A autora Denise Goulart Schlickmann, em entrevista, fala sobre a obra "Financiamento de Campanhas Eleitorais"

30/07/2016

Por Redação - 30/07/2016

Quais as inovações normativas que terão maior repercussão nas eleições municipais de 2016?

As inovações são muitas e bastante complexas, mas aquelas que terão maior impacto nas eleições municipais de 2016, ao meu sentir, são a fixação legal do limite de gastos, a prestação de contas on line, a proibição das doações de pessoas jurídicas e a prestação de contas simplificada.

Como foram estabelecidos os limites de gastos para as próximas eleições?

Para as eleições municipais de 2016, a reforma eleitoral alterou profundamente as normas que vigoram para a fixação do limite de gastos e passou a dispor que tais limites seriam definidos a cada eleição pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo por fundamento os parâmetros por ela fixados.

Considerando a inoperância do art. 17-A da Lei das Eleições, revogado pela reforma eleitoral, que previa a edição de lei específica para essa finalidade a cada eleição (o que nunca ocorreu), sem dúvida a alteração operada neste dispositivo pareceu, a princípio, alvissareira, pois atribui à Justiça Eleitoral – que recebe e julga todas as contas de campanha eleitoral e que possui meios para estimar custos das eleições e suas campanhas – a tarefa de fixar tais limites. Com esse propósito, remete a parâmetros definidos em lei, o que a reforma faz no corpo do próprio projeto de lei que aprova as alterações da Lei das Eleições, da Lei dos Partidos Políticos e do Código Eleitoral. Nesse sentido, a alteração normativa pareceu positiva para o processo eleitoral. Já os parâmetros fixados apresentam problemas de concepção.

A objetividade dos critérios é positiva. Porém, observa-se que o parâmetro aplicado é o de percentual relativo ao maior gasto declarado para o cargo nas eleições havidas para o mesmo cargo imediatamente anterior à promulgação da Lei. E tais limites de gastos foram fixados pelos partidos políticos sem parâmetros objetivos (às vezes estratosfericamente, às vezes inexequíveis).

Não há, também, parâmetros objetivos que tenham sido observados para diferenciar magnitude de campanhas ou de cargos, sendo possível que, em uma mesma circunscrição, o limite de gastos para vereador seja superior ao de prefeito (consoante estatísticas apuradas pelo Tribunal Superior Eleitoral).

Assim, vê-se que, em que pese a intenção da norma de firmar objetivamente os critérios, estes não estão fundados em parâmetros confiáveis, nem foram firmados com referência em custos de campanha eleitoral, pelo que produzirão critérios distorcidos, a serem perpetuados nas eleições vindouras, eis que objeto de mera atualização monetária.

À Justiça Eleitoral incumbirá apenas apurá-los e dar a necessária publicidade.

Haverá maior publicidade e transparência nas eleições municipais?

A Justiça Eleitoral regulamentou as informações financeiras a serem encaminhadas em até 72 horas do recebimento de doações quanto à prestação de contas parcial propriamente dita, o que, sem dúvida, conferirá ampla publicidade ao financiamento das campanhas eleitorais.

Na verdade, tratam ambas as informações, de verdadeiras prestações de contas parciais. A ênfase dos denominados relatórios financeiros é de fato em relação ao recebimento financeiro de recursos. E aqui há que se ressaltar que não se trata de prestação de contas parcial a cada 72 horas, mas em até 72 horas de cada recebimento. Ou seja, dependendo do volume e da frequência de recursos financeiros ingressando na campanha, pode caracterizar-se a obrigatoriedade de informar à Justiça Eleitoral diariamente o recebimento de recursos.

Ambas as entregas se dão exclusivamente por meio eletrônico e utilizando-se do Sistema de Prestação de Contas de Campanha Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral divulgará não apenas doações mas também gastos eleitorais até o momento realizados. São implementados para as eleições municipais de 2016 importantes elementos de transparência ao financiamento e gastos eleitorais de campanha, hábeis não apenas à divulgação quase que em tempo real do financiamento das campanhas, mas também ao controle concomitante de sua regularidade, que pode e deve ser exercido pela Justiça Eleitoral e por todos quantos, conhecedores do processo, detenham meios de agregar informações que inibam a arrecadação de recursos ilícitos ou o desvio de recursos.

Como ficará o financiamento das contas eleitorais com a proibição de doações de pessoas jurídicas?

O impedimento das doações de pessoas jurídicas teve origem na ADI 4650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos que amparavam o financiamento, por pessoas jurídicas, das campanhas eleitorais.

Assim, com fundamento na proibição constitucional das doações de pessoas jurídicas, a permissão de recebimento de doações passa a ser apenas de pessoas físicas. Esta modificação não altera o modelo de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, que permanece sendo misto, ou seja, parcialmente público, mediante o ingresso de recursos públicos que constituem o Fundo Partidário, e parcialmente privado. Contudo, afeta substancialmente a composição da parcela de recursos de origem privada. Em 2014, a participação de doações de pessoas jurídicas no financiamento das campanhas eleitorais foi de 86,8%, conforme informações obtidas diretamente do Tribunal Superior Eleitoral. É evidente e substancial, pois, até as eleições de 2014, a maciça participação dos recursos provenientes de pessoas jurídicas para o financiamento de campanhas.

Não há dúvidas de que, para além dos judiciosos argumentos jurídicos aduzidos no acórdão, o contexto político e, por que não dizer?, derivado da apuração de inúmeros e fragorosos ilícitos diretamente relacionados ao financiamento de campanhas eleitorais por empresas no Brasil e sua estreita e espúria relação com o Poder Público, cuja consequência desbordou em escândalos de corrupção tidos como os maiores da história política brasileira, influenciou profundamente o decisum superior.

É como se o banimento do mundo jurídico do que se julgou ser a principal causa de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva fosse determinante para banir os ilícitos em si.

Mas foi justamente o disciplinamento das doações de pessoas jurídicas, a definição das vedações de fonte e a imposição de limites, insculpida na Lei 8.713/1993, que trouxe tais doações à tona e permitiu que a Justiça Eleitoral e uma verdadeira e moderna rede de controles – em evolução e eficazes, fruto do compartilhamento de informações entre os mais diversos órgãos da administração pública – pudesse ser contruída para coibir abusos e responsabilizar aqueles que infringissem as regras de igualdade que fundamentam a disputa eleitoral. E mais; com a evolução verificada a partir das eleições de 2010, coibindo-se progressiva e substancialmente o financiamento por doações ocultas, pôde-se vincular com precisão eventuais origens ilícitas de recursos e respectivos beneficiários, viabilizando a sanção de condutas indevidas, no intuito de expurgá-las do processo eleitoral.

O banimento das pessoas jurídicas do processo de financiamento da contas eleitorais não impõe automaticamente o fim de financiamento dessa natureza, mas o coloca à margem dos mais modernos mecanismos de fiscalização e controle de que hoje dispõe a Justiça Eleitoral. Impede, ao fim e ao cabo, que se faça a vinculação entre o financiador ilícito e indireto das campanhas – que poderá agora estar completamente relegado às sombras – e seus beneficiários, dificultando em muito a sua eventual responsabilização. Se extrema e negativamente impactantes os processos de apuração de financiamento ilícito de campanhas eleitorais, a macular os processos eleitorais a que se vinculam, é por esses mesmos processos que as instituições exercem o poder-dever de garantir a legitimidade dos pleitos, afastando a influência maléfica do financiamento ilícito. Vale dizer: conhecer a irregularidade não é um mal em si. O mal está em praticá-la.

As eleições municipais de 2016 revelam, pois, marco histórico de financiamento fundado essencialmente em recursos próprios (de candidatos e de partidos políticos), provenientes do Fundo Partidário e de doações de pessoas físicas, em modelo culturalmente distinto daquele até então praticado no Brasil.

Como funcionará a prestação de contas simplificada nas próximas eleições?

A lei instituiu a prestação de contas simplificada e o primeiro aspecto a ser considerado diz respeito aos critérios que permitem a aplicação da modalidade simplificada de prestação de contas. A norma cuidou de alicerçar a aplicação em dois parâmetros:

  • eleitorado;
  • valor da movimentação financeira na campanha eleitoral.

Em todos os Municípios onde houver menos de cinquenta mil eleitores, a modalidade é aplicável, independentemente do valor da movimentação financeira havida. Se a movimentação financeira havida for de, no máximo, R$ 20.000,00, a prestação de contas simplificada também é aplicável, independentemente do número de eleitores.

Como se viu, a lei prevê – além do critério do montante envolvido nas contas – que, em eleições municipais, quaisquer que sejam os valores envolvidos, desde que o Município tenha menos de 50 mil eleitores, a prestação de contas seja sempre simplificada. Aqui a inserção é extremamente negativa, pois generaliza o que pretende de simplificação para a maciça maioria dos municípios do Brasil (aproximadamente 92%).

Corre-se o risco – a levar-se a efeito uma prestação de contas por demais simplificada – de restar fragilizado o exame do financiamento de contas de campanha eleitoral de grande importância: contas de prefeitos eleitos de todos os municípios brasileiros, gestores por excelência dos recursos municipais, cargo de importância e elevado impacto social.

Não há, contudo, como simplificar com efetividade a prestação em si das informações, já que, sem o detalhamento das receitas recebidas e das despesas realizadas, não há como efetivamente exercer-se o controle ou manifestar-se a Justiça Eleitoral de forma mais efetiva em relação à regularidade das informações.

O que pode e deve ser feito – e assim a matéria foi regulamentada pela Resolução TSE 23.463/2015 – é a simplificação do exame de determinadas contas, a partir de parâmetros previamente estabelecidos. É sabido que em eleições municipais, notadamente em relação às campanhas eleitorais de candidatos a vereador em municípios muito pequenos, os recursos resumem-se àqueles de origem própria e estimáveis em dinheiro.

Certamente, nessas condições, não há necessidade/utilidade de procedimentos de exame complexos que envolvam procedimentos detalhados e manuais, podendo-se prestar a jurisdição de forma ainda mais ágil e simples, direcionando-se os escassos recursos humanos de que dispõe a Justiça Eleitoral para fazer frente a esta competência para contas mais complexas e de maior magnitude, ou seja: otimizando os recursos disponíveis para alcançar resultados mais efetivos.

Mas essa simplificação, reforça-se, precisa estar no âmbito do exame das contas e não no âmbito da prestação em si, pois, apenas diante de informações completas, é possível realizar exame consistente e confiável.

Veja-se: todas as informações relativas à arrecadação de recursos e gastos eleitorais devem ser prestadas no Sistema de Prestação de Contas de Campanha Eleitoral. É quanto aos documentos que instruem a prestação de contas, que reside a simplificação na forma de prestar as contas. Enquanto na prestação de contas completa todo o rol de documentos estabelecido na Resolução TSE 23.463/2015, na prestação de contas simplificada o rol de documentos foi reduzido.

Primeiro aspecto a ser observado, no que tange ao exame técnico das contas simplificadas, é que este é, por essência, informatizado, ou seja: não há espaço, de regra, para a realização de exames manuais complexos, pois o objetivo é justamente a simplificação dos procedimentos. Vale dizer: se necessária a obtenção de informações adicionais, de provas documentais ou de exames mais aprofundados, as contas devem ser examinadas no seu aspecto completo e não simplificado, o que deve ser objeto de proposição pela própria unidade técnica que examina as contas à autoridade judicial.

Contudo, ainda que o exame seja, por essência, informatizado, deve ser capaz de contemplar os aspectos essenciais à análise de regularidade das contas.


A obra está disponível para venda aqui.


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