A dúplice vulnerabilidade Geográfico - financeira no Processo Penal

20/08/2016

Por Maurilio Casas Maia - 20/08/2016

No dia 18 de agosto de 2016, a juíza de direito Patrícia Macêdo Campos (TJ-AM) reconheceu a dúplice vulnerabilidade geográfico-financeira do acusado no Processo Penal, enquanto fator desencadeador de especial atenção do magistrado para a preservação das garantias do devido processo legal, da isonomia, do contraditório e da ampla defesa dos participantes do processo.

No caso, o acusado era residente e domiciliado em estado diferente de onde é processado e – possuindo advogado constituído nos autos –, manifestou-se declarando suas dificuldades de deslocamento e a impossibilidade financeira de comparecer à audiência, bem como de custear a ida e volta de seu patrono para participação no sobredito ato processual. Ao fim de seu requerimento, o réu postulou sua oitiva por Carta Precatória.

Em sua decisão, a magistrada Patrícia Macêdo Campos fundamentou suas conclusões nos estudos acerca das vulnerabilidades impactantes no ambiente processual, nos seguintes termos: “(...) considerando assim a notícia de vulnerabilidade geográfica (réu residente em outro estado) e econômica (réu sem condições financeiras para o deslocamento para ato presencial nesta comarca), conforme doutrina extraída da obra "Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil" da prof. Fernanda Tartuce, que entendo integralmente aplicáveis ao Processo Penal neste caso (...) DEFIRO o pedido para determinar a expedição de carta precatória com vistas ao interrogatório do réu, o fazendo com amparo no Princípio da Vulnerabilidade Econômica e Geográfica do réu” (TJ-AM, 3ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus/AM, Proc. 0249503-98.2012.8.04.0001, Juíza Patrícia Macêdo Campos, j. 18/8/2016).

Nesse contexto, a utilização da Carta Precatória findou por ser apresentada enquanto instrumento para o abrandamento das consequências negativas da vulnerabilidade econômico-geográfica do réu.

Por outro lado, a juíza amazonense observou ainda que a vulnerabilidade geográfico-financeira findava por provocar a ausência do réu e seu advogado no relevante ato processual, tornando-o ainda mais vulnerável processualmente.

No referido contexto, a fim de amenizar as nocivas consequências da ausência do réu e seu advogado no ato processual por conta da vulnerabilidade noticiada, a juíza intimou o defensor público atuante junto à vara para atuação institucional no ato – sem qualquer prejuízo à representação do réu pelo advogado constituído –, fazendo-o sob a seguinte fundamentação: “Considerando-se a manifestação do réu por seu patrono constituído nos autos, no sentido de não possuir condições financeiras para deslocamento de sua comarca de residência para se fazer presente em audiência nesta Comarca, caracterizando sua vulnerabilidade econômica e geográfica (conforme obra "Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil", de Fernanda Tartuce), foi intimado defensor público atuante junto a este juízo com a finalidade de acompanhar o ato e assim garantir contraditório e ampla defesa ao acusado”.

Com efeito, a decisão judicial implicitamente visualizou na Defensoria Pública um fator institucional de amenização das vulnerabilidades processuais incidentes sobre a defesa dos vulneráveis, sendo aqui considerada a defesa um direito indisponível do réu no Processo Penal brasileiro. O decisório, porém, vai além.

Em verdade, ao intimar o defensor público vinculado à atuação junto à respectiva vara para atuação institucional, findou também por respeitar recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), datada de 4/8/2016, na qual se consolida e reforça o princípio do defensor público natural, nos seguintes termos: “(...) II - São direitos dos assistidos da Defensoria Pública (...) o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural (artigo 4º-A, IV[1], Lei Complementar nº 80/94). (...) IV - Na linha da jurisprudência do eg. Supremo Tribunal Federal e desta eg. Corte, ‘O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é nulo o processo quando há nomeação de defensor dativo em comarcas em que existe Defensoria Pública estruturada, só se admitindo a designação de advogado ad hoc para atuar no feito quando não há órgão de assistência judiciária na comarca, ou se este não está devidamente organizado na localidade, havendo desproporção entre os assistidos e os respectivos defensores. Precedente’ (HC n. 337.754/SC Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 26/11/2015). (...)” (STJ, RHC 61.848-PA, Min. Félix Fischer, j. 4/8/2016).

A decisão aqui referenciada, além de representar mais um paradigma a ser seguido na luta pela humanização do Processo Penal, tem forte valor simbólico ao expor uma fundamentação calcada no reconhecimento da dúplice vulnerabilidade do acusado, no caso, a vulnerabilidade geográfico-financeira – fator a colocar em risco o devido processo legal e a paridade de armas no Processo Penal. Ademais, a instrumentalização da Carta Precatória e da Defensoria Pública para a restauração do reequilíbrio processual decorrente dos males da vulnerabilidade processual consubstancia um valoroso expediente para a formação de um processo penal mais igualitário e democrático.


Notas e Referências:

[1] LC n. 80/1994, “Art. 4º-A.  São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos: (...) IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural;”


* Para conhecer mais sobre o tema “vulnerabilidade no Processo Penal”, clique aqui.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui.


Imagem Ilustrativa do Post: Albert V Bryan Federal District Courthouse // Foto de: Tim Evanson // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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