A culpa é das Jabulanis? Quando os julgamentos demoram, a presunção de inocência do brasileiro deve pagar a conta? O caso do PLS n. 402/2015

12/09/2015

Por Maurilio Casas Maia - 12/09/2015

A pergunta é: os julgamentos devem ser tempestivos ou a pena deve ser antecipada para compensar a morosidade sistêmica ou ativa[1] do Poder Judiciário Brasileiro? A fim de tratar academicamente do tema envolvendo o PLS n. 402/2015[2], é imperioso antes falar da velha bola “Jabulani”...

Quem acompanhou a Copa de 2010 vai lembrar: iniciaram-se os treinamentos e as seleções já antecipavam “desculpas” para eventual derrota: a bola assombrada “Jabulani”. Sim, a bola – parte intrínseca e necessária dos jogos de futebol –, subverteu a lógica figurando como centro das atenções e passou a ser apontada como a grande vilã da Copa, chegando a ser chamada de “sobrenatural”.

Incrível, não? A ausência de treino e o pouco contato com a dinâmica da bola – o problema real a ser neutralizado –, ficava esquecido frente ao temor daquele ser (quase) vivo que era “Jabulani”.

Algo semelhante ocorre agora nos argumentos favoráveis à antecipação da pena para momento anterior ao trânsito em julgado: As garantias constitucionais do devido processo legal, os “recursos” e a “presunção de inocência” são a “Jabulani” da ocasião, as vilãs eleitas, cuja derrota permitirá à pressa punitiva contornar o caminho devido processo legal e atalhar por inconstitucionais veredas punitivas.

No fundo – todos sabem –, o problema não é a “Jabulani processual”.

Quem passa por uma crise é o Poder Judiciário brasileiro: necessita-se de mais servidores, de mais juízes e de mais equipamentos para que a tutela jurisdicional seja efetivada no tempo escorreito (LXXVIII, art. 5º, CRFB/88) – eis o verdadeiro problema. Por outro passo, a própria mentalidade dos chamados “operadores do direito” pode carecer de renovação para viabilizar a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável. Esses são os pontos a serem estudados.

Entretanto, o PLS n. 402/2015 disfarçadamente (ou não) busca amenizar a questão da pouca estrutura judiciária – mormente do STF e do STJ –, frente à grande demanda, impingindo às regras do devido processo legal constitucional (presunção de inocência e recursos) a pecha de falaciosa de “problemas da nação”. E assim, para o PLS n. 402/2015, a Constituição virou o problema... Garantias conquistadas a duras penas na história da humanidade podem agora se perder por conta da “pressa em punir”...

Em audiência pública no Senado Federal (9/9/2015), a pressa de punir e a crucificação do constitucional direito ao recurso e da “segunda vertente da presunção de inocência” estavam o eixo da defesa do PLS n. 402/2015. O juiz e professor Sérgio Moro sustentou que a presunção de inocência teria duas vertentes, uma delas seria (I) a exigência de prova categórica para condenar e (II) a outra seria relacionada à excepcionalidade da prisão antes do trânsito em julgado – nessa segunda admitiu maior relativização. Moro afirmou que o maior problema do sistema seria “o grande número de recursos do sistema processual penal” (“prodigalidade recursal”) e a compreensão de que “a execução da pena somente poderia ocorrer a partir do trânsito em julgado”.

Então, o problema do futebol é a bola? A culpa é (foi) das Jabulanis?

Em verdade, a Constituição (e seu sistema de garantias) não pode pagar a conta das dificuldades que o Judiciário possui em ofertar uma rápida resposta à Sociedade. Muito menos, uma lei poderá macular o devido processo legal para aniquilar a má-fé das partes do processo.

O problema é o uso protelatório dos recursos? Pois bem, então que se dê efetividade às multas punitivas por litigância de má-fé e às representações nos respectivos órgãos de controle.

O problema é a demora em finalizar o julgamento? Estruturemos todas as esferas do Judiciário para trabalhar da maneira devida.

A pressa em punir vem fazendo suas vítimas (e muitas) – mas, infelizmente, essas não são a ponta do Iceberg vista pela sociedade brasileira. A vontade de dar uma “resposta célere” à Sociedade pode custar caro – custar a vida, a saúde e a integridade do povo brasileiro. Então, por favor, respeite-se a Constituição acima de qualquer sanha apressada e encarceradora.

Alguém, por favor, lembre a quem apoia o PLS n. 402/2015: a Constituição não veio a passeio (ou, ao menos, não deveria...).


Notas e Referências:

[1] Para Boaventura de Souza Santos, “morosidade sistêmica é aquele que decorre da burocracia, do positivismo e do legalismo” e “morosidade activa” seria relacionada diretamente ao “engavetamento” propositado de processos. No presente texto, inclui-se na morosidade sistêmica a falta de aparelhamento do Poder Judiciário para fazer frente às demandas e exigências do devido processo legal. Vide: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da Justiça. 2ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2008, p. 42-43.

[2] Eis a explicação oficial da Ementa: “Altera o Código de Processo Penal para viabilizar a decretação da prisão para crimes graves a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeito a recurso, revogar o §4º no art. 600 do Código de Processo Penal, que permite ao Apelante apresentar suas razões de apelação diretamente na instância recursal, reduzir o cabimento dos embargos infringentes e possibilitar a imposição de multa pela interposição de embargos de declaração protelatórios.”


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui 

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Imagem Ilustrativa do Post: Flying Jabulani Ball // Foto de: 2010 World Cup - Shine 2010 // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/shine2010/4165276375 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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