A Audiência de Custódia e o papel dos jogadores no Processo Penal

28/07/2016

Por Elias Guilherme Trevisol – 28/07/2016

O processo penal está em ebulição, mutação e num momento histórico em que não cabe mais a mentalidade ou o raciocínio inquisitorial obtido nos idos anteriores à 1988, onde o Brasil, tristemente, viveu a ditadura militar.

Atualmente a estrutura processual brasileira tem passado por severas modificações, não somente pela emergente aplicação da Lei nº 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil brasileiro - NCPC), mas também com o andamento do Projeto de Lei nº 8.045/2010 (Novo Código de Processo Penal brasileiro - NCPP), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Tais regramentos legislativos aspiram claramente uma maior adequação dos processos e procedimentos às normas internacionais, como Tratados e Convenções Internacionais aos quais o Brasil é signatário.

Daí advém a tão debatida audiência de custódia. É das normas internacionais que origina a obrigatoriedade da apresentação do acusado preso em flagrante ao Juiz de Direito em até 24 (vinte e quatro) horas.

No intuito de normatizar o "espírito" da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), Pacto internacional de direitos civis e políticos das Nações Unidas, é que houve a expedição da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), regulamentando a aplicação e o procedimento da audiência de custódia.

Em que pese o CNJ não poder legislar, por se tratar de norma descrita em pactos internacionais, os ditames legais assinados pelo Brasil possuem hierarquia supralegal, ou seja, acima das leis e abaixo somente da Constituição Federal, o que autoriza a realização da audiência de custódia sem necessariamente ter sido regrada por lei específica.

Pois bem. Não é de hoje que o processo penal é visto como um jogo, onde os jogadores (Ministério Público (acusador), Advogado (acusado-defesa) e Juiz (julgador)) do processo realizam jogadas baseadas em táticas e subjogos, sempre numa perspectiva de alcance das decisões que lhes sejam mais favoráveis, egoísticas, ou seja, analisar o processo como o "Dilema do prisioeiro" da Teoria dos Jogos do ilustre Economista Americano Nash.

O "Dilema do prisioneiro" da Teoria dos Jogos aplicado na Economia sugere, em suma, que a melhor solução para um problema é a cooperativa e não a egoística, porém, com o constante sobrepor do Poder sob o acusado e seu descontrole (Friedrich Nietzsche), o subjulgar do mais fraco nas relações é estimulada por uma carga de ameaça, culpa e ativação do ódio, fazendo com que os jogadores façam movimentos já esperados.

A audiência de custódia, conforme a Resolução nº 213/2015, do CNJ, descreve uma metodologia procedimental inteligente, no qual impede que se adentre na esfera da culpa ou da tipicidade do crime, em tese, cometido. Serve tão somente para analisar se o jogador (acusado-defesa), detém as condições constitucionais de iniciar o "jogo" (processo penal). É dizer, de preservar seus direitos individuais fundamentais para que então, possa o Ministério Público (acusação) mover a espada do Estado (sob o prisma do Direito de punir) sobre o pescoço do réu.

Num "jogo" (processo penal) democrático como a Constituição Federal de 1988 delineou, o Juiz de Direito (julgador) deve ser inerte, estático. É a condição de observador e não de parte ativa do processo. Não deve ser "justiceiro", mas deve proteger o jogo com suas devidas regras e subjogos. O Juiz de Direito não deve ser movido por paixões, pela mídia ou pela "sociedade", deve ser um guardião das Leis, decidindo e julgando conforme os movimentos processuais dos jogadores ativos (acusação e defesa).

É da audiência de custódia que se iniciou, efetivamente, o alinhamento da Constituição Federal de 1988 para com a "lei processual penal". É um avanço democrático, onde o acusado, parte débil do processo, pode ser ouvido e visto, equilibrando as forças entre o Estado, possuidor do direito de punir e o réu (acusado).

A vítima do crime, bem representada pela acusação (Ministério Público), não deixa de ser levada em consideração na audiência de custódia, pois tem consigo o combativo órgão acusador, de raízes inquisitoriais e porque não dizer, pretorianas.

Neste primeiro momento, o da audiência de custódia, para que a prisão em flagrante seja homologada e convertida em prisão preventiva (sem data de término e que antecipa a condenação definitiva) deve a acusação provar os requisitos do artigo 312, do Código Penal, quais sejam: Que o acusado oferece risco à Ordem Pública ou Ordem Econômica, ao Processo Penal ou à aplicação da Lei Penal, desde que haja inidícios de autoria e prova de materialidade do crime.

Já o acusado preso em flagrante subjulgado pelas forças do Estado, há de transpassar um processo árduo, dependendo do fair play das partes ou das condicionantes de cada julgador.

É dever da acusação derrubar a muralha do Princípio da Presunção de inocência e assim, ter o objetivo cumprido e seguir para uma nova jogada, caso contrário, corolário de nossa Carta Magna, a liberdade deve ser a regra vigente, tensionando ao acusado, sempre, os subjogos seguintes.

A bem da verdade, a audiência de custódia veio no intuito de democratizar o processo penal, delineando de forma mais coerente as partes no processo e ressaltando que as garantias fundamentais é regra inicial do "jogo".

Cabe agora aos jogadores e julgadores saberem seu papel, conhecerem as regras, jogos e subjogos, cenários e surpresas, movimentos, "blefes" e demais engodos, afinal, o que se está a analisar é a vida, a liberdade e as tutelas dos direitos mais caros das pessoas: Das vítimas e dos acusados.

O começo da mudança é hoje, tarda mais não falha. De um Código de Processo Penal de 1941 à uma Constituição Federal de 1988, em 2016 iniciamos uma Justiça mais justa, mais igual, mais humana. Antes tarde, do que nunca.


Elias Guilherme Trevisol. . Elias Guilherme Trevisol é Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Córdoba, Argentina. Advogado Criminalista. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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