Zelotes o CARF e a ética no processo (Parte 1)

11/06/2016

Por Charles M. Machado – 11/06/2016

Segundo a etimologia da palavra Zelotes, vem do termo 'zelote', do grego que significa 'zeloso seguidor'. Os zelotes constituíam uma seita e partido político judaico (uma espécie de ala radical dos fariseus) que preconizava Deus como o único soberano da nação judaica. Assim, opunham-se radicalmente à dominação romana, especialmente aos impostos cobrados por Roma, promovendo ataques a romanos e gregos (fossem militares ou civis), ou mesmo a judeus acusados de colaboracionismo. Sob instigação dos zelotes, produziu-se a revolta da Judeia. Assim foi batizada a operação deflagrada no final de março de 2015, e que hoje já se encontra na sétima fase, que tem como propósito identificar e punir servidores (julgadores ou não) do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que em troca de benefício financeiro, alteraram o resultado de diversos processos entre 2013 e 2015, ainda que existam alguns indícios de que o problema teve início em 2005. Conforme os relatórios das investigações da Polícia Federal, alguns conselheiros suspendiam julgamentos e alteravam votos em favor de determinadas empresas, em troca de pagamentos, destaca-se aqui que nesse momento os contribuintes brasileiros que tiveram seu processo julgado nesse período (2013 a março de 2015), até o presente momento desconhecem quem são esses conselheiros.

O CARF é formado por 216 conselheiros, sendo que a metade é composta por auditores fiscais concursados, representando a Receita Federal; e a outra metade se compõe de pessoas indicadas por confederações e entidades de classe, representando os contribuintes.

A investigação, concluiu em seus relatórios, iniciais de que conselheiros e servidores do CARF manipulavam a tramitação dos processos e consequentemente o resultado dos julgamentos do Conselho, segundo os meios noticiosos, os conselheiros que julgavam os processos recebiam suborno para que se reduzissem ou até anulassem os valores das multas nos autos de infração emitidos pela Receita Federal, ainda segundo os relatórios o prejuízo aos cofres públicos, apurado até março de 2015, foi de R$ 5,7 bilhões, sendo que o montante do prejuízo, em todos os processos investigados, chega a R$ 19 bilhões, valores esses de apenas 70 empresas que estavam sendo investigadas.

A operação teve início devido a uma carta anônima, entregue em um envelope pardo, certamente de alguém descontente com as negociações. Dois meses após a operação policial teve início uma CPI no Senado, que encerrou seus trabalhos em dezembro 2015, concluindo que nenhum parlamentar estava envolvido. A Câmara dos deputados, em tempos de impeachment também resolveu abrir uma CPI, em fevereiro de 2016, com trabalhos ainda não conclusos.

O CARF, julga nesse momento processos cujo somatório ultrapassam R$ 580 bilhões, e o período em que esteve parado em 2015 representou um atraso de R$ 30 bilhões na arrecadação de tributos.

A investigação ainda está muito longe de acabar, porém o que muitos contribuintes que tiveram seus processos julgados nesse mesmo período (2013 a 2015) é de que maneira esses servidores e julgadores interviram em seus processos, onde não teve nenhum pagamento de propina?

Como imaginar a isenção e neutralidade dos julgadores nos processos onde não receberam propina? Afinal se os desvios totalizaram até o presente momento cerca de R$ 6 bilhões, e as pessoas cobravam 10% para cancelar as notificações ou reduzi-las como imaginar sua neutralidade diante dos demais processos? Quem pode garantir a transparência, moralidade, impessoalidade nos demais processos?

É evidente que o contribuinte deve buscar a defesa dos seus Direitos, afinal todos os processos desse período estão sob suspeição, pois se desconhece o número de pessoas envolvidas.

A Constituição Federal assegura a todo cidadão o Direito ao Contraditório e a ampla defesa, e como se exerce esses princípios sem a neutralidade do julgador?

Assim encontramos o texto da magna carta:

“Art, 5°, LV da Constituição Federal

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

O contraditório e a ampla defesa, estão previstos tanto para o processo judicial como para o administrativo, e o julgador bem como todos os servidores estão sujeitos aos princípios norteadores da Administração Pública previstos na Magna Carta:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

De igual forma a Legislação ordinária submeteu a administração pública federal, na publicação da Lei 9.784/99, assim prevendo:

“Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”

Logo o processo administrativo tributário federal, é também por ela regrado, além dos Princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal o legislador ordinário foi além, dando relevo aos demais princípios norteadores da conduta dos servidores e julgadores no processo tributário:

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;(Grifo nosso)

V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

Os princípios não são uma referência ou conselho, mas sim comando vinculado aos atos rotineiros da Administração Pública Federal, Princípios esses repetidos em muitas normas Estaduais e Municipais, respeitado o Princípio Federativo.

A operação Zelotes, denotou o claro comprometimento desses Princípios, em diversos processos em que houve o benefício, e dessa maneira maculou todos os processos julgados nesse período.

Com o vil desrespeito a moralidade, boa fé e a impessoalidade colocou todos os processos de 2013 a 2015 sob o manto do impedimento e da suspeição, dando espaço para que o contribuinte que teve seu processo julgado nesse lapso temporal buscar seus Direito e pedir a anulação do julgamento por vício formal.

Esse apenas é o primeiro artigo em que abro esse acalorado debate, tem muito mais para ser dito e vou fazê-lo nos próximos artigos.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email:charles@charlesmachado.adv.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Taxes // Foto de: James Morris // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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