A existência da “Justa Causa Esportiva” – Previsão do art. 15 do Regulamento de Transferências de Jogadores da FIFA

09/10/2016

Por Breno Novelli – 09/10/2016

Fruto dos recentes investimentos em larga escala no futebol, a situação de atletas profissionais impossibilitados de exercer suas atividades, sobretudo em mercados emergentes, como China, países árabes e do leste europeu, tem criado casos alarmantes e dignos de preocupação em toda a comunidade mundial ligada ao esporte.

Nesse contexto, é possível citar como exemplos mais recentes os atletas Diego Tardelli, Jô e Wágner, todos com passagens pela seleção brasileira, inativos desde julho/2016, haja vista que seus clubes, todos integrantes da liga de futebol chinesa, preencheram as cotas de estrangeiros permitidas pelo regulamento do país oriental e, após fechada a janela de transferências internacionais, restaram impossibilitados de atuar em qualquer outra agremiação até o final do corrente ano.

Situações como as retromencionadas podem ensejar a aplicação de um regramento jurídico ainda pouco conhecido e quase nunca utilizado, qual seja, o artigo 15 do Regulamento de Transferências de Jogadores da FIFA (Regulations on de Status and Transfer os Players). A alcunhada “Justa Causa Esportiva”, se consubstanciaria em hipótese de rescisão unilateral do contrato para o atleta que, durante a temporada, tiver participado de menos de 10% (dez por cento) das partidas oficiais em que seu clube estiver envolvido. Tal hipótese seria acionável, apenas, nos 15 (quinze) dias seguintes à última partida oficial da temporada em que a agremiação esportiva esteja vinculada.

A primeira ponderação a ser feita é acerca da abrangência do conceito de participação. Não há, no estatuto mencionado, uma definição clara se o percentual determinado seria de: 1) partidas em que o atleta seja titular da equipe; 2) tenha, efetivamente, atuado na partida, entrando ao longo do certame ou, 3) sido relacionado, integrando, apenas, a relação de suplentes. Uma interpretação teleológica da norma indicaria, em tese, que o regramento seria destinado àqueles atletas que sequer vem sendo relacionados para as partidas, visto que, da mens legis, extrai-se a preocupação em eventual impossibilidade de se exercer o ofício, algo que não se configura quando o jogador encontra-se à disposição ao longo dos jogos.

 Uma segunda análise diz respeito à casuística na aplicação do dispositivo. O próprio artigo 15 dispõe, expressamente, que a existência/configuração da justa causa esportiva deve ser estabelecida na análise caso-a-caso. Neste ponto, de logo, é possível aventar a impossibilidade de utilização por atletas suspensos ou com lesões de longa recuperação. De forma mais tortuosa, por jogadores oriundos das divisões inferiores recém integrados ao plantel e, finalizando, já com severas restrições, por goleiros reservas.

Por fim, a aplicação da justa causa esportiva poderá ensejar sanções esportivas e, ainda, o pagamento de compensações às partes.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê, especificamente no §5º do art. 28 da Lei 9.615/98, hipóteses específicas de dissolução do vínculo de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva, quais sejam:

§ 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: 

I - com o término da vigência do contrato ou o seu distrato;   

II - com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva;    

III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;     

IV - com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e    

V - com a dispensa imotivada do atleta.    

Além destas cinco possibilidades dispostas na legislação específica, necessário observar que as hipóteses de rescisão previstas na CLT também são aplicáveis ao contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. Portanto, é possível que o contrato se encerre por aplicação de justa causa ou por iniciativa do empregador.

Neste sentido, a previsão constante do Regulamento de Transferências da FIFA se amoldaria como hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho, ao passo que contempla eventualidade na qual um comportamento atribuível ao empregador força a rescisão do vínculo de emprego e, por consequência lógica, do desportivo.

O instituto em questão é de árida interpretação e aplicabilidade, todavia, em tese, pode se consubstanciar em alternativa importante e válida para o atleta profissional que se encontra impedido de desenvolver suas atividades, seja por perseguição injustificada de seu empregador (técnicos, dirigentes, etc.) ou, ainda, em decorrência de alijamento de inscrição em razão de preenchimento de vagas para estrangeiros.


Breno Novelli. Breno Novelli é Advogado Sócio do Amaral & Santos Advogados Associados, Coordenador do Núcleo Trabalhista e Contencioso Cível. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo JusPodivm. Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, Rede de Ensino LFG e Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP.


Imagem Ilustrativa do Post: Foot Control! // Foto de: TheBusyBrain // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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