A (IM)POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS DOS BANCOS DE DADOS DOS INSTITUTOS DE IDENTIFICAÇÃO

17/11/2022

A questão relativa à possibilidade de exclusão de antecedentes criminais dos arquivos e bancos de dados dos institutos de identificação, geralmente vinculados à polícia civil, vem sendo debatida, há muito tempo, pela doutrina e jurisprudência pátria, sem que uma solução definitiva seja dada ao grave problema da utilização indevida dos dados referentes às pessoas protegidas pelo manto da reabilitação, da absolvição ou da extinção da punibilidade pela prescrição.

Não se ignora o fato de que a manutenção de um ou mais bancos de dados de antecedentes criminais pelos institutos de identificação dos diversos estados da federação é necessária para a comprovação de fatos e situações jurídicas de interesse público e particular, já que os registros dizem respeito à prática de delitos e correspondentes decisões judiciais, contribuindo, muitas vezes, para a investigação e para o esclarecimento da autoria de crimes.

Mas é verdade, também, que a utilização imprópria das informações compiladas, seja por meio da divulgação indevida dos antecedentes criminais arquivados, seja por meio do vazamento criminoso dos dados para pessoas ou entidades não autorizadas ao acesso, seja por meio da violação de sigilo funcional por parte de agentes públicos que mal utilizam as informações restritas, causa incontáveis transtornos à pessoa que que se viu envolvida, em algum momento de sua vida, em uma ocorrência policial, mas que já acertou as contas com a Justiça, vindo a ser tratada precipitadamente como portadora de maus antecedentes criminais e classificada negativamente em abordagens policiais e investigações da mesma natureza.

Essa problemática tem levado a inúmeros pedidos, por meio de mandado de segurança, de “habeas corpus”, de reabilitação criminal ou simples requerimento, para a exclusão dos antecedentes criminais e respectivas anotações da mesma natureza dos bancos de dados dos institutos de identificação.

É justamente aí que reside o cerne da questão ora tratada no presente artigo.

Como é cediço, o instituto da reabilitação vem tratado nos arts. 93 a 95 do Código Penal e também nos arts. 743 a 750 do Código de Processo Penal.

Reabilitação é a declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, que assegura o sigilo dos registros sobre o processo e atinge os efeitos da condenação. A reabilitação não apaga ou cancela os antecedentes criminais da pessoa, mas tão somente impõe o sigilo dessas informações.

O intuito da reabilitação é facilitar a readaptação do condenado, concedendo-se certidões dos livros do juízo ou folha de antecedentes, sem menção da condenação e permitindo o desempenho de certas atividades administrativas, políticas e civis das quais foi privado em decorrência da condenação.

A reabilitação poderá ser requerida decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar sua execução, computando-se o período de prova do “sursis” e do livramento condicional, sem revogação. Para requerer a reabilitação, o condenado deve satisfazer os requisitos previstos no art. 94 do Código Penal, instruindo seu requerimento, feito por meio de advogado, com os documentos arrolados no art. 744 do Código de Processo Penal.

Vale mencionar também o disposto no art. 202 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), segundo o qual, cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Entretanto, especificamente sobre o tema concernente à possibilidade de exclusão dos registros criminais do interessado junto aos institutos de identificação dos Estados, o tratamento conferido pelos Tribunais Superiores e pelas Cortes Estaduais é titubeante. Há inúmeros julgados, embora mais antigos, admitindo e deferindo a exclusão dos antecedentes criminais dos bancos de dados dos institutos de identificação e outros inúmeros julgados, mais recentes, vedando essa exclusão, sob o argumento da necessidade de preservação de fatos e situações jurídicas relevantes sobre a vida pregressa do envolvido.

Nesse sentido, é induvidoso o direito à preservação da privacidade e da intimidade, no que toca à divulgação de informações daquele sobre o qual recai o peso de uma condenação ou tão somente da obrigação de comparecer perante o Estado para responder a um processo criminal, mormente nos casos de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, arquivamento, absolvição ou reabilitação, não podendo nem a autoridade policial nem os serventuários da Justiça fornecer certidão ou atestado senão por força de requisição judicial.

Por consequência, é vedado e constitui patente ilegalidade o livre acesso aos terminais de identificação por agentes públicos que não o juiz criminal, visto que a Lei de Execução Penal, bem como o Código de Processo Penal, atentos à disciplina do Código Penal, fixaram o caráter sigiloso das informações penais acerca do reabilitado e daquele em favor de quem se tenha operado a extinção da punibilidade. Somente o juiz criminal, e para certos e determinados fins, é a autoridade habilitada a determinar o acesso aos antecedentes penais daqueles protegidos pelo manto da reabilitação, da absolvição ou da extinção da punibilidade pela prescrição (STJ – RMS 38920/SP – Rel. Min. Rogério Schietti Cruz – Sexta Turma – DJe 26/11/2013).

Em decisões mais recentes, de outra banda, o Superior Tribunal de Justiça vem indeferindo peremptoriamente a exclusão dos registros criminais dos assentamentos dos institutos de identificação. A conferir:  “O Superior Tribunal de Justiça já enfatizou, em sucessivas decisões, que as anotações referentes a inquéritos e ações penais, em que houve absolvição ou extinção da punibilidade, conquanto não possam ser mencionadas na folha de antecedentes criminais, nem mesmo em certidão extraída dos livros em juízo, não podem ser excluídas do banco de dados do Instituto de Identificação, porque tais registros comprovam fatos e situações jurídicas e, por essa razão, não devem ser apagados ou excluídos, observando-se que essas informações estão protegidas pelo sigilo.” (AgRg no REsp 1751708/SP – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – Sexta Turma – DJe 22/02/2019).

No mesmo sentido: “Sem perder de vista o disposto no art. 202 da Lei de Execuções Penais, a manutenção, no banco de dados do IIRGD, de informações relativas a processos criminais cujas punibilidades foram extintas é de rigor posto que, como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não possui sistema de armazenamento de dados próprio e centralizado, nos moldes do IIRGD, do qual constem informações oriundas de todo o Estado acerca de todos os processos em trâmite relacionados a determinada pessoa, a exclusão das informações implicaria na impossibilidade de sua recuperação nas hipóteses em que a lei o permite. Precedentes. O acesso a tais dados é condicionado a requerimento fundamentado dirigido ao juiz criminal, única autoridade habilitada a autorizar o acesso aos antecedentes penais daqueles protegidos pelo manto da reabilitação, da absolvição ou da extinção da punibilidade pela prescrição. Isso porque, operada a reabilitação, aparenta vício de ilegalidade o livre acesso aos terminais de identificação por agentes públicos que não o juiz criminal, visto que a Lei de Execuções Penais, bem como o Código de Processo Penal, atentos à disciplina do Código Penal, fixaram o caráter sigiloso das informações penais acerca do reabilitado e daquele em favor de quem se tenha operado a extinção da punibilidade.” (STJ - RMS 52714/SP – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – Quinta Turma – DJe 10/03/2017)

Assim, o Superior Tribunal de Justiça entende que "as informações relativas a inquérito e processo criminal (em que houve absolvição ou extinção da punibilidade) não podem ser excluídas do banco de dados do Instituto de Identificação. Isso porque tais registros comprovam fatos e situações jurídicas e, por essa razão, não devem ser apagados ou excluídos, observando-se, evidentemente, que essas informações estão protegidas pelo sigilo" (STJ, 48.053/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 1/9/2015, AgRg no RMS 45.604/SP, Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 3/6/2015, RMS 47.812/SP, Rel. Ministro Herman benjamin, DJe 5/8/2015, RMS 38.951/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 16/3/2015, AgRg no RMS 44.413/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27/2/2014 e AgRg no RMS 41.626/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12/6/2013).

A orientação, portanto, prestigiando o texto de lei, é a de que os referidos dados de antecedentes criminais não deverão ser excluídos dos arquivos dos institutos de identificação, tendo em vista a possibilidade de acesso, desde que fundamentado, pelo juiz criminal, única autoridade legitimada sobre a qual não recai o sigilo.

Caso haja vazamento indevido das informações sigilosas, em quaisquer circunstâncias (como, por exemplo, checagem de antecedentes durante abordagem policial) é imprescindível a apuração dos responsáveis e a aplicação das penalidades criminais, administrativas e cíveis que o caso ensejar, mormente pela violação do sigilo funcional, crime previsto no art. 325 do Código Penal.

O registro criminal não pode se revestir de um caráter discriminatório, devendo ser utilizado como necessária ferramenta à persecução criminal e à administração da Justiça, mas sem estigmatizar a pessoa que, no mais das vezes, se viu envolvida em isolado episódio criminal, mas que se encontra, pelo resto da vida, atormentada pelo risco do impedimento ao exercício de direitos constitucionalmente garantidos, tais como o trabalho e a livre participação em certame público de provas e títulos.

Por fim, o ideal é que haja uma completa reestruturação legal do tratamento dos antecedentes criminais no Brasil, preservando-se o sigilo, exceção feita apenas e tão somente às requisições judiciais, investigações já instauradas e em andamento e vedando-se expressamente qualquer outro tipo de acesso, inclusive por parte de agentes públicos, sob qualquer pretexto, inclusive abordagens policiais, aos bancos de dados sigilosos.

Dessa forma, pelo menos em algum aspecto, se compatibiliza a necessidade de preservação e perpetuidade dos antecedentes criminais, como preciosa ferramenta para utilização em investigações criminais e processos judiciais, com o respeito ao direito à intimidade da pessoa, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, resguardando-a de indevida estigmatização e preconceito, nocivos à sua ressocialização e reintegração ao convívio social.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lights I // Foto de: Kevin Galens // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/kevygee/4610164957/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura