A AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS E AS NOVAS RESOLUÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

18/11/2021

Recentemente editada pelo Conselho Nacional de Justiça, a Resolução 427, de 20.10.2021, dentre outras providências, amplia a proteção a vítimas e testemunhas por meio da proteção à sua identidade, endereço e dados qualificativos.

A nova resolução do CNJ estabelece que os tribunais deverão implementar, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, como medida para proteção de vítimas e testemunhas que se encontrem ameaçadas ou em grave risco, a possibilidade de proteção de seus dados qualificativos e endereços nos processos criminais, físicos e eletrônicos.

Historicamente falando, no Brasil, a vítima quase nunca ocupou posição de destaque na persecução penal, invariavelmente figurando como mera coadjuvante no processo, na medida em que, após prestadas as informações sobre o crime à autoridade policial ou a Ministério Público, somente voltava a ter contato com o processo, eventualmente, na audiência de instrução, oportunidade em que se limitava a relatar os fatos ao juiz e a reconhecer o acusado, quando possível. Nunca houve uma preocupação concreta e efetiva com a vítima no sistema processual penal pátrio, sendo ela tratada como mero objeto de prova, quando, em verdade, deveria ser considerada sujeito de direitos.

Basta constatar que a Constituição Federal, no art. 5º, ao cuidar dos direitos e garantias individuais, destinou vários incisos à salvaguarda do acusado, mas nenhum deles à tutela da vítima.

Foi somente com as alterações no Código de Processo Penal instituídas pela Lei n. 11.690/08 que a vítima foi erigida a posição de relativo destaque no cenário penal brasileiro.

É inegável que a vítima sofre inúmeras consequências (físicas, morais, psicológicas, emocionais, patrimoniais, dentre outras) em decorrência do crime, não havendo, até então, praticamente nenhuma disposição legal que a amparasse efetivamente, que lhe fornecesse assistência psicológica, médica, jurídica e material, ocorrendo, não raras vezes, isso sim, um verdadeiro incentivo a que permanecesse no anonimato, não buscando as autoridades, até por receio da chamada vitimização secundária.

Modificando um pouco esse cenário, além de algumas disposições relativas à vítima inseridas pela já citada Lei n. 11.690/08 no Código de Processo Penal, a Lei n. 12.483/11 acresceu o art. 19-A à Lei n. 9.807/99, que estabeleceu normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. Referida norma trouxe notável incremento ao sistema de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas no Brasil, contribuindo para a efetiva implementação das disposições já constantes da lei respectiva, que prevê níveis estruturais de coordenação administrativa e leva em conta vários fatores que envolvem a inclusão de uma pessoa no programa.

Na recente Resolução 427/2021, o Conselho Nacional de Justiça, ampliando o espectro de proteção, determina que, tratando-se de vítimas ou de testemunhas que estejam ameaçadas ou em grave risco, os dados qualificativos e endereços poderão ser registrados em apartado, mediante decisão do juiz competente, remanescendo sigilosos e não constando dos autos físicos ou eletrônicos.

Nesse aspecto, o juiz competente poderá determinar a preservação dos dados qualificativos e dos endereços de vítimas e testemunhas a pedido destas, por meio de representação da autoridade policial, de requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado e, ainda, de ofício. O acesso aos dados das vítimas ou de testemunhas fica garantido ao Ministério Público e ao defensor do réu, mediante requerimento ao juiz competente e controle da vista.

Além disso, os mandados de intimação de vítimas ou de testemunhas ameaçadas deverão ser confeccionados de modo a impedir a visualização dos dados qualificativos, salvo pelo oficial de justiça responsável pela diligência, que não deverá consignar na certidão quaisquer dados ou endereços não publicizados. Os oficiais de justiça, por ocasião da intimação para depoimento, deverão informar as vítimas e as testemunhas quanto ao funcionamento do Balcão Virtual, instituído pela Resolução CNJ 372/2021, e por meio do qual poderão se comunicar com servidor da serventia em que tramita o processo e esclarecerem eventuais dúvidas, sem prejuízo do atendimento presencial.

Inclusive, na hipótese de os oficiais de justiça constatarem, durante a realização da diligência, que a presença do réu na sala de audiência causará humilhação, temor, ou sério constrangimento às vítimas e testemunhas, deverão certificar tal circunstância e informá-la ao juízo.

Na hipótese de a presença do réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou à vítima, de modo que prejudique a verdade do depoimento, deverão os juízes tomar as providências possíveis para evitar o contato direto entre eles durante a realização da audiência e, inclusive, nos momentos que a antecederem e logo após a sua finalização.

Cumpre ressaltar que, de acordo com a nova resolução, no atendimento de vítimas e testemunhas, os servidores do cartório deverão informar sobre os dispositivos, ações e espaços existentes no tribunal relacionados à Política Institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais, instituída pela Resolução CNJ 253/2018.

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça recomenda aos tribunais que busquem celebrar acordos de cooperação ou editar atos normativos conjuntos com os Ministérios Públicos e com as Polícias para regulamentar a proteção dos dados qualificativos e endereços das vítimas e testemunhas também no âmbito dos procedimentos investigativos.

Seguindo a mesma tendência de ampliação da proteção a vítimas e testemunhas, o Conselho Nacional do Ministério Público também editou, recentemente, a Resolução 243, de 18.10.2021, que estabelece a Política Institucional de Proteção Integral e de Promoção de Direitos e de Apoio às Vítimas, com o objetivo de assegurar direitos fundamentais às vítimas de infrações penais, atos infracionais, desastres naturais, calamidades públicas e graves violações de direitos humanos, garantindo-lhes acesso à informação, comunicação, participação, verdade, justiça, diligência devida, segurança,  apoio, tratamento profissional individualizado e não discriminatório, proteção física, patrimonial, psicológica e de dados pessoais, participação e reparação dos danos materiais, morais e simbólica, suportados em decorrência do fato vitimizante.

A nova resolução do CNMP determina também que as unidades do Ministério Público deverão implementar, gradualmente e de acordo com sua autonomia administrativa, Núcleos ou Centros de Apoio às Vítimas, levando em consideração a gravidade, a magnitude e as características do fato vitimizante, e a consequente violação de direitos, sendo orientados pelos princípios da dignidade, da igualdade, do respeito, da autonomia da vontade, da confidencialidade, do consentimento e da informação, sem prejuízo do atendimento rotineiro das vítimas pelo órgão ministerial.

Por fim, dentre outras providências, estabeleceu o Conselho Nacional do Ministério Público que incumbe ao Ministério Público estimular políticas públicas e criar, em sua estrutura interna, meios de atendimento às vítimas que busquem evitar a revitimização, bem como núcleos próprios de jurimetria para diagnosticar e produzir uma política de atuação mais eficaz, resolutiva e preventiva.

Portanto, é forçoso admitir que, agora, normas já as temos em relativa abundância, faltando somente que sejam efetivamente cumpridas e observadas pelos órgãos responsáveis pela persecução criminal e pelo processo penal, fazendo com que a vítima receba do Estado a atenção merecida, sendo acolhida e tratada com a dignidade e respeito de que é merecedora.

 

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