Por Valter Guerreiro - 25/03/2016
I. Problematização
A delação no processo penal é, sem dúvidas, um dos institutos jurídicos mais evidentes na atualidade. Talvez, a denominada Operação Lava Jato nem seja um marco para a utilização equivocada do instituto, mas serve como referência para as críticas que aqui se seguem. Outrossim, cabe registrar que a explanação do conteúdo será feita de forma abrangente e sucinta, sem a pretensão de esgotamento do tema, visto como polêmico e bastante criticado pelos professores de processo penal no Brasil.
A delação é utilizada como um meio probatório, valorando a confissão do delator, estando este também na condição de culpado, mas por admitir colaborar com a persecução penal, na lógica estatal, recebe benefícios, o que finda por gerar uma série de conflitos, tanto legalmente, como extrajudiciais. É importante atentar para a admissão de prática criminosa, porém com a redução da pena criminal, no intuito de destituir mais efetivamente a estrutura criminosa montada, normalmente, em casos envolvendo crime organizado.
Sim, meus caros! Trata-se do conhecido dedo duro mesmo. Inclusive, existem vários advogados que não aceitam fazer esse tipo de negociação, ao acometimento de termos verdadeiros especialistas no assunto e, portanto, nas tratativas. Também acontece muito de o advogado achar que dá para fazer uma defesa sem a utilização da delação e depois voltar atrás, como no caso do senador Delcídio Amaral, quando o seu advogado, Antônio Figueiredo Bastos, expressou que não faria uso da delação, todavia todos nós vimos no que deu, né?
II. O mau uso no Brasil
O problema é quando essa delação não é usada da forma correta, ou seja, de modo voluntário. O Estado não pode fazer com que tal instituto jurídico-penal se transforme no símbolo da Nova Inquisição, como se fosse uma espécie de tortura. Funciona, basicamente, com o apoio das prisões preventivas, que são expedidas para forçar os réus a contarem o que sabem. Desta forma, atinge-se o objetivo da delação por parte do Estado, mas na ótica de garantias fundamentais do acusado, observamos desconformidade com o Estado Democrático de Direito.
Parece-me que isso exterioriza um modelo de extorsão. É a persecução penal extorquindo os indivíduos no intuito de obter declarações valiosas para a investigação. A prisão temporária ou preventiva não pode ser usada dessa forma, pois, assim, os institutos jurídicos estão sendo descaracterizados. O caso do ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez exemplifica o que digo. O cara deixou a prisão após fechar acordo de delação premiada. Usaram do encarceramento, de maneira inquisitorial, para obter informações. Isso é abominável.
Basta olharmos para essa operação Lava Jato, que vamos perceber o quanto está montado um verdadeiro circo dos horrores. É a mais vil espetacularização do processo penal. Sentimos como a máxima expressão da criminologia midiática. Significa como não fazer no processo penal.
III. A lógica da delação nos EUA
Ainda sentimos os efeitos da crise econômica que teve seu estopim em 2008 (subprimes). E durante os anos posteriores a essa crise, a delação foi muito importante, sobretudo nos EUA, para alcançar a centralidade dos crimes financeiros cometidos. Na verdade, o que houve foi que deram mais envergadura para o Estado sancionar as pessoas de várias formas. Uma forma emblemática foi através da Dodd-Frank Act, uma lei que aumentou o poder da SEC (Securities and Exchange Commission). O que acontece é o seguinte: essa legislação permite que o Estado pague altas recompensas para quem entregar algum esquema dentro do mercado financeiro, com a justificativa de que isso seria benéfico, numa visão geral, para a própria nação norte-americana. Portanto, essa regulamentação financeira autoriza premiações em torno das chamadas delações premiadas, aonde os delatores entram como uma espécie de ação civil para conseguir recuperar os fundos públicos desviados.
IV. Finalizando
O que estamos presenciando é um verdadeiro desafio ante ao Estado Democrático de Direito. O clamor social por mais punitivismo não pode justificar a quebra de direitos e garantias fundamentais, amplamente previstos na própria Constituição Federal do Brasil. Reagir contra isso é dever dos juristas e da sociedade civil como um todo. Se a corrupção é o mote das atuais manifestações, lutemos contra ela no processo penal. Os institutos jurídicos são expressos e têm suas essências principiológicas. Então, nada mais digno e coerente do que esbravejarmos quando vemos violações de direitos. É a tal da injustiça extrema de Gustav Radbruch. Para Robert Alexy, isso ocorre quando se viola um direito humano, portanto, consecutivamente, não deve ser entendido como um direito. A delação premiada é um bom exemplo disso na prática. Um direito sendo transfigurado para uma lógica de perversão estatal, simbolizada numa frase: os fins justificam os meios.
. . Valter Guerreiro é acadêmico de Direito da Escola de Direito da FA7 e estagiário profissional do Gomes Pinheiro Advogados S/S. . .
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