A “imitatio veri” nos crimes contra a fé pública – Por Ricardo Antonio Andreucci

14/09/2017

Os crimes contra a fé pública vêm previstos no Título X da Parte Especial do Código Penal (arts. 289 a 311-A), englobando cinco capítulos que tratam da moeda falsa, da falsidade de títulos e outros papéis públicos, da falsidade documental, de outras falsidades e, mais recentemente, das fraudes em certames de interesse público.

Majoritariamente, a doutrina brasileira considera a fé pública como o bem jurídico protegido pelo legislador ao criminalizar tais condutas apontadas como lesivas. Fé pública caracterizada como a crença, a credibilidade que as pessoas têm nas moedas, nos papéis e nos documentos.

A fé pública consiste na confiança obrigatória advinda da declaração da autoridade de que determinados atos são autênticos, autenticidade cuja verificação é imediata, mercê de seus caracteres externos.

Portanto, a fé pública é um bem jurídico imaterial e pertence ao Estado.

Mas nem sempre foi assim, principalmente entre os doutrinadores alienígenas.

No direito penal italiano a celeuma sobre a fé pública instalou-se no âmago da consideração legal dos crimes contra a fé pública, tendo em Carmignani um ferrenho opositor à tese de Carrara, então aceita pela maioria dos doutrinadores, mas que também sofreu ataques por parte de Gabba, Tuozzi, Zerboglio, Lombardi e De Marsico.

Na Alemanha, já proclamava Karl Binding que não há, na realidade, o bem jurídico fé pública: os crimes de falso devem se colocar entre os delitos contra os meios de prova e os sinais de certificação.

Entre nós, o professor Paulo José da Costa Jr. (“Curso de Direito Penal”, 12ª ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2010. p. 815) assevera que “a fé pública não deve ser considerada como objeto jurídico exclusivo dos crimes em análise. Não se falsifica para falsificar, mas para obter um resultado, que vai além da falsificação. A atividade do falsário busca atingir aquele interesse específico que é garantido pela genuinidade e pela veracidade dos meios de prova.”

No âmbito da genuinidade e da veracidade do objeto, ressalta a “imitatio veri” ou “imitatio veritatis”, que é a real semelhança entre o verdadeiro e o falso. Ora, o falso (“falsum”) é a antítese do verdadeiro, cujo conceito somente pode ser negativo. Para ilaquear a fé pública (“fides publica”, “fides pupulica” ou “fides populi”), o falso há de se assemelhar ao verdadeiro, tendo aptidão de enganar.

Daí a lapidar doutrina de Paulo: “falsum est quidquid in veritate non est sed pro veritate adseveratur” (falsidade é o que não é verdade, mas que por verdade se assevera).

Na maioria dos crimes contra a fé pública, as condutas típicas são caracterizadas por “falsificar fabricando” (contrafação) e “falsificar alterando” (modificação). Na primeira modalidade de conduta deve estar presente a “imitatio veri”. Na segunda, observa-se a “immutatio veri”, quando o objeto sofre alterações não permitidas.

No “crimen falsi”, cumpre ressaltar, a falsidade de todo inábil a causar dano, a falsidade inócua, não caracteriza crime contra a fé pública. É a chamada falsificação grosseira, que pode, eventualmente, caracterizar crime de estelionato, caso alguém seja induzido ou mantido em erro pelo agente, que obtém vantagem ilícita com o uso do rústico falso. Não caracterizando estelionato e nem crime contra a fé pública, o meio inidôneo a ofender a fé pública (falso grosseiro) caracterizará crime impossível, já que nula a falsidade por ineficácia absoluta do meio. Nesse sentido, “falsistas nulla nullum potest producere eftectum” (a falsidade nula não pode produzir efeito).


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