VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

22/11/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Referindo-se aos Ministros que integram o Supremo Tribunal Federal, o art. 16, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, dispõe o seguinte: Receberão o tratamento de Excelência, conservando o título e as honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria, e usarão vestes talares, nas sessões solenes, e capas, nas sessões ordinárias e extraordinárias.

Recentemente, mais especificamente no dia 7 de novembro de 2019, um episódio ocorrido no Supremo Tribunal Federal teve grande repercussão. Não é novidade os fatos ocorridos no STF ganharem a mídia e, por consequência, atingirem um grande número de pessoas. Mas o caso ao qual nos referimos não foi o resultado de um julgamento polêmico ou problemas envolvendo as vidas pessoais dos Ministros.

Dessa vez, o que teve repercussão foi a atuação de uma Advogada – a Dra. Daniela Borges – que, durante a sua sustentação oral, se referiu aos Ministros utilizando o pronome de tratamento “você”. Não nos pareceu que houve alguma intenção de desprestigiar os integrantes do Supremo Tribunal Federal. A impressão que tivemos foi a de que a Advogada, talvez um tanto quanto nervosa, acabou se atrapalhando na sua sustentação e, por isso, não usou o pronome de tratamento “Vossa Excelência”.

Visivelmente incomodado com a situação, o Ministro Marco Aurélio interrompeu a sustentação da Advogada e, referindo-se ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltou que a Advogada deveria usar a correta expressão quando se referisse aos Ministros.

Acreditamos que poucas pessoas duvidem do acerto – no mérito – da manifestação do Ministro Marco Aurélio. O estudante do primeiro ano da Faculdade de Direito aprende (ou devia aprender) que os Magistrados em geral, incluindo os Juízes de primeiro grau, os Desembargadores e os Ministros, devem ser tratados como “Vossa Excelência”.

O art. 16, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – transcrito no início desta coluna –, e o art. 29, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, preveem expressamente o uso do vocábulo “Excelência” no tratamento de seus respectivos Ministros, o que se estende aos demais Magistrados por força dos regimentos internos dos tribunais que os mesmos integram.

Aliás, o nosso filho – que tem 9 anos de idade – vem aprendendo no colégio que algumas pessoas, em razão da função que exercem, devem ser tratadas com esse ou com aquele pronome de tratamento.

Não há nada errado nisso.

É certo que se pode criticar o teor de muitas decisões proferidas pelo Ministro Marco Aurélio, assim como se pode criticar as decisões de quaisquer Magistrados.

É certo que o Ministro Marco Aurélio podia ter esperado o término da sustentação da Advogada para, então, ressaltar o seu equívoco (aliás, dependendo da forma como fizesse isso, o Ministro Marco Aurélio teria sido bastante didático no sentido de evitar novos acontecimentos desse tipo).

É certo que faltou um pouco de sensibilidade na intervenção do Ministro Marco Aurélio.

É certo que a manifestação do Ministro Marco Aurélio ganhou a antipatia de muitas pessoas.

Em nossa vida profissional, temos visto episódios parecidos que, de uma forma ou de outra, acabam sendo contornados sem grandes traumas. Pessoas humildes, ao prestarem depoimentos como testemunhas, em muitas oportunidades, se referem aos Juízes utilizando as expressões “você”, “meu filho” e “meu querido”.

Na maioria das vezes, não há intenção de desprestigiar os Juízes. Muito ao contrário, desconhecendo o formalismo que existe nas salas de audiências, as pessoas utilizam as palavras que lhes parecem mais respeitosas. Não existe nada mais respeitoso do que uma senhora de idade avançada e humilde, na qualidade de testemunha, se referir ao Juiz como “meu filho”. Dependendo da forma como ela se expressa, dá até vontade de ser filho da referida senhora.

Aliás, o uso do pronome de tratamento correto – Vossa Excelência –, dependendo do contexto, pode ser bastante desrespeitoso e, até mesmo, revelar um certo deboche. Basta imaginar uma audiência na qual o Advogado, discordando do Juiz, utilize o “Vossa Excelência” para, debochadamente, afirmar que o Juiz não sabe nada de Direito, não conhece a jurisprudência dos Tribunais Superiores ou sequer leu os autos.

Sempre que tratamos desse assunto em sala de aula, lembramos da história de uma amiga nossa, Juíza à época dos fatos e agora Desembargadora, a qual nos disse certa vez, às gargalhadas, que não conseguiu se manter séria durante uma audiência na qual uma testemunha, bastante humilde, apenas se referia a ela como “Vossa Majestade”. Felizmente, o bom senso e a simpatia da nossa amiga salvaram aquela audiência e a testemunha acabou entendendo o exagero que estava cometendo.

Em verdade, do episódio envolvendo o Ministro Marco Aurélio, ficam duas lições importantes.

De um lado, é preciso que os estudantes e os jovens Advogados percebam que existe um formalismo nos atos processuais. Os Advogados experientes estão cansados de saber isso. Esse formalismo, na nossa opinião, é bom para todos, inclusive para os Advogados e para os seus clientes.

De outro lado, os Juízes devem ter certa sensibilidade nesses casos para perceber que é o contexto geral que pode revelar a intenção dos Advogados de desprestigiá-los ou não. Afinal de contas, no mérito, o Ministro Marco Aurélio tinha razão, mas a forma utilizada para abordar a Advogada esvaziou o seu discurso.

Convém registrar que também as partes, inclusive os réus em processos criminais, devem ser protegidos por esse formalismo, o qual é uma via de mão dupla. Deve existir o respeito dos Advogados e das partes com os Juízes, na mesma medida em que os Juízes devem tratar respeitosamente os Advogados e as partes.

Por mais grave que seja a acusação e por piores que sejam os seus antecedentes, também os réus em processos criminais devem ser tratados com o uso do vocábulo “senhor”. Não há nada errado nisso. Os Juízes, se querem ser corretamente tratados, corretamente devem tratar as pessoas que com eles interajam na sala de audiências.

Como dissemos, o formalismo é bom para todos. Afinal, a sala de audiência não é um bar e nem uma festa. É nas salas de audiências que se forjam as sentenças a serem proferidas, as quais, em geral, tratam de assuntos muito importantes, sobretudo para as partes.

O Brasil é um país extremamente informal, seja porque é da natureza dos brasileiros se tratar amistosamente, seja porque muitos não têm acesso à educação formal e, por isso, simplesmente, ignoram os formalismos que determinadas situações impõem.

Nascemos e vivemos no Rio de Janeiro. Na nossa terra, talvez pela existência de muitas praias ou talvez em razão da nossa agitação noturna, somos ainda mais informais. Nós nos tratamos carinhosamente e não faltam abraços e tapinhas nas costas.

É esse o nosso jeito.

Achamos que isso nunca vai mudar.

Mas essa falta de formalismo não pode existir em determinados ambientes, como nas salas de audiências ou nos tribunais. Ao contrário do que eventualmente podemos fazer ao encontrá-los nas praias, não podemos, nas salas de audiências, tratar os Juízes com excesso de informalidade. Nas salas de audiências, para evitar desgastes desnecessários – que em nada contribuem para o julgamento do processo –, convém saber com quem se está falando.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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