A EMPRESA INDIVIDUAL (PESSOA NATURAL), A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – EIRELI (PESSOA JURÍDICA) E A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL: ASPECTOS FUNDAMENTAIS

30/01/2020

Com a opção legislativa de unificar o direito privado, o conteúdo do Codice Civile Italiano exerceu forte influência sobre o sistema jurídico-privado brasileiro, conforme já explicitamos em texto anteriormente publicado no Portal (Empório do Direito). Neste contexto, o Código Civil de 2002 passou a ter um livro específico para tratar do direito de empresa, deixando de lado a figura do comerciante justificada pela teoria dos atos de comércio, oriunda do sistema Francês.

Trata-se do Livro II do CC de 2002, em cujo Título I, encabeçado pelo artigo 966, o legislador apresenta o conceito de empresário, como sendo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, excluindo da hipótese aquele que exerce profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa, nos termos do parágrafo primeiro do mesmo dispositivo.

Como regra, então, quem exerce profissão intelectual não é empresário, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (CC, art. 966, parágrafo primeiro, segunda parte). Quanto a esta ressalva legal, a doutrina tem questionado sua eficácia, diante das dificuldades de tal caracterização, a ponto de Alfredo de Assis[1], em seus comentários ao Código Civil, concluir: “não é empresário quem exerce atividade intelectual por qualquer meio, organizadamente ou não, sob a forma organizada ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de sua produção”. O referido autor menciona que tal conclusão foi adotada pela Comissão de Direito de Empresa na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, resultando no Enunciado 193. 

É curioso que o legislador optou pela distinção inicial e marcante entre a empresa individual e a sociedade empresária, pois regulados por dispositivos autônomos, distintos e independentes. O artigo 966 trata do empresário individual, enquanto pessoa natural que faz da sua atividade uma profissão, e o artigo 981 e seguintes do CC, incorporado no Título II, trata da sociedade empresária (empresário coletivo), pessoa jurídica.[2]   

Como já mencionamos em texto anteriormente publicado, “a firma individual, assim chamada e conhecida, apesar das ressalvas quanto à expressão, não faz parte do rol do artigo 44 do Código Civil, ou seja, o empresário individual é pessoa natural (e não jurídica), que desenvolve atividades de empresa (CC, art. 966). O Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas — CNPJ, por si só, não atrai, para a espécie, a condição de pessoa jurídica[3].

Uma conclusão parcial é importante, com o objetivo de evitar confusões frequentes. Empresa individual é conceitualmente diferente de empresa individual de responsabilidade Ltda – EIRELI e ambas totalmente diferentes do MEI (microempreendedor individual).

O MEI é o pequeno empresário individual que tenha um faturamento limitado a R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais) por ano; que não participe como sócio, administrador ou titular de outra empresa e que contrate no máximo um empregado[4], cuja distinção em relação ao empresário individual, não diz respeito apenas ao faturamento, mas também em relação a limitação de atividades e ao número de obrigações acessórias.  

Percebe-se, assim, que o empresário individual (pessoa natural), diferentemente do pequeno empresário individual (MEI), pode qualificar-se como microempresa ou empresa de pequeno porte, considerando-se as variáveis do seu faturamento bruto/ano.

Nos termos do art. 3º da Lei Complementar n. 123/2006, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade LTDA e o empresário individual a que se refere o art. 966 do CC, desde que devidamente registrados no órgão público competente, são empresas enquadráveis como ME ou EPP, evidentemente, caracterizadas em escalas de faturamento bruto auferido em determinado ano-calendário e portanto, podem acessar os benefícios decorrentes de tal configuração.

Isto quer dizer que: a) caso a receita bruta anual de determinada empresa enquadrável for igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), trata-se de microempresa; b) caso a receita bruta anual de determinada empresa enquadrável for superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), trata-se de empresa de pequeno porte, nos termos da redação dada pela Lei Complementar n. 155/2016, que alterou o artigo 3º, inciso II da Lei Complementar n. 153/2006.

Lembre-se que o empresário individual é pessoa natural que exerce uma atividade economicamente organizada, ou seja, não é uma pessoa jurídica, pois não faz parte do rol taxativo do artigo 44 do Código Civil, em que pese ter CNPJ e inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (CC, art. 967).   

Ainda, a título de contribuição, a sociedade simples antes mencionada, regrada a partir do artigo 997 do CC, não assume características de uma sociedade empresária, mas pode revestir-se de outras formas constitutivas, à exceção das sociedades por ações, a exemplo da sociedade de médicos, simples quanto ao objeto, mas quanto à forma poderá adotar o modelo de sociedade limitada. Outro exemplo de sociedades simples por definição legal, contida no parágrafo único do artigo 982 do CC[5] são as cooperativas.

Falou-se da empresa individual, cuja responsabilidade do empresário, pessoa natural é ilimitada. Por outro lado, em situação substancialmente oposta é a posição da empresa individual de responsabilidade Ltda. — EIRELI, cuja caracterização está consignada no artigo 980-A do CC. A EIRELI, “capitulada como pessoa jurídica (CC, art. 44, VI), foi introduzida pela Lei n. 12.441/2011, que alterou o Código Civil, estando disciplinada no artigo 980-A. A intenção legislativa é a de evitar que o empreendedor coparticipe do risco do negócio do seu empreendimento, a partir da limitação da responsabilidade, restando evidente o objetivo de separar o patrimônio da pessoa física do patrimônio da pessoa jurídica”.[6]

Considerando-se a criação de mais esta espécie de pessoa jurídica com características societárias, mas, reconhecidamente, um novo ente personificado, cabe lembrar que a lei traz um importante obstáculo, como pressuposto fundamental, o capital mínimo de 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, totalmente integralizado no ato de constituição.

É certo que a EIRELI desafia a doutrina e a jurisprudência diante de inúmeras divergências quanto a pontos fulcrais de repercussão e consequências, tais como: capacidade para ser titular, elementos essenciais formativos do ato constitutivo, nomeação de administrador e, até mesmo, o rótulo de “empresário”.

Fabio Ulhoa Coelho assim sustenta:

Na verdade, em vista do emprego, pela lei, de conceitos exclusivos do direito societário, na disciplina da EIRELI — como ‘capital social’, ‘quotas’ e ‘modalidade societária’ — além da subsidiariedade das normas da sociedade limitada, a conclusão mais consistente é a de que ela se classifica como uma espécie de sociedade. O instituto é, portanto, o nomen juris dado, no Brasil, à sociedade limitada unipessoal.[7]

A transcrição de Fabio Ulhoa foi proposital, pois, na obra mencionada, faz menção à sociedade limitada unipessoal, como nomen juris da EIRELI.

Todavia, quer-se levantar essa questão diante da repercussão da alteração feita ao artigo 1.052 do CC, pela Lei 13.874/2019 (Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica), que instituiu a sociedade unipessoal, ao permitir que a sociedade limitada possa ser constituída por apenas 1 (uma) pessoa.

Em um primeiro momento, pode parecer que a sociedade limitada unipessoal teria decretado o fim da EIRELI, pois é possível constituir-se uma sociedade limitada (unipessoal) com capital social inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, obstáculo à escolha daquele modelo referido.

Por outro lado, como uma espécie de contrapartida e também de demonstração da higidez da EIRELI, a própria Lei 13.874/2019, que instituiu a sociedade limitada unipessoal, também acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 980-A do CC, segundo o qual somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude. Tal fato reforça a ideia de se preservar o patrimônio pessoal daquele que titulariza a EIRELI.

Já em relação à titularização da EIRELI, se por pessoa natural ou jurídica, em que pese o Código Civil não endossar o posicionamento do DREI — Departamento de Registro Empresarial e Integração — diferentemente da posição do substituído DNRC datada de 2011 (IN 117), o DREI, por meio da IN n. 38, anexo V, datada de 2017, altera o entendimento sobre o tema, contrariando, inclusive, uma boa parte da doutrina, ao permitir que uma pessoa jurídica possa ser titular de EIRELI, considerando-se que o CC não trouxe a expressão “pessoa natural”, portanto com base no princípio do “permitido, por não proibido”,  liberou-se o acesso.

Diante disso, o Manual de Registro, que serve de orientação aos demais órgãos delegados Estaduais (Juntas Comerciais), assim previu:

1.2.5 CAPACIDADE PARA SER TITULAR DE EIRELI — Pode ser titular de EIRELI, desde que não haja impedimento legal: a) O maior de 18 (dezoito) anos, brasileiro(a) ou estrangeiro(a), que estiver em pleno gozo da capacidade civil; b) O menor emancipado; · A prova da emancipação do menor deverá ser comprovada exclusivamente mediante a apresentação da certidão do registro civil, a qual deverá instruir o processo ou ser arquivada em separado. c) A pessoa jurídica nacional ou estrangeira; d) O incapaz, desde que exclusivamente para continuar a empresa, nos termos do artigo 974 do Código Civil e respeitado o disposto no item 1.2.6-A deste manual. 

Conclui-se com a percepção de que há uma evolução da inteligência legislativa e integrativa, com repercussões práticas importantes sobre a organização da atividade econômica, reconhecendo-se a preocupação e uma tendência pela desburocratização, ao menos de ordem intencional.

Avaliaram-se alguns aspectos fundamentais, que interferem na escolha do empreendedor por este ou aquele modelo de organização, o que repercute substancialmente nas novas formas de fazer negócios e nas decisões sobre as estruturas societárias das startups, por exemplo. Pois estas, além das formas inovadoras relacionadas ao poder de contratar, no seu estágio inicial preferem as sociedades limitadas, por representar a melhor relação custo-benefício para pequenos e médios empreendimentos. Adicione-se o comentário de que a escolha por esta ou aquela estrutura jurídica organizacional poderá, atualmente, recair também na sociedade limitada unipessoal, recentemente institucionalizada e na EIRELI, pelas vantagens dos critérios legais vinculados à limitação de responsabilidade.  

Ficam aqui registrados alguns aspectos fundamentais, no que se refere a traços distintivos e aproximativos desta ou daquela figura jurídica enunciativa do título, com o objetivo de contribuir com a fase evolutiva do direito empresarial, cada vez mais ancorado na velocidade com que o mercado responde aos novos empreendimentos, que, em última análise, repercutem na compensação financeira aos empreendedores, minimizando os riscos pelo esforço e pela contribuição para com o desenvolvimento do País. 

 

Notas e Referências

[1] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.78.

[2] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.77.

[3] LOPES, Larissa da Silva e ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A fiança prestada pelo titular da firma individual e pelo titular da EIRELI: cuidados e especificidades. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/a-fianca-prestada-pelo-titular-da-firma-individual-e-pelo-titular-da-eireli-cuidados-e-especificidades. 11/10/2018>. Acesso em 28/01/2020.

[4] Portal Mei Empreendedor — SEBRAE. Disponível em <  https://portalmeiempreendedor.org/registro?ref=google&gclid=EAIaIQobChMIq4fNpvmk5wIVBQWRCh3Edg6MEAAYAiAAEgJNuvD_BwE>. Acesso em 28/01/2020.

[5] NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 7.

[6] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A fiança prestada pelo titular da firma individual e pelo titular da EIRELI: cuidados e especificidades. Disponível em <

https://emporiododireito.com.br/leitura/a-fianca-prestada-pelo-titular-da-firma-individual-e-pelo-titular-da-eireli-cuidados-e-especificidades>. Acesso em 28/01/2020.

[7] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 18ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,  p. 161.

 

Imagem Ilustrativa do Post: DSC_5457.jpg // Foto de: Robert // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/rrachwal/26017459914/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura