A evidenciação da judicialização da política no Brasil: o que se espera do Supremo Tribunal Federal no processo de impeachment da Presidente Dilma

22/05/2016

Por Lucas Hinckel Teider - 22/05/2016

Para início de conversa, o que é a judicialização da política? Resumidamente, é quando o Poder Judiciário passa a atuar e decidir sobre questões políticas, o que não necessariamente, em primeira análise, é sua função.

Existem enormes discussões acerca deste fenômeno, desde seu conceito, suas causas e até mesmo sua verificação no mundo dos fatos. E o que estamos especificamente pesquisando agora[1] é justamente a causa deste fenômeno no Brasil.

Para uma grande parte da doutrina especializada o fenômeno da judicialização da política reside no ativismo judicial, onde o Poder Judiciário escolhe ser proativo por vontade própria, a fim de delinear a realidade política ao seu bel-prazer. Ou seja, cuidar-se-ia de uma usurpação de função, onde os juízes decidiriam sobre política até mesmo onde não deveriam, onde não necessariamente lhes fora requisitado isto.

Entretanto, sugerimos uma nova linha de pensamento: e se nós, a população em geral, ou ao menos parte dela, estivéssemos deliberadamente pedindo para o Poder Judiciário decidir sobre questões políticas? Nesta hipótese, a decisão política não seria criada pela vontade do juiz, mas estaria “embutida” no pacote de pedidos de uma causa entregue ao Poder Judiciário.

Exemplo: suponhamos que um cidadão requeira ao Poder Judiciário que certo recurso público da Prefeitura de uma cidade seja destinado a uma finalidade específica. Ora, a destinação de recursos públicos municipais é matéria sobre a qual o Poder Legislativo ou Executivo deve decidir. Muitas vezes, é uma questão política. Todavia, dita a nossa Constituição Federal que o juiz não pode se negar a decidir sobre uma causa (princípio da obrigatoriedade da prestação jurisdicional)[2]. E suponha-se que o magistrado escolha por proferir uma sentença obrigando o Prefeito desta hipotética cidade a destinar o recurso à finalidade pretendida pelo cidadão. Temos aqui uma decisão política proferida pelo Poder Judiciário, porém, “a mando” de um cidadão que interpôs uma ação.

E porque o cidadão faria isto? Ora, são várias as hipóteses que se pode defender, desde que a população encontra-se inapta para resolver seus próprios problemas e procura libertar-se da liberdade de decidir sobre seu cotidiano, transferindo a responsabilidade ao Poder Judiciário[3]; até o embasamento cultural de que historicamente temos dificuldades de dialogar com nossos representantes políticos, e por isso preferimos recorrer a outro caminho [4].

Agora, este exemplo posto acima é trivial. Imaginemos, porém, em termos e proporções maiores: e se, direta ou indiretamente pedíssemos a nossa Suprema Corte para que esta decidisse acerca do processo de impedimento da Presidente da República? De certa forma, é o que estamos fazendo, ou esperando.

Mas cuidado. Uma coisa é provocar o Supremo Tribunal Federal para que solucione uma questão pontual, jurídica, procedimental, como já foi feito várias vezes, atual e historicamente. De certa forma, isto é necessário e salutar, pois o impeachment, porquanto político e jurídico, deve obedecer os parâmetros constitucionais, e cabe ao Supremo Tribunal Federal ser o Guardião da Constituição.

Outra situação é tentar por todas as formas que os moldes da decisão sobre o impeachment seja exarada pela Corte Suprema, até mesmo sobre o mérito, ainda que de forma velada (o que reforça o posicionamento que a atuação da Suprema Corte não vem sendo ativista, mas provocada).

Estamos diante de um dos momentos mais sensíveis de nossa história. E dita nossa Constituição Federal que, enquanto também jurídico, o processo de impeachment será eminentemente político, decidido pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), como estamos acompanhando.

Porém, nestas etapas polêmicas e decisórias, onde afloram-se as ideologias dos envolvidos e o sentimento apaixonado da população, de um lado ou de outro, cada vez mais observamos que a população em geral, assim como os atores deste processo (partes e entidades envolvidas) procuram indiretamente colocar muito, senão tudo a cargo do Supremo Tribunal Federal, para que este, ainda que indiretamente, decida sobre o impeachment.

Sobram decisões liminares e em plenário que versam não apenas sobre as etapas procedimentais e questões específicas do processo, mas também, de forma mais obtusa, sobre importantes questões de mérito.

Ainda que seja de difícil (ou não tanto assim!) evidenciação a atuação do Supremo Tribunal Federal acerca de questões que não são afetas às suas funções institucionais, é de fácil verificação a expectativa das pessoas acerca da pretensa atuação desta Corte.

Espera-se ansiosamente as decisões dos(as) ministros(as) sobre os Mandados de Segurança impetrados. Comenta-se que este ou aquele ator processual do impeachment deveria tomar tal atitude perante o Supremo para dar novos contornos ao procedimento. “O Advogado Geral da União deveria fazer isso no Supremo”, “tal partido político deveria representar aquilo no Supremo”. Sabe-se (ou imputa-se sem o devido comprometimento com a veracidade) o espectro ideológico com o qual certo(a) ministro(a) está alinhado. Até mesmo, como reparamos, defende-se, ainda que jocosamente, que os ministros do Supremo Tribunal Federal sejam eleitos, já que de qualquer forma, cedo ou tarde, serão os juízes do impeachment.

Temos então evidenciada outra tangente do fenômeno: a judicialização da política em sua modalidade indireta, onde molda-se a situação para um fim. Não necessariamente se dá o veredito, mas encaminha-o. Ao mínimo, dá certa diretriz.

Como segundo exemplo de uma visível transferência de responsabilidade política temos o afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, assentado pela Suprema Corte. Nada na lei autoriza o seu suposto afastamento sem flagrante de crime inafiançável, e foi justamente o que o Supremo promoveu. Esta decisão teria de ser do mundo da política, mas acabou não sendo. Claro que, ao final das contas, no espectro cidadão, a medida foi ótima, eis que existem pouquíssimos (se é que existem) argumentos em favor do deputado afastado. Entretanto, combinemos: foi atípica, realizada por um Poder da República não necessariamente competente.

O que se espera do Poder Judiciário hoje em dia, neste momento especialmente do Supremo Tribunal Federal, são soluções. É o retrato de nossa sociedade moderna. Agora, são duas as cautelas que se deve ter: 1. delegar funções a uma instituição em detrimento da que de praxe deveria decidir; e 2., mais importante, o cuidado com a delegação (e a concentração!) de poder. O instrumento para demonstrar o desagrado com o Legislativo e o Executivo é o voto, mas qual seria este instrumento com o Poder Judiciário? E com a Suprema Corte? O poder da caneta pode ser maior que o do mandato.

Adverte-se que não estamos fazendo qualquer juízo de valor sobre a atuação do Supremo ou até mesmo do processo de impeachment, a questão não é essa, mas salienta-se: qualquer concentração de poder pode ser perigosa. Pior, pode ser irreversível. Estamos medindo as consequências de nossas atitudes?


Notas e Referências:

[1] Pesquisa em Direito Constitucional do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Tema: A RESPONSABILIDADE DO CIDADÃO COMO PRINCÍPIO ATIVO DA JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA E INDUTOR DO PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO. Pesquisador de Iniciação Científica: Lucas Hinckel Teider. Orientadora: Professora Doutora Claudia Maria Barbosa. Previsão de encerramento da pesquisa: Outubro de 2016, com apresentação em Seminário.

[2] Artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, onde encontra-se o princípio também conhecido como da vedação do non liquet: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[3] Referência de pesquisa: SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

[4] Referência de pesquisa: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995


Lucas Hinckel Teider. Lucas Hinckel Teider é acadêmico de Direito e pesquisador de Direito Constitucional da PUC-PR. Diretor do Centro Acadêmico Sobral Pinto - CASP PUC-PR (2014). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7211922273373427 . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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