Você sabe o motivo de a punição não impedir o ato? Um caminho restaurativo com Fernando Borba de Castro

09/12/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 09/12/2015

O (des)conforto com a punição é algo humano. Ao mesmo tempo que a ameaça de punição somente funciona com os neuróticos, dada a alteração contemporânea da posição subjetiva do sujeito, conforme aponta Charles Melman, no sentido de que vivemos na lógica da perversão generalizada, a resposta penal, no fundo, serve de impulso criminógeno. Dito diretamente: mais crimes, mais penas, mais violência.

Além disso, com o giro econômico operado pelo neoliberalismo, a prisão como forma de subjugação ao trabalho, diante de sujeitos descartáveis, também deixou de ser uma forma eficiente de manejo da pobreza e dos desviados, para se transformar em custo coletivo. Daí o influxo atual para monitorar ao invés de punir. Cada vez mais as propostas de controle social se dirigem à exclusão monitorada, em guetos e zonas de prisão sem grades, com baixo custo, especialmente por monitoramento (eletrônico, passivo, etc.).

Mas há também o argumento da desumanidade das penas e do desconhecimento dos efeitos penais no corpo (físico e psicológico) dos acusados e vítimas, razão pela qual o discurso da Justiça Restaurativa ganha fôlego.

Neste contexto surge o trabalho monográfico de Fernando Borba de Castro – Justiça Restaurativa: uma alternativa crítica ao ilusório sistema punitivo -, aprovado, com mérito, junto à FURB. O trabalho é cuidadoso e parte das dificuldades de compreensão do lugar e da função da Constituição, do paradoxo das fontes, da ilusão de segurança jurídica que embala os juristas, diferenciando, com Marco Marrafon, dogmatismo e dogmática. Daí que relê, com denodo, os limites e insuficiências do Sistema de Controle penal, justamente no aspecto que ninguém fica satisfeito com o sistema atual. O Direito Penal, na via da resposta oferecida (pena), não encaminha o acusado, deixa a vítima insatisfeita, em regra, além de criar custos ao Estado e aos contribuintes.

Demonstra, também, a confusão sobre a noção de Justiça Restaurativa, significante pelo qual intervém os mais diversos movimentos, dentre os quais os que pretendem uma reconciliação cristã, de causar náuseas, bem assim as propostas democráticas, que respeitam os limites e os contextos dos envolvidos. Assim é que buscando dialogar com os projetos em tramitação e os já em vigor, Fernando descortina a beleza das possibilidades da Justiça Restaurativa.

Fui grandemente influenciado pelas noções de Juan Carlos Vezzulla e Luis Alberto Warat, para os quais, a Justiça Restaurativa não pode ser monetarizada, ainda que a reparação moral e material seja uma das hipóteses de encaminhamento, mas o impacto humano do reencontro deve ser o mote. No fundo o sujeito que se diz vítima de algo reivindica o algo que o Estado não pode conferir, mas o procedimento restaurativo pode auxiliar, ou seja, dar-se conta do seu lugar e função no conflito, empoderando a subjetividade e dando sentido ao evento traumático.

Ampliando a “foto” da abordagem, Fernando aposta, assim como eu, no alargamento da compreensão do conflito de maneira contextual, resgatando bibliografia sofisticada, embora possa ter alguma divergência pontual na trajetória eleita, comungo da pretensão de superar as mazelas do sistema penal que serve, atualmente, para que se possa ter sempre um “bode expiatório” (Rene Girard) capaz de concentrar a nossa fúria humana por sacrifícios redentores.

O trabalho, portanto, inscreve-se na reconstrução da cidadania do povo brasileiro, cuja população carcerária é imensa, pobre e sem sentido democrático. Parabéns ao autor e que o livro seja lido pelos que tiverem coragem de acreditar no futuro e na violência constitutiva que nos move, sempre.

Este é o prefácio do livro que você pode conferir aqui. Boa leitura.


Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com   Facebook aqui 


Imagem Ilustrativa do Post: a hug for happiness // Foto de: Montse PB // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/montseprats/5340592574/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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