Por Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Becker – 01/05/2017
A atitude agressiva ou educada indica pistas sobre o caráter dos jogadores. O império das aparências preside o jogo da audiência de instrução e julgamento criminal. E, de fato, embora haja o dever de urbanidade e deferência em relação a todos, além das respectivas posições a se zelar e a luta para garantir-lhes o reconhecimento, existe um universo amplo e complexo cujas regras se deve dominar: trata-se do oceano humano das naturais suscetibilidades.
As regras da Corte da justiça são veladas e mesmo vale ler O Processo, de Kafka, para além da evidente discussão inquisitória da culpa, mas em seus amplos contextos; eis ali um retrato desse universo de variáveis improváveis em que se deve mergulhar, o bastante para que se possa compreender os destinos que cabem aos jogadores baunilha[1].
Seja uma hierarquia “fática” que não se reconheceu, seja uma hierarquia de direito que se escamoteou no riscar dos fósforos das irritações repentinas a que se deu ao luxo da vazão, a etiqueta da Corte da justiça é complexa. Nos trajetos a seu acesso não são poucas os desprezos, injustiças, arrogâncias, enfim, as vastas ocorrências da selva que o trato humano pode formar, que embala a formação do ego jurídico. A habilidade na captura desses cenários, a compreensão do contexto individual de cada jogador, o hábito de antever consequências não só do que se fala, mas do que se expressa, na melhor linha do ditado “o coração é seu, mas a cara, é dos outros”, poderá fornecer a inteligência emocional daquele que sabe que a primeira necessidade de qualquer um é de reconhecimento respeitoso.
Assim, gestos de indeferência, o não dar ao outro a cortesia do olhar, olhares bruscos, tom de voz, engana-se quem pensa que a fala é um cobertor mágico, ou um passe livre para o que realmente se quer/pensa e se maquiou com a fala. O corpo trai. Sempre. A regra mais segura é a da deferência amistosa, que só é alcançada em nível físico se a sentirmos; do contrário, o tiro sai pela culatra e o peso de uma artificialidade falsa escapa por todos os nossos poros. Assim, quando se sai para a guerra, é bom treinar por dentro, e esse exercício abre as portas da boa vontade para o que temos a dizer. A conduta tal, aliás, vulgarmente se dá a pecha de alguém ser “político”, quando, no entanto, tal pessoa apenas se conduz antevendo as consequências de suas ações e evitando problemas de relacionamento.
A primeira necessidade, assim, é a de nos situarmos dentro do palco das nossas próprias emoções, e assumir o controle. E isso escapa e interfere muito mais do que se imagina durante a interação no processo penal – essa é a proposta alinhavamos, e a grande relevância desse esquadrinhamento, embora não concorde que as coisas sejam assim, fugidias. Ninguém pode fugir da interação humana e do peso que ela representa, ainda mais na cena das cortes monárquicas da justiça.
Ao mesmo tempo em que um indeferimento por parte do juiz ou uma resposta hostil da testemunha pode gerar irritação e acesso de raiva, estes dois recursos podem ser necessários e legítimos em determinados contextos; a questão é quando ambos são defesas ao temor que se tem, daí invariavelmente serão mal aplicados.
Não se pode esquecer, é claro, os jogos entre cliente e advogado, quando este precise atuar o clichê da agressividade combativa como forma de se justificar o porquê de seus honorários, porque faz parte do contexto do jogo. Entretanto, as ações explosivas podem interferir no resultado, em geral, de modo negativo. Daí que o respirar fundo e sorrir suavemente sem demonstração da raiva interna é tática dominante.
Toda e qualquer ação no ambiente de interação do jogo processual gera efeitos (positivos e negativos). Lembre-se disso na próxima vez em que tiver vontade de explodir. Pergunte-se qual a reação/impressão que você teria se tivesse no lado oposto do jogo ou mesmo na condição de julgador. Essa antecipação de lugares, mesmo que explicada, na maioria das vezes, será injustificada.
O respirar fundo e feliz fugidiamente, seguindo de um #prontofalei, pode gerar uma certa sensação de prazer por ter dito o que está engasgado na garganta. Mas o que está em jogo em um processo crime não é o seu nó na garganta e sim a liberdade/condenação do acusado que pode pender para um lado contrário justamente por sua satisfação parcial.
Quem não possui equilíbrio e é incapaz de gerenciar emoções no espaço da audiência de instrução e julgamento, joga de modo amador. Profissionais devem saber se portar de modo a compreender o sistema de etiquetas processuais que operam na interação avivada na audiência de instrução e julgamento. Pode ser o plot point do jogo. Cuidado. Xinga depois, e jamais, nunca, mesmo, no Facebook.
Notas e Referências:
[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
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. Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com / Facebook aqui. .
. Fernanda Becker é Mestranda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Público (FURB/FFM/AMC/ESMESC). Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Atualmente é analista jurídico do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. .
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