Por Murillo Andrade – 05/01/2017
Já no início de 2017, tivemos a triste e chocante notícia das mortes ocorridas na cidade de Campinas, interior de São Paulo, atos praticados por Sidnei Ramis de Araújo, 46 anos, que se encontrava em processo de regulamentação de convivência desde 2012.
Ao que se apurou, Isamara Filier de 41 anos, ex-esposa de Araújo, o acusou de abuso sexual contra o filho João Victor Filier de Araújo, de 8 anos, e mesmo as acusações não sendo “cabalmente comprovadas”, a justiça determinou ao pai visitas monitoradas em domingos alternados entre 9h e 12hs[1] ou seja o pai convivia com o filho 3 horas de 15 em 15 dias, na residência materna.
Sidnei, matou o filho, a ex-mulher e familiares dela, deixando uma carta[2], explicando os motivos dos atos que iria praticar. Em alguns trechos ele disse: “Não tenho medo de morrer ou ficar preso, na verdade já estou preso na angustia da injustiça...”, “Morto tbm já estou, pq não posso ficar contigo, ver vc crescer, desfrutar a vida contigo...”, “Agora vão me chamar de louco, más quem é louco? Eu quem quero justiça ou ela que queria o filho só pra ela?...”, “Eu morro por justiça, dignidade, honra e pelo meu direito de ser pai! Na verdade somos todos loucos, depende da necessidade dela aflorar!”, “Aproveitando, peço aos amigos que sabem da minha descrença, que não rezem e por mim, se fazerem orações façam por meu filho ele sim irá precisar!” (sic).
O pai termina a mensagem da seguinte forma: “Filho te amo muito e agora vou vingar o mal que ela nos fez! Principalmente a vc! Sei o qto ela te fez chorar em não deixar vc ficar comigo qdo eu ia te visitar. Saiba que sempre te amarei!” (sic).
Esta atitude de Sidnei, me lembrou uma frase do dramaturgo Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasa se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”
Infelizmente este fato não foi o primeiro e tampouco será o último. Em abril de 2009 o advogado e professor de Direito da USP, Renato Ventura Ribeiro, igualmente tirou a própria vida e de seu filho, Luiz Renato de 5 anos[3].
O que chama a atenção é que Renato deixou também uma carta com a essência parecida com a de Sidnei, informando das dificuldades de conviver com o filho, diante de tantos atos praticados pela ex-mulher.
Assim, ele redigiu seus sentimentos, momentos antes da tragédia: “Aos meus amigos. Em primeiro lugar, saibam que estou muito bem e que a decisão foi fruto de cuidadosa reflexão e ponderação. Na vida, temos prioridades. E a minha sempre foi meu filho, acima de qualquer outra coisa, título ou cargo. Diante das condições postas pela mãe e pela família dela e de todo o ocorrido, ele não era e nem seria feliz. Dividido, longe do pai (por vontade da mãe), não se sentia bem na casa da mãe, onde era reprimido inclusive pelo irmão da mãe bêbado e agressivo, fica constrangido toda vez que falavam mal do pai, a mãe tentando afastar o filho do pai etc. A mãe teve coragem até de não autorizar a viagem do filho para a Disney com o pai, privando o filho do presente de aniversário com o qual ele já sonhava, para conhecer de perto o fantástico lugar sobre o qual os colegas de escola falavam. No futuro, todas as datas comemorativas seriam de tristeza para ele, por não poder comemorar junto com pai e mãe, em razão da intransigência materna. Não coloquei meu filho no mundo para ficar longe dele e para que ele sofresse. Se errei, é hora de corrigir o erro, abreviando-lhe o sofrimento. Infelizmente, de todas as alternativas, foi a que me restou. É a menos pior. E pode ser resumida na maior demonstração de amor de um pai pelo filho. Agora teremos liberdade, paz e poderei cuidar bem do filho. Fiquem com Deus!”
Em ambos os casos, pode-se observar pelo conteúdo das cartas que existem indícios claros envolvendo a alienação parental, praticados contra os pais. É possível sentir a angustia, a revolta e a indignação. Irracionalmente, ao final, justificam seus atos como ato de amor.
Nada abona tirar a vida de alguém, e também não é o intuito deste artigo defender os atos praticados pelo autor da chacina ou pelo professor da USP. Matar um filho justificando como um ato de amor, não me soa coerente e normal. Acredito que estes pais mataram por terem perdido a esperança, perderam o sentido da vida, perderam a credibilidade no judiciário, perderam o bem mais precioso para a alienação parental, e por fim, perderam a sanidade.
Por outro lado, a alienação parental é capaz de tirar a sanidade de filhos também. Não seria plausível uma criança de apenas 8 anos nutrir tanto ódio para um pai, que lutava insistentemente para conviver com ele, senão influenciado pela alienação parental.
João Victor no dia dos pais, disse para sua professora que não comemorava tal data, relatando ainda que “não gostava do pai e, quando crescesse iria matá-lo”[4]. Tal frase, revela nitidamente o grau de alienação vivenciada pelo garoto.
Todavia, somente estes pais, que passam por todos os tipos de falsas acusações e restrição de convivência com seus filhos, pressionados por todos os lados, ouvindo injurias e difamações constantes, sabem o que passaram e sentiram para chegar a efetuar tamanho ato contra a vida de um filho.
De fato, estas cartas deixadas pelos autores dos crimes, somente tiveram a devida atenção, após os atos extremos, pois na realidade, dentro das Varas de Família de tantas cidades, as vozes dos pais alienados não encontram eco.
O judiciário, tirando alguns poucos juízes e promotores comprometidos, tampam os olhos e ouvidos quando pais informam que sofrem com atos de alienação, não dando importância e a devida atenção aos seus gritos de socorro.
Nestes casos, o judiciário é corresponsável pelos atos praticados, seja por sua omissão, morosidade ou desinteresse em apurar os primeiros indícios de alienação parental.
A doutrinadora Mônica Guazzelli[5] afirma que a demora nas decisões judiciais que versam sobre Alienação Parental e falsas acusações de abuso sexual, podem causar situações irreversíveis: “O ônus da morosidade do processo recairá exclusivamente sobre o réu, mesmo que ele seja inocente.”
Os atos de alienação parental vêm a cada dia se tornando mais refinados e agressivos. Começam com uma simples negativa da criança em ir com o pai nos dias de convívio, sob o pobre argumento de que o filho não quer ir. Posteriormente evolui para difamação e desqualificação dos pais alienados, e por fim, nos casos extremos, temos as falsas acusações de abuso sexual, seguida da implantação de falsas memórias.
Com relação as falsas acusações de abuso sexual, tenho grande admiração pela decisão da lavra do Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Caetano Lagrasta Neto, que no seu voto no Agravo de Instrumento nº 2070734-54.2014.8.26.0000, ministrou verdadeira aula de alienação parental:
“Alienação, sob o aspecto parental, também conhecido como 'implantação de falsas memórias', trata-se de lavagem cerebral ou programação das reações da criança e do adolescente pelo alienador, contrárias, em princípio, ao outro genitor, ou às pessoas que lhes possam garantir o bem estar e o desenvolvimento, incutindo-lhes sentimentos de ódio e repúdio ao alienado. Por sua vez, a Síndrome de Alienação Parental é o conjunto de sintomas diagnosticados, que pode ser estendido a qualquer pessoa alienada ao convívio da criança ou do adolescente. Estes também submetidos à tortura, mental ou física, que os impeçam de amar ou mesmo de demonstrar esse sentimento, colaborando com o alienador. [...] Revela-se a moléstia mental ou comportamental do alienador, quando busca exercer controle absoluto sobre a vida e o desenvolvimento da criança e do adolescente, com interferência no equilíbrio emocional de todos os envolvidos desestruturando o núcleo familiar, com inúmeros reflexos de ordem espiritual e material. A doença do agente alienador volta-se contra qualquer das pessoas que possam contestar sua 'autoridade', mantendo-os num estado de horror e submissão, por meio de crescente animosidade. Essa desestruturação transforma-se em ingrediente de batalha judicial, que poderá perdurar por anos, até que qualquer dos seres alienados prescinda de uma decisão judicial, seja por ter atingido a idade madura, seja ante o estágio crônico da doença. [...] Podevyn, por sua vez, define alienação de forma objetiva: programar uma criança para que odeie um de seus genitores, enfatizando que, depois de instalada, poderá contar com a colaboração desta na desmoralização do genitor alienado (ou de qualquer outro parente ou interessado em seu desenvolvimento). [...] Podevyn menciona algumas formas de recursos permitidos à Justiça para punição dos renitentes, quando do descumprimento de decisões judiciais a respeito de visitas, alimentos etc.: ameaça de multa severa, prisão, perda ou inversão da guarda, além de outros, aos quais não será demasia acrescentar: a obrigatoriedade de se ver submetido a tratamento, bem como pagar o da criança, do adolescente ou de qualquer pessoa injustamente alienada. Enfatiza, ainda, que não se deve acreditar na boa vontade do alienador (quando diagnosticado o desvio de conduta) para encontrar uma solução conjunta de guarda ou regime de visitas que devem sofrer a imposição pela autoridade judicial. Sob este aspecto, omitiu-se a lei de guarda compartilhada, pois não será possível sua aplicação eficaz sem mecanismos de defesa ao alienado ou mediante a instalação de infraestrutura adequada ao Poder Judiciário. A elaboração de relatórios por assistentes sociais ou mesmo de laudos psicológicos ou psiquiátricos tem se mostrado profissionalmente insuficiente para embasar o convencimento do juiz que, diante disso, se omite ou profere decisões paliativas, favorecendo o prolongamento da conduta do alienador, em detrimento da segurança dos demais. [...] O sofrimento imposto ao alienado deve permitir que o advogado, o promotor de Justiça e o magistrado busquem amplos meios de coibi-lo, de acordo com a previsão na Lei n. 12.318/2010, eis que condizentes com os princípios constitucionais, sob pena de, não havendo, transforme-se a Carta Magna em letra morta. Os princípios da dignidade da pessoa humana, da defesa intransigente do interesse superior da criança e adolescente, da liberdade de escolha e da impossibilidade de tratar desigualmente homens e mulheres, além de vedação a qualquer forma de restrição mental ou discriminação, mostram-se como corolários na busca de formas de se evitar a alienação parental, onde incluída a punição do alienador, com o consequente e imediato afastamento e tratamento da criança, do adolescente ou de qualquer outro ser humano submetido à tortura alienante. [...] O processo de alienação parental, quando desmotivado, e caso detectado em sua fase inicial é reversível, deve ser obstado a fim de se evitar as graves consequências da instalação da síndrome de alienação parental na criança e/ou adolescente, as quais tendem a se perpetuar por toda a sua vida futura. Se por um lado a prática processual revela a dificuldade de se identificar e neutralizar os atos de alienação parental, por outro lado, não pode o Juiz condescender com os atos de desmotivada e evidente alienação parental, para fins de auxiliar o agente alienador a alcançar o seu intento, de forma rápida [e ainda mais drástica], em evidente prejuízo à criança.”
A alienação parental enquanto não for tratada pelo judiciário de forma seria, conforme o entendimento do ilustre Desembargador, causará inúmeras vítimas.
Um fator importante para diminuir a incidência da alienação parental é a observância simples da lei 13.058/14[6], que em seu artigo 2º determina que na guarda compartilhada o tempo de convívio deve ser equilibrado entre os pais.
Maria Berenice Dias[7], possui o seguinte entendimento sobre a guarda compartilhada: “O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos.”
No mesmo sentido o Conselho Nacional do Ministério Público, apresentou a Recomendação nº 32/16[8], onde dispõe sobre a uniformização e atuação do Ministério Público no sentido de promover a convivência familiar da criança com seus pais, enquanto separados.
Na referida recomendação se estampa no art. 3º a seguinte diretriz: “Recomendar que os membros do Ministério Público com atribuições para atuação nas áreas de Família, Infância e Juventude realizem ações coordenadas para a conscientização dos genitores sobre os prejuízos da alienação parental e da eficácia da guarda compartilhada.”
Igualmente, a Corregedoria Nacional de Justiça em 24 de agosto de 2016 apresentou a Recomendação nº 25/16[9], onde aconselha a todos os Juízes que atuam nas Varas de Família que observem o disposto na Lei nº 13.054/14.
Em tal recomendação do CNJ se estampa no art. 1º a seguinte diretriz: “Recomendar aos Juízes das Varas de Família que, ao decidirem sobre a guarda dos filhos, nas ações de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar, quando não houver acordo entre os ascendentes, considerem a guarda compartilhada como regra, segundo prevê o § 2º do art. 1584 do Código Civil.”
Mesmo com tantas leis e recomendações para inserir a guarda compartilhada como regra, a alienação parental vem se proliferando. Mas existe um motivo muito claro para isso, e está contido no §2º do artigo 1584[10] do Código Civil.
No referido artigo encontra-se estampado que a guarda compartilhada será exercida mesmo quando não houver acordo entre os genitores e estando ambos aptos para exercer o poder família.
Pois bem, qual a mais rápida e eficiente maneira de inviabilizar a guarda compartilhada? Fácil, é demonstrando que um dos genitores não possui condições de exercer seu múnus parental, ou seja, criando falsas acusações de abuso sexual, ou conduta duvidosa.
Assim, a correlação entre os atos de alienação parental e as mortes ocorridas em Campinas estão na ineficiência do judiciário em dar uma reposta rápida às demandas de família, criando com isso vítimas dos dois lados. De um, filhos órfãos de pais vivos, vítimas do judiciário arcaico e, de outro, filhos e pais sendo mortos por insanidades causada pela alienação parental.
Diante de todas estas tragédias, vejo que a alienação parental mata, e o judiciário idem.
Notas e Referências:
[1] http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/01/ex-mulher-acusou-atirador-de-campinas-de-abuso-sexual-contra-o-filho-na-justica.htm
[2] http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2017-01-02/campinas-chacina.html
[3] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI83192,81042-Advogado+encontrado+morto+ao+lado+do+filho+deixou+carta
[4] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1846358-menino-morto-em-chacina-em-campinas-disse-que-mataria-o-pai.shtml
[5] GIAUZZELLI. Mônica – A Falsa Denúncia de Abuso Sexual - “Alienação Parental – Realidades que a Justiça insiste em não ver” (pág 43, 2ª ed. Revista dos Tribunais);
[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm
[7] DIAS, Maria Berenice. Guarda Compartilhada. Revista jurídica Consulex. Brasília, DF: Consulex, v.12, n.275, 30 jun 2008, p..26
[8] http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Normas/Recomendacoes/RecomendaCAO_32.pdf
[9] http://www.portaldori.com.br/2016/08/26/recomendacao-no-252016-do-cnj-regra-da-guarda-compartilhada/
[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm
Murillo Andrade é Advogado Criminalista, especialista em crimes contra criança e adolescente, pós-graduado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte, Mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, membro do ICP – Instituto de Ciências Penais, Diretor em Minas Gerais da Associação Brasileira Criança Feliz. Palestrante, debatedor e conferencista em seminários e congressos de âmbito nacional e internacional. Colaborou na elaboração da Lei nº 20.584/2012 que institui a Semana de Conscientização sobre a Alienação Parental no Estado de Minas Gerais.
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