Por Saíle Bárbara Barreto – 21/11/2016
Pois é. Não é fácil ser juiz, eu sei disso. Existem varas com milhares e milhares de processos, existe CNJ, Corregedoria, cobranças por produtividade, tudo isto é verdade, mas o fato é que a pressão das partes, a pressão real para que a coisa funcione é sempre contra uma pessoa: o advogado.
Se o processo está demorando a culpa é dele, do advogado que “não se mexe”. Se a sentença não sai como o esperado, também só pode ser “alguma coisa errada” que ele fez. O cliente não desconfia nunca que a falha pode ser do sistema. Ele confia plenamente no Poder Judiciário, ele até é fã daquele juiz famoso que vive aparecendo no Jornal Nacional. Juiz para ele não falha. Para o cidadão comum juiz é quase um Deus.
Só que hoje o cliente tem acesso à internet. Ele pega o número do processo, a senha e acompanha o andamento, quase que diariamente e, quando a sentença é publicada, adivinha? Ele lê inteirinha, tintim por tintim, inclusive confere a data e a assinatura.
E qual não é a surpresa do Sr. Cliente quando ao final encontra, abaixo da assinatura de seu prolator a expressão “JUIZ LEIGO.”
Ele lê e pensa: leigo? Como assim? O que é isso? Então, vai correndo para o Google procurar o significado desta palavra e encontra na Wikipédia o seguinte: “leigos = pessoas que não possuem conhecimento aprofundado sobre determinada área.”
O Sr, Cliente então fica desesperado! Uma pessoa sem conhecimento “aprofundado no assunto” julgou o “assunto” dele. Logo o dele? Como é que pode?! E de quem ele vai cobrar isso? Do tal sujeito sem conhecimento aprofundado que assinou? Não. Do Tribunal? Não. De quem então? Do advogado dele! Só pode ser culpa do advogado uma coisa dessas ter acontecido!
E o Sr. Cliente liga para o escritório, todo nervoso e pergunta se aquela sentença “sem pé nem cabeça”, até com alguns errinhos de grafia é válida mesmo. O advogado, muito constrangido, diz que sim, explica que juízes leigos são nomeados para atuar nas varas, fazer audiências e até sentenciar, porque são muitos processos e não há juízes o suficiente.
Ele fica indignado. Como assim? E agora, o que dá de fazer? O advogado explica que ele pode recorrer, vai ter que pagar custas e esperar. Com sorte, em menos de um ano, um ano e meio, não se pode precisar, a turma de recursos até altere a decisão...
O cliente não se conforma. Ele berra: “isso já era para ter sido resolvido! Eu ainda vou ter que pagar e esperar mais? Que abuso!”
O advogado não tem mais o que dizer e só pode perguntar se ele quer ou não recorrer.
Pois então, o fato é que o Sr. Cliente não queria sentença de leigo nenhum. Ele já é leigo o suficiente. O Sr. Cliente quer um juiz DE VERDADE dando atenção ao processo. O caso dele é muito importante. E quando ingressou com a ação, ele achou que o negócio era sério, foi até com a melhor roupa nas audiências e fez a barba. E quer saber? O Sr. Cliente tem razão. Um meu certa vez até perguntou se o juiz confiaria a saúde de um filho a um "médico leigo”. Lógico que não. Nem precisa perguntar. Mas e se o hospital argumentar que não tem médico para todo mundo, que se não colocarem “uns estudantes de medicina” para tapar “uns buracos” a “coisa não anda”, o magistrado vai querer que o filho dele seja operado às pressas por alguém que “não tem lá muito conhecimento, mas tem boa vontade e está disponível?” Olha, duvido muito...
Portanto, nada justifica o descaso, cada vez maior, com que os problemas das pessoas estão sendo "resolvidos". Resolvidos por estudantes de Direito? Isso é uma vergonha. Uma indecência que precisamos combater e levar a público sim, porque a população precisa tomar conhecimento de que a culpa por estas decisões erradas que atrapalham o andamento processual não é do advogado contratado e sim de um sistema que não funciona e precisa melhorar com urgência, sob pena do Poder Judiciário, dentro de pouquíssimo tempo, perder a credibilidade, como já perderam o Executivo e o Legislativo. É essa a verdade. Não adianta “tapar o sol com a peneira”, nem se esconder atrás de "dados estatísticos" fora da realidade. A população está vendo e sentindo na carne.
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Saíle Bárbara Barreto é advogada em Florianópolis. Email: sailebarreto@hotmail.com
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