A desnecessidade do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência introduzido pela lei 13.641/18

19/04/2018

É inegável que a violência contra a mulher é um dos temas mais importantes da atualidade, devendo ser incansavelmente debatido e discutido pela sociedade moderna, buscando-se a conscientização acerca da necessidade de respeito incondicional à legislação pátria, mormente das regras estampadas na Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha.

É inegável também que as medidas protetivas de urgência previstas na referida lei, quando concedidas pela autoridade policial ou pela autoridade judiciária, raramente são cumpridas, demonstrando a face perversa da desordem que se instalou no País, refletida no total descaso com as determinações da autoridade pública.

Praticamente toda semana os noticiários dão conta de graves crimes cometidos contra a mulher, em situação de violência doméstica e familiar, que, não raras vezes, desembocam no feminicídio, já tipificado no art. 121, §2º, VI, e §2º-A, do Código Penal, que poderia muito bem ter sido evitado se as medidas protetivas de urgência anteriormente concedidas pela autoridade judiciária tivessem sido cumpridas efetivamente.

Nesse sentido, a Lei nº 11.340/06 estabelece, no art. 22, que, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Pois bem, recentemente fomos surpreendidos com a mais uma lei, engrossando a inflação legislativa que impera no Brasil, criando um novo crime, cujo “nomem juris” é “descumprimento de medida protetiva de urgência”, tipificando justamente a conduta de “descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência” previstas na Lei nº 11.340/06.

Ora, o descumprimento de qualquer determinação judicial, como ordem legal de funcionário público, já caracteriza o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, punido com detenção de 15 dias a 6 meses e multa.

O novo crime de “descumprimento de medida protetiva de urgência”, previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, que foi introduzido pela Lei nº 13.641/18, nada mais fez do que tipificar o que já estava tipificado, demonstrando a total desnecessidade de criação de um novo tipo penal para punir o que já poderia ser punido com a legislação penal existente.

Nem se argumente que o propósito do legislador foi retirar do âmbito do Juizado Especial Criminal (Lei nº 9.099/95) a conduta de descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência. Isso porque o art. 41 da Lei nº 11.340/06 já dispõe que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.” É evidente que o crime de desobediência (art. 330 do CP), nesse caso, não seria “praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher”, podendo, em princípio, ser processado e julgado perante o Juizado Especial Criminal. Ocorre que esse raciocínio seria correto se não houvesse o instituto da conexão, previsto no art. 76 do Código de Processo Penal. Sendo o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, conexo com o crime praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, que ensejou a concessão de medidas protetivas de urgência, também ele estaria excluído do âmbito de incidência da Lei nº 9.099/95, não podendo ser processado e julgado perante o Juizado Especial Criminal.

Ademais, em caso de descumprimento de medidas protetivas de urgência, poderia o juiz determinar a prisão preventiva do agressor, dando eficácia às medidas concedidas, o que é perfeitamente admissível por força do disposto no art. 313, III, do Código de Processo Penal, que diz:

“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:  (...)

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (grifo nosso)

Portanto, descumprindo o agressor a medida protetiva de urgência deferida pelo juiz, poderia muito bem ser processado pelo crime de desobediência (art. 330 do CP) e ter a prisão preventiva decretada (art. 313, III, CPP), sendo absolutamente desnecessária a criação de mais um tipo penal, de duvidosa eficácia, que, embora apresente um aspecto preventivo puramente simbólico, dificilmente trará efetiva punição ao agressor desobediente, contribuindo, ainda mais, para a sensação de impunidade que assola o País.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Woman // Foto de: Blondinrikard Fröberg // Sem alterações

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