativo que será destinado a cada um dos fundos. Prática esta que se revela acertada, diante da necessidade de se atentar para as variáveis de cada momento da sociedade, erigindo-se daí a discricionariedade[6] do agente eleito para fixar qual será a prioridade a ser suprida em dado momento.

Ainda no tocante ao FDRI, importa ressaltar que, por ser dever do Estado garantir a implementação das funções essenciais da cidade, quais sejam: (i) habitação; (ii) circulação[7]; (iii) trabalho e (iv) lazer, conforme enunciado na Carta de Atenas[8], revela-se imperiosa a realização de investimentos no setor de infraestrutura, de modo a permitir o acesso igualitário aos equipamentos públicos independentemente da concentração de riqueza de cada área da cidade.

Na história da ocupação do solo brasileira, percebe-se que a disponibilização de infraestrutura possui intrínseca relação com a concentração do capital. Tal constatação pode ser identificada ao se analisar a realidade das favelas brasileiras, onde é escasso o investimento em instalações regulares de energia, água, luz, entre outros serviços essenciais.[9]

A aludida diferença entre disponibilidade de infraestrutura pode ser identificada na desigualdade de desenvolvimento entre as regiões. Enquanto o Sul e o Sudeste brasileiro demonstram ampla infraestrutura de serviços públicos, percebe-se que o Norte, Centro-Oeste e o Nordeste encontram, regra geral, dificuldade em lidar com o suprimento de necessidades básicas.

Nesse cenário, mostra-se de fundamental relevo a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI) pelo art. 1º, da MP nº 683, de 13 de julho de 2015[10], que poderá cumprir a sua função de forma mais eficiente com a maior disponibilidade de receita proveniente da parcela da multa pelo processo de repatriamento, promovendo a evolução do aludido setor de infraestrutura de importância nodal para o desenvolvimento nacional.


Notas e Referências:

[1] Há notícia de que o Governo Federal pretende editar medida provisória com idêntico conteúdo do PLS nº 298/2015, diante da dificuldade de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, bem como pela urgência e relevância do tema. Notícia disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/08/repatriacao-de-recursos-deve-virar-medida-provisoria. Acessada em 22 de setembro de 2015.

[2] Adota-se o conceito de políticas públicas proposto por Maria Paula Dallari Bucci, de modo a entendê-las como “programas de ação governamental que visam a coordenar os meios à disposição do Estado e às atividades privadas, para realização de objetivos socialmente e politicamente relevantes”. Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 241.

[3] “Programa é o instrumento de organização da ação governamental, daí o orçamento público passar a instrumento de programação da ação governamental ao articular um conjunto de ações para cumprir objetivos pré-determinados, mensurados por indicadores estabelecidos em plano plurianual comprometido com o atendimento a necessidades ou demandas da sociedade.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres Pereira; MARÇAL, Thaís Boia. Orçamento público, ajuste fiscal e administração consensual. Fórum de Contratação e Gestão Pública, ano 14, n. 163, jul. de 2015, p. 42).

[4] Art. 11. A multa de regularização será devida no montante de: I – 30% (trinta por cento) nas hipóteses dos incisos I a V, inclusive, do art. 3º desta Lei.  II – 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado do patrimônio material ou imaterial designado nos incisos VI a X, inclusive, do art. 3º desta Lei. § 1º Na hipótese do inciso I deste artigo, o percentual da multa será reduzido em 10% (dez por cento) caso o titular dos recursos os empregue nos seguintes investimentos: I - na compra de títulos da dívida pública interna e externa, para resgate acima de dez anos; ou II - em projetos para implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia e saneamento básico, aprovados como beneficiário do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), previsto no art. 1º da lei nº 11.488, de 2007, com resgate não inferior a cinco anos. § 2º O descumprimento do previsto no parágrafo anterior implicará a cobrança da diferença sobre os recursos sacados, acrescido de multa de 15% quinze por cento sobre o valor total do investimento aplicado pelo beneficiário.

[5] Art. 10. O montante total arrecadado da multa de regularização de que trata o art. 7º desta Lei será destinado ao Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI) e ao Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (FAC-ICMS), instituídos pela Medida Provisória nº 683, de 13 de julho de 2015. Parágrafo único. A efetiva utilização dos recursos para as finalidades referidas no caput fica condicionada à: I - aprovação e implementação de resolução do Senado Federal, editada com fundamento no inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, por meio da qual sejam reduzidas as alíquotas do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais; e II - celebração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal por meio do qual sejam disciplinados os efeitos dos incentivos e benefícios fiscais ou financeiros cuja concessão não tenha sido submetida à apreciação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e dos créditos tributários a eles relativos.

[6] Destaque-se que discricionariedade não deve ser sinônimo de arbitrariedade, devendo o ato administrativo que fixar o percentual destinado a cada um dos fundos ser devidamente fundamentado com as razões que o determinaram, de modo que o “espaço de escolha de soluções a cargo da autoridade, mitiga-se o voluntarismo da discricionariedade, que se torna passível de controles da medida em que se a define como escolha vinculada ao dever de justificação racional, inclusive socorrendo-se  da função paradigmática e supletiva dos princípios, positivados ou não em normas escritas.” [6] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Controle Judicial da Administração Pública: da legalidade estrita à lógica do razoável. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 90.

[7] Sobre o ponto, vale destacar a inclusão, pela Emenda Constitucional nº 90/2015, do direito ao transporte como direito social no rol do art. 6º, da CF.

[8] Trata-se de documento produzido no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM).

[9] Acerca do tema, confira-se: MAGALHÃES, Alex Ferreira. O direito das favelas. Rio de Janeiro: LetraCapital, 2013.

[10] Art. 1º, MP nº 683, de 13 de julho de 2015. Fica instituído o Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura - FDRI, fundo especial de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Fazenda, com a finalidade de reduzir as desigualdades socioeconômicas regionais, custear a execução de projetos de investimento em infraestrutura e promover maior integração entre as diversas regiões do País, nos termos do disposto no art. 3º, caput, inciso III, da Constituição.


Thaís Boia Marçal

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Thaís Boia Marçal é Especialista em Direito Público pela UCAM. Pós-Graduada em Direito pela EMERJ. Bacharel em Direito pela UERJ. Advogada no Rio de Janeiro.

E-mail: thaismarcal@adv.oabrj.org.br

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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