Por Matheus Martins Moitinho – 09/07/2016
A Constituição Federal de 1988, na redação do seu art. 129, I, fez a expressa opção por um modelo de processo criminal fincado em raízes acusatórias, conferindo ao Ministério Público a exclusividade para o oferecimento de ação penal pública. A partir dessa clara opção, diversos dispositivos do antiquado, porém ainda vigente, Código de Processo Penal Brasileiro não foram recepcionados pela ordem constitucional inaugurada no dia 5 de outubro de 1988, dentre eles, por exemplo, o art. 26 do mencionado diploma, no qual se prevê uma espécie de processo penal de natureza judicialiforme, o qual poderia ser iniciado por mera portaria da autoridade judiciária em matéria de contravenções penais (NUCCI, 2014, p. 154-155).
Atento a isso, o legislador ordinário, embora tenha assim procedido de maneira tardia, registre-se, reformou no ano de 2008 a parte relacionada aos procedimentos elencados no Código de Processo Penal Brasileiro, tendo sido alterada substancialmente a disciplina relacionada a audiência de instrução e julgamento prevista no art. 400 e seguintes do CPPB. Visou-se com isso conformar o sistema acusatório firmado pela CF/88, até porque o Código de Processo Penal Brasileiro tem a sua origem no sombrio ano de 1941, em pleno período de Ditadura Varguista do Estado Novo, no qual buscou-se inspiração em nada democráticas passagens do Código Rocco, de nítido alinhamento com a ideologia fascista dominante na Itália no período.
Através das mudanças operadas pela Lei nº 11.719/08, finalmente incorporou-se a ideia de que o ato de interrogatório é um ato de defesa do Acusado, bem como rompeu-se com o sistema presidencialista de inquirição, no qual o Juiz atuava como uma espécie de interlocutor, emissário ou porta-voz das perguntas endereçadas pelo órgão acusatório e pela defesa do Acusado quanto às testemunhas. Além disso, avançou-se, corretamente, no sentido de que a ordem de oitiva das testemunhas deve inicialmente partir pela formulação direta de perguntas às testemunhas arroladas pelo órgão acusatório, seguindo-se pela realização das perguntas relacionadas às testemunhas arroladas pela defesa, reduzindo o poder do Magistrado quanto a gestão da prova no processo criminal.
Embora louvável a postura do legislador ordinário em proceder com as reformas aludidas, é sabido que muitas Comarcas pelo Brasil afora convivem com um seríssimo problema de índole estrutural, qual seja, o fato de não se ter a presença do Ministério Público na Comarca, em que pese exista Juiz Titular na unidade judiciária, ou vice-versa. É certo que a autonomia administrativa conferida ao Ministério Público na redação do art. 127, § 2º, CF/88 lhe permite lotar e movimentar os seus membros a luz do seu planejamento estratégico, não servindo o presente ensaio como documento que visa questionar tal garantia institucional. Porém, as opções de política gerencial de qualquer órgão que faça parte do sistema judicial possuem seus reflexos e devem sofrer também as conseqüências processuais que lhes são pertinentes.
A ausência de membro do Ministério Público no ato de audiência, embora intimado para tal, mas sem apresentar justificativa plausível, acaba por empenar o tripé do cenário da Justiça Criminal – Defesa, Acusação, Magistrado. Um dos seus pilares é afetado, o que tem contribuído ora para o surgimento de um cenário de sucessivas remarcações de audiências de instrução e julgamento – gerando sensação de impunidade à população, sobretudo à vítima, e até mesmo de frustração para o Acusado, já que a duração razoável do processo é um direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, CF/88) – ora descambando para situações em que o Magistrado, visando muitas vezes conferir celeridade ao processo, acaba por se arvorar da condição de gestor da prova em Juízo, na tentativa de suprir a ausência do membro do Ministério Público ao ato de audiência, formulando perguntas próprias do órgão acusatório.
Com o devido respeito a quem incida numa ou noutra situação descrita acima, sendo que a última conta com o beneplácito da jurisprudência mais atual do e. STJ (vide Recurso Especial nº 1348978) este Magistrado entende que ambas são igualmente abomináveis dentro de um processo penal que se propõe ser garantista. Nem se pode desnaturar a imposição de realização da audiência única de instrução e julgamento (art. 400 c/c 403, CPPB), já que a segmentação da audiência é justificada pela presença de complexidade da causa e não pela ausência do órgão acusatório ao ato de audiência, nem se pode admitir que o juiz, no afã de dar uma satisfação à sociedade, se arvore da condição de sujeito postulatório na audiência, formulando perguntas às testemunhas arroladas pelo Ministério Público como se houvesse alguma autorização legal para isso.
Consoante se infere dos art. 400 c/c 403, CPPB, o ato de audiência de instrução será uno, concentrado, por regra, donde se procederá com a tomada das declarações do ofendido, seguindo-se pela oitiva das testemunhas arroladas na denúncia e na resposta à acusação, sendo finalizada pela realização do interrogatório do Acusado. Após a finalização da fase de produção probatória, caso não haja diligências a se cumprir, imediatamente o Magistrado deve abrir a palavra ao Ministério Público e a defesa do Acusado, para que ambos, de forma oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, apresentem as suas alegações finais orais. Ao final, deverá o Magistrado proferir sentença no ato de audiência.
Muitas vezes se observa que ao final do ato de audiência de instrução, por exemplo, o Ministério Público formula pedido de cumprimento de diligência no sentido de que seja enviado aos autos o laudo pericial relacionado ao fato. Ocorre que o Ministério Público possui como uma das suas atribuições o controle externo da polícia, sendo certo que a atividade de perícia forense é exercida pela Polícia Federal ou Polícia Civil Estadual, sendo documento plenamente acessível ao órgão acusatório também por meio do poder de requisição que a Constituição Federal lhe outorga na redação do art. 129, VI. Assim, não há porque ser deferido pedido dessa natureza, prejudicando-se o prosseguimento da marcha processual.
Privilegiou-se o princípio da oralidade processual, afastando-se da opção inquisitorial do excessivo uso das formas escritas. Somente em situações em que se verifique a complexidade do caso é que o Magistrado pode determinar a intimação das partes para que apresentem alegações finais em forma de memoriais, no prazo de 05 (cinco) dias, sendo que terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir sentença, conforme dispõe o art. 403, § 3º, do CPP.
Assim, não se enquadrando o caso em situação de complexidade, a postura de não se prosseguir com a fase de debates na própria audiência, por ausência injustificada do membro do Ministério Público, constitui-se como sério desfalque ao direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88), na medida em que tal expediente é tomado em decorrência de evidente falha estrutural do Estado em não dotar a localidade de membro do Ministério Público oficiante ou, quando até mesmo existente, não foi demonstrada a justificativa para a sua ausência.
Daí surgiria a pergunta: “e como prosseguir com o ato de audiência sem que o membro do Ministério Público esteja presente?”. A resposta seguirá abaixo, visando imprimir uma linha de coerência no raciocínio ora exposto.
No que se refere à situação de o Magistrado formular perguntas de natureza suplementar, visando suprir a ausência do Ministério Público no ato de audiência, postura dessa natureza parece ser ainda mais comprometedora do sistema acusatório, recaindo-se em perigoso terreno de retorno (ou manutenção, para alguns) ao sistema inquisitorial. É que, em linhas mais coloquiais, não dá para querer cobrar o escanteio e cabecear em direção ao gol. A analogia é válida em tema de processo penal.
A reforma operada pela Lei nº 11.719/08 demonstrou claramente o intento do legislador ordinário em conferir um afastamento do Magistrado quanto à gestão a prova, conferindo às partes este importante papel no cenário processual. Isso porque, o perigo existente no fato de o Magistrado manter uma postura de proatividade na produção da prova é que o mesmo pode ser seduzido pelo “canto da sereia” - em alusão à fábula da Odisseia – recaindo naquilo que se tem nominado como “quadro mental paranóico”, donde se busca a todo o custo confirmar uma hipótese representada no intelecto, passando ao largo de outros elementos que poderiam infirmar a conclusão previamente obtida. Sobre o tema, assim ensina Aury Lopes Jr.:
“Atribuir poderes instrutórios a um juiz – em qualquer fase – é um grave erro, que acarreta a destruição completa do processo penal democrático. Ensina CORDERO que tal atribuição (de poderes instrutórios) conduz ao primato dell'ipotesi sui fatti, gerador de quadri mentali paranoidi. Isso significa que se opera um primado (prevalência) das hipóteses sobre os fatos, porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide (definição da hipótese) e depois vai atrás dos fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade já foi tomada). O juiz, nesse cenário, passa a fazer quadros mentais paranoicos.”. (LOPES JR., 2014, p. 111)
Talvez uma sutileza não tenha sido percebida por quem insista em atuar de maneira proativa quando da ausência do Ministério Público: o art. 212, parágrafo único, do Código de Processo Penal Brasileiro somente autoriza que o Magistrado faça perguntas de natureza complementar e sobre aspectos não esclarecidos quanto ao depoimento/oitiva da testemunha.
Não se pode tentar alargar pela via interpretativa o significado do vocábulo “complementar” figurante da redação do dispositivo supra-mencionado. Ora, só se complementa aquilo que existe fenomenologicamente. Do contrário, caso não haja exista, o que se tem é atividade suplementar, visando suprir determina omissão.
A partir do momento em que o Juiz, ao notar a ausência do Ministério Público, procede à formulação de inúmeras perguntas fora do quanto foi questionado até então no ato de audiência (valendo lembrar que o Magistrado só pergunta ao final, quando da oitiva de testemunhas), adentra-se no perigoso terreno da inquisitoriedade, arvorando-se o Magistrado de atribuição conferida ao membro do Ministério Público, retornando ao sistema presidencialista abandonado pelo advento da Lei nº 11.719/08. No entender deste Magistrado, está violada a imparcialidade tão cara ao processo penal brasileiro, sendo vício de nulidade absoluta e, portanto, insanável.
Atento a isso é que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por diversas vezes, entendeu pela ausência de nulidade processual quando realizada audiência de instrução com o membro do MP ausente, desde que o Magistrado não aja de modo a suplementar a atuação do “Parquet” no ato, pedindo-se a devida venia para colacionar ementa representativa de referido entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DEFENSIVO. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PRELIMINARES DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇAO E OFENSA AO ARTIGO 212 DO CPP. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA OU ATIPICIDADE DA CONDUTA, REDUÇÃO DA PENA-BASE E SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SEGUNDO GRAU. O prazo para interpor o recurso é contado a partir da última intimação à defesa e ao réu. Caso em que o recurso foi protocolado dentro do prazo. Preliminar ministerial de não conhecimento que vai rejeitada, conhecendo-se do recurso. Não resta dúvida de que a ausência do Promotor de Justiça na audiência gera grave distorção no processo, que se transforma em inquisitório, uma relação linear entre juiz e réu. Todavia, no caso concreto, a Magistrada deixou de fazer perguntas, sem suplementar a ausência do Ministério Público, passando a palavra à defesa para formular suas perguntas. Ausência de prejuízo. Arguição de nulidade rejeitada. As nulidades sanáveis devem ser arguidas na primeira oportunidade que surgem, sob pena de sanação. No caso de suposta violação ao artigo 212 do CPP, considerando o disposto no artigo 571 do mesmo diploma e sua adaptação possível ao novo rito, essa oportunidade é a própria audiência de instrução. No caso concreto não houve impugnação à atipia formal no momento oportuno. Arguição de nulidade também rejeitada. Relato da ofendida que é corroborado por testemunha de visu, sendo merecedora de crédito. Prova suficiente para manutenção da condenação, nos moldes proclamados pela sentença. Reexame das moduladoras do art. 59 do Código Penal que resulta na redução da pena. Impossível substituir a pena por restritiva de direitos, como pretendido, em razão de ser crime cometido com grave ameaça à pessoa, em contexto de violência de gênero. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70059017939, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 09/04/2015)
Em que pese o brilhantismo da jurisprudência supra-transcrita, é preciso ir além. O processo penal reclama uma posição de protagonismo do Magistrado como um tutor do respeito às formalidades processuais, assim como instância materializadora de direitos fundamentais do sujeito débil no processo, a saber, o Acusado.
Inexiste no Código de Processo Penal Brasileiro qualquer disposição que trate a respeito da ausência injustificada das partes ao ato de audiência e suas repercussões quanto à prova a ser produzida. Diante disso, encontra-se autorização no art. 3º do mencionado diploma para que se aplique norma que confira tratamento à matéria em legislação diversa, o que se vislumbra da aplicação do art. 362, § 2º, do Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte:
Art. 362. A audiência poderá ser adiada:
[…]
II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar;
[…]
§ 2o O juiz poderá dispensar a produção das provas requeridas pela parte cujo advogado ou defensor público não tenha comparecido à audiência, aplicando-se a mesma regra ao Ministério Público.
A ausência injustificada do membro do Ministério Público ao ato de audiência é situação que configura evidente renúncia do órgão quanto a produção da prova que requereu na sua peça acusatória. É o Ministério Público que possui o poder de gestão da prova que deseja ver colhida em audiência, não podendo o Magistrado se arvorar de tal condição e simplesmente manter a oitiva de testemunhas arroladas na denúncia, sendo que sequer o promotor de justiça esteja presente ao ato de audiência.
Ao invés de o Magistrado prosseguir com a oitiva de testemunhas arroladas pelo MP na denúncia, o que deve ocorrer é a plena aplicação do art. 362, § 2º, CPC, de forma análoga (art. 3º, CPP), entendendo-se que o órgão acusatório se satisfaz com os elementos colhidos até então, já que ausente de ato essencial para a demonstração da hipótese trazida na peça acusatória. Não pode o Juiz simplesmente “forçar a barra”, como se fosse um apêndice do Ministério Público e tivesse que “tapar buracos” eventuais da (ou falta de) atuação ministerial.
Essa seria uma solução tecnicamente correta para o problema da ausência injustificada do membro do Ministério Público ao ato de audiência de instrução, sem recorrer a escamoteamento do procedimento ou a protagonismo probatório que é vedado ao Magistrado. Mas, e quanto ao problema de se prosseguir com as demais etapas do processo após a finalização do ato de audiência, o qual é uno e donde se deve, por regra, proceder com a tomada das alegações finais orais e o Magistrado deve proferir sentença no ato, salvo em situações em que se vislumbre complexidade do caso (art. 403 e parágrafos, CPPB)? Essa é a resposta que prometi oferecer linhas acima.
Pois bem. Este autor entende que deve ser dado um passo adiante, não se conformando com a mera finalização do ato de audiência e entrega dos autos com vistas ao Ministério Público para oferta de alegações finais em forma de memoriais. A uma, porque não há previsão dessa prática no Código de Processo Penal, de modo que se estaria escamoteando o procedimento. A outra, porque é o momento de se aplicar as devidas conseqüências decorrentes da violação à boa-fé objetiva no cenário processual penal, sendo certo que a ausência do membro do Ministério Público viola o postulado da lealdade e confiança que o Acusado deposita frente a esta instituição essencial à Justiça (art. 127, caput, CF/88).
Sim, o Acusado deposita essa confiança. A partir do momento em que tem contra si deflagrada uma ação penal movida pelo órgão acusatório, na qual se utiliza muitas vezes daquilo que foi colhido inquisitorialmente no cenário policial, o Réu espera que o Ministério Público tome o seu lugar no assento reservado na sala de audiências. Não é outro o sentimento que parece transparecer quando se recebe uma intimação para se fazer presente numa audiência de instrução E julgamento (o grifo e o negrito são propositais).
Quanto a este tema, infelizmente o Código de Processo Penal Brasileiro não possui uma solução adequada. Por mais que o CPPB não tenha previsto a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, a jurisprudência é pacífica ao admitir a tese pela aplicabilidade, conforme decidido pelo e. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº 162.618/SP, cuja ementa é a seguinte:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. BENEFÍCIO REVOGADO EM RAZÃO DA NOTÍCIA DE QUE OS PACIENTES RESPONDEM A OUTRA AÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RESTABELECIMENTO DO SURSIS . 1. Os pacientes foram denunciados por estelionato porque teriam simulado rescisão de contrato de trabalho, de forma a possibilitar o saque de quantia depositada em conta do FGTS. 2. Tão logo concedida a suspensão condicional do processo, sobreveio a notícia de que fora oferecida denúncia em outro feito criminal. 3. Ocorre que, naquela ação, proferiu-se sentença de absolvição sumária, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal, notadamente porque atípicos os fatos e inepta a denúncia. 4. Nessa quadra, fulminada a referida ação penal, não há como se concluir estejam os pacientes sendo "processados por outro crime", nos moldes do § 3º do art. 89 da Lei nº 9.099/95. 5. Interpretação em sentido contrário, isto é, a de que o simples oferecimento da denúncia autoriza, de modo irreversível, a revogação do sursis processual, não anda em sintonia com os princípios da ampla defesa, do devido processo legal, e da boa-fé processual, destoando dos anseios da reforma do processo penal. 6. Habeas corpus concedido para cassar a decisão que revogou o sursis processual, com extensão dos efeitos aos corréus.
Ao não justificar a sua ausência, sendo que há tempo suficiente para isso, até porque o Ministério Público possui a prerrogativa de intimação com vista dos autos (art. 41, IV, da Lei nº 8.625/93), o que se tem é a frustração de uma legítima expectativa do Acusado em ver resolvida a sua situação perante a Justiça Criminal de uma vez por todas. Constitui-se como verdadeira pena processual a sujeição do Acusado a uma indefinição quanto ao status libertatis, de modo que o que mais se quer muitas vezes é saber, de forma definitiva, se o sujeito é culpado ou será absolvido, de modo a extirpar a violência psicológica causada pela possibilidade de sujeição ao (caótico) sistema penitenciário.
Assim, a solução a ser aplicada, no entender deste autor, é o reconhecimento de uma supressio processual por parte do Ministério Público quanto a apresentação de alegações finais, decorrente da violação do princípio da boa-fé objetiva referente a sua ausência injustificada ao ato de audiência de instrução. Ademais, por força do princípio da preclusão, sendo certo que a audiência tem que ser única quanto a produção de provas, já abrindo-se para a fase de alegações finais, o Ministério Público, a partir da sua ausência, perdeu a prerrogativa processual de oferecer alegações finais, de modo que deve o Magistrado abrir a palavra para a defesa do Acusado apresentar as alegações finais, e, após encerrada estas pela defesa, julgar a causa conforme a prova produzida em juízo e o quanto requerido ou não requerido nos autos por força da ausência, sem nenhum remorso, é bom que se diga.
É o mínimo de respeito que se deve conferir à figura do Acusado dentro do cenário processual. Sobretudo em comarcas do interior, o que se tem é uma espécie de temor reverencial das partes em relação à figura do juiz e do promotor de justiça. A sentença, sendo favorável ou desfavorável, constitui-se muitas vezes como a libertação de uma pressão intensa no psicológico do Réu quanto às conseqüências que poderão advir a partir de tal ato.
Somente quando fielmente demarcadas as funções de cada sujeito processual e fixadas as devidas responsabilidades pela postura processual adotada é que se terá uma aproximação fiel com o sistema acusatório, rompendo-se com a mera retórica de invocação do art. 129, I, CF/88 em meio a um panorama profundamente inquisitorial.
Notas e Referências:
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11ª edição – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11ª edição – São Paulo: Saraiva, 2014.
. Matheus Martins Moitinho é graduado pela UNIFACS (2008.2) e Especialista em Direito do Estado pelo JUSPODIVM. Aprovado em diversos concursos públicos, dentre os quais: Advogado da Caixa Econômica Federal (2012) e Defensor Público Substituto do Estado de Sergipe. Atualmente é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. .
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