Zeitgeist

08/01/2017

Por Germano Schwartz – 08/01/2017

Zeitgeist é um termo alemão cujo significado varia entre espírito da época e sinal dos tempos. De fato, resta ainda mais especificado quando se usa a palavra para designar um conjunto de ideias que, de uma maneira ou de outra, torna-se preponderante em determinado contexto geográfico-temporal. Escrever sobre ele foi uma provocação do Ricardo Aronne, talentoso acadêmico e um guitarrista de primeira linha que, por sinal, compôs a música abaixo para minha filha Valentina.

Voltando ao assunto. Hegel, após Herder (1769), em seu Phänomenologie des Geistes (Fenomenologia do Espírito), em um pensamento dialético, concebe a guerra, a pobreza e a desigualdade como motores da história, já que ela, a história, é um processo constante de confrontos dialéticos. O processo de purificação é uma contradição entre a tese e a antítese. De uma maneira bastante clara, períodos de alegria seriam raros porque consistem em períodos de harmonia e quando há harmonia a antítese não se encontra presente.

Nesse sentido, quando um Trump invoca a ideia de um retorno a um pretenso grande Império, a uma grande América, mesmo que não saiba, está fazendo menção à grande contribuição hegeliana para o zeitgeist: o espírito da nação. É algo idêntico a uma Le Pen na França e, quem sabe, a um Bolsonaro no Brasil (mas nosso país realmente já teve algum zeitgeist?).

De qualquer sorte, o rock representa um zeitgest bastante específico. Um tempo em que as liberdades individuais tornam-se um tema presente em canções feitas por ídolos anti-establishment para uma plateia que ansiava, justamente, uma mudança no espírito de sua época. Esse é o grande apelo do rock and roll. Nesse ponto, por exemplo, Elvis Presley, Litlle Richard, Sid Vicious, Jimmy Page, Jim Morrison, Keith Moon, Keith Richards, Kurt Cobain, entre outros, representam – autorreferencialmente – uma invocação a um certo estado das coisas que não mais retorna.

E o Direito? Idem. Com outras bases, todavia. O Direito é, para quem, como eu, segue a linha da Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos  Aplicada ao Direito (TSAD), uma generalização congruente das expectativas normativas. Isto é, uma condensação de uma fórmula de contingência (justiça) baseada na necessidade de uma aceitação psíquica de uma legitimação que se baseia em um procedimento.

Entre o rock e o Direito, o fato é que o primeiro resta descolado no zeitgeist de uma sociedade em que a guerra, o fator que Hegel chamava de motor da história, é uma normalidade. Basta verificar o que ocorre na Síria e o que se passou em Aleppo. Não é o único exemplo. O Institute for Economics and Peace publicou em 2014 um estudo que revela um dado estarrecedor: de 162 países apenas 11 não estavam em guerra, grupo em que se encontrava o Brasil

Novamente: e o Direito? A normalidade de um estado de guerra permanente pode fazer crer que a história esteja rodando, violentamente, a uma nova direção para as normas jurídicas e, por conseguinte, a uma nova função do Direito na sociedade. E está. Basta perceber os rumos de um recrudescimento das liberdades individuais, em escala global, que é absolutamente contrária ao zeitgeist do nascimento do rock and roll. Tempos sombrios nos quais o “novo normal” é uma repetição de outros zeitgeist.

Na linha da TSAD, é preciso entender que a unidade da diferença é a condição essencial para a produção de uma diferença e de um futuro diverso do passado. Em outras palavras: se o Direito pensar em representar um novo zeitgeist, o caminho correto seria agir de modo contrafático (Luhmann) evitando repetir o passado sem questioná-lo. A autorreprodução não provoca variedade, e, logo, ao invés de conseguir estabilidade gera instabilidade.

Desse modo, a ausência de um zeitgeist para o Direito corrente repousa em uma nova funcionalidade para uma sociedade altamente diferenciada. Para tanto, torna-se mister analisar as duas faces de Janus, ou seja, observar que o Direito depende do Não-Direito para reafirmar-se como um Direito orientado para o futuro. É a lição da banda Black Triad, liderada pelo Aronne, na música Zeitgeist: “You Want Sanctuary, Face your Bestuary”.

https://www.youtube.com/watch?v=PedDxNAUGcM

Germano

Germano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science AcademyLíder do Comitê da Vertical do Direito no Brasil da Laureate International Universities.


Imagem ilustrativa do post disponível em: http://www.ideiademarketing.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Zeitgeist.jpg


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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