A Lei nº 13.869/19, recentemente promulgada com vetos pelo Presidente da República, passou a dispor sobre os crimes de abuso de autoridade, tendo revogado expressamente a Lei nº 4.898/65, que tratava da mesma matéria anteriormente.
Inicialmente, a nova lei foi promulgada com 19 vetos, que abrangiam vários pontos polêmicos e que causaram intensa celeuma na comunidade jurídica, atingindo diretamente o regular exercício das atividades jurisdicionais e de investigação criminal, o que fez com que diversos setores ligados à justiça e à polícia pugnassem pelo veto total, que acabou não ocorrendo.
Praticamente todos os vetos, entretanto, foram rejeitados pelo Congresso Nacional.
Dentre os dispositivos vetados inicialmente pelo Presidente da República, cujos vetos foram rejeitados pelo Congresso Nacional, está o art. 3º da nova lei que cuida da ação penal nos crimes de abuso de autoridade.
Dispõe o referido dispositivo:
“Art. 3º. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.
§1º. Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
§2º. A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.”
As razões do veto foram as seguintes:
“A ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário, nos termos do art. 100 do Código Penal, logo, é desnecessária a previsão do caput do dispositivo proposto. Ademais, a matéria, quanto à admissão de ação penal privada, já é suficientemente tratada na codificação penal vigente, devendo ser observado o princípio segundo o qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado em mais de uma lei, nos termos do inciso IV do art. 7º da Lei Complementar 95, de 1998. Ressalta-se, ainda, que nos crimes que se procedam mediante ação pública incondicionada não há risco de extinção da punibilidade pela decadência prevista no art. 103 cumulada com o inciso IV do art. 107 do CP, conforme precedentes do STF (v.g. STF. RHC 108.382/SC. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. T1, j. 21/06/2011).”
Com absoluta razão o Presidente da República em vetar o citado art. 3º da lei, após a oitiva dos órgãos de consulta: Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União, Secretaria-Geral da Presidência da República e Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O mencionado art. 3º é totalmente desnecessário, já estando a matéria referente à ação penal devidamente tratada no Código de Processo Penal, nos arts. 24 a 62. Nesse aspecto, a regra, no processo penal, é a ação penal pública incondicionada, que se aplica à maioria dos casos, devendo as exceções (ação penal pública condicionada ou ação penal privada) ser trazidas expressamente pela lei em caso contrário.
Ora, a nova Lei de Abuso de Autoridade não precisava reafirmar a regra já constante do Código de Processo Penal, repetindo dispositivo absolutamente desnecessário, que somente contribuiu para a confirmação do total despreparo do legislador e da absoluta falta de técnica legislativa.
A suportar a rejeição do veto pelo Congresso Nacional, veiculou-se nos meios políticos que se deveria garantir a possibilidade de ação penal privada subsidiária, caso o membro do Ministério Público não intentasse, no prazo legal, a ação penal pública.
Mais uma vez o equívoco se fez presente, eis que a ação penal privada subsidiária já vem expressamente prevista no art. 29 do Código de Processo Penal, que diz: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.”
Inclusive, a ação penal privada subsidiária tem lastro constitucional, estando prevista no art. 5º, LIX, que diz: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.
Portanto, totalmente infundado o receio dos congressistas ao rejeitar o veto e restabelecer o art. 3º da nova Lei de Abuso de Autoridade.
Assim, em conclusão, nos termos do art. 3º da nova lei, que repete dispositivos já constantes do Código de Processo Penal e da Constituição Federal, a ação penal nos crimes de abuso de autoridade é pública incondicionada, de iniciativa do Ministério Público (art. 129, I, da CF). Apenas em caso de inércia do membro do “Parquet” é que terá lugar a ação penal privada subsidiária, que poderá ser intentada no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia, requerimento de arquivamento ou requisição de diligências complementares, no inquérito policial ou nas peças de informação.
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