Violência doméstica e familiar: por que é tão difícil sair de uma relação violenta?

13/04/2017

Por Redação - 13/04/2017

Buscando contribuir com o aprofundamento do debate sobre a violência contra as mulheres nos meios de comunicação e nas redes sociais, reproduzimos a seguir trecho da matéria publicada no site do Instituto Patrícia Galvão sobre violência doméstica e familiar contra a mulher:

Por que é tão difícil sair de uma relação violenta?

Denuncie!

Com a Lei Maria da Penha cada vez mais conhecida pela população brasileira (99% declaram conhecer a Lei, ao menos de ouvir falar; Pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (DataSenado, 2013), essa mensagem tem sido cada vez mais dirigida não só às mulheres que sofrem agressões físicas e psicológicas, mas a toda a sociedade. A proposta é mostrar definitivamente que esta violência não é um assunto da esfera privada, mas sim uma violação de direitos humanos que demanda respostas do Poder Público e um pacto de não tolerância de toda a população.

Denunciar, porém, não é fácil quando as agressões partem de uma pessoa com quem a vítima mantém relações íntimas de afeto, cujo rompimento coloca questões emocionais e objetivas, que envolvem a desestruturação do cotidiano e até mesmo o risco de morte para a mulher.

Neste cenário complexo, enfrentado por muito tempo de forma solitária, é fundamental que a mulher que rompe o silêncio seja bem acolhida pela sua rede pessoal e pelos serviços de atendimento.

Na prática, entretanto, a falta de conhecimento sobre as especificidades deste tipo de violência faz com que a mulher, muitas vezes, acabe sendo julgada por não colocar um ponto final naquela situação.

Dinâmica da violência doméstica

A própria dinâmica da violência doméstica, que costuma se repetir e se tornar cada vez mais grave e frequente, pode minar a capacidade de reação da mulher. A isso se associam ainda outros fatores, como a falta de informação e conhecimento sobre seus direitos e sobre a rede de atendimento, sentimentos de medo, culpa e vergonha, a dependência econômica do agressor para a criação dos filhos e a falta de acesso e/ou confiança nos serviços de atendimento a mulheres em situação de violência.

Veja cinco fatores que, com frequência, corroboram para a manutenção da situação de violência por um período longo:

1) A discriminação contra as mulheres concorre não só para que a violência aconteça, mas para sua permanência

2) O papel tradicional de mãe imposto às mulheres faz com que elas coloquem os filhos e o relacionamento do pai com os filhos em primeiro lugar

Para além das questões objetivas, muitas vezes, a mulher acredita que, apesar das agressões, o parceiro é ‘um bom pai´, embora pesquisas demonstrem que a convivência com o ambiente violento também tem impactos negativos na saúde da criança (saiba mais).

Dos casos de violência registrados em 2014 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 (Balanço 2014 do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (SPM-PR, 2015), 80% das vítimas tinham filhos, sendo que 64,35% deles presenciavam a violência,e 18,74% eram vítimas diretas juntamente com as mães.

3) A mulher é ameaçada de morte se acabar com a relação

Vergonha e medo de ser assassinada são percebidos pela população como as principais razões para a mulher não se separar do agressor, de acordo com a pesquisa sobre Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013).

Segundo a pesquisa, 85% dos entrevistados concordam que as mulheres que denunciam seus agressores correm mais risco de serem assassinadas. E 92% concordam que, quando as agressões ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato.

4) Ciclo de violência: ela acredita que ele vai melhorar;

O chamado ‘ciclo de violência’ é uma forma muito comum da violência se manifestar, geralmente entre casais. Compreender o ciclo de violência ajuda a entender a dinâmica das relações violentas e a dificuldade de a mulher sair dessa situação.

O ciclo começa coma fase da tensão, em que as raivas, insultos e ameaças vão se acumulando. Em seguida, aparece a fase da agressão, com o descontrole e uma violenta explosão de toda a tensão acumulada. Depois, chega a fase de fazer as pazes (ou da ‘lua de mel’), em que o parceiro pede perdão e promete mudar de comportamento, ou então age como se nada tivesse ocorrido e, ao mesmo tempo, fica mais calmo e carinhoso e a mulher acredita que a agressão não vai mais acontecer.

Esse ciclo costuma se repetir, com episódios de violência cada vez mais graves e intervalo menor entre as fases. Por isso, permanecer em uma situação violenta sem procurar ajuda, seja de familiares, amigos ou da rede de atenção, pode representar riscos com consequências graves. A mulher que está nessa situação em geral precisa de apoio para quebrar o silêncio e romper esse ciclo.

Especialistas observam que, nesse contexto, não se deve julgar a mulher que permanece em uma relação violenta, mas procurar entendê-la e ajudá-la a sair dessa situação, tendo em mente que o rompimento também coloca sua vida em risco. Sem segurança e sem apoio, isso é muito difícil. 

5) Quando a mulher procura ajuda, é desencorajada

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ipea (Pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres, Ipea, março-abril/2014), embora 91% concordem que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”, 63% concordam que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”. Além disso, 89% dos entrevistados pensam que “a roupa suja deve ser lavada em casa” e 82%, que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Esse contexto de tolerância social à violência pode fazer com que a mulher acredite que não vai ser levada a sério se buscar proteção, ou então que ela se sinta isolada e sozinha.

A vítima pode ainda enfrentar a chamada ‘rota crítica’ – o caminho fragmentado e tortuoso que a mulher percorre buscando o atendimento do Estado, arcando com as dificuldades estruturais existentes, como de transporte de um atendimento para outro, repetindo o relato da violência sofrida reiteradas vezes e, ainda, enfrentando com frequência a violência institucional por parte de profissionais que, pouco sensibilizados, reproduzem discriminações contra as mulheres nos serviços de atendimento.

É justamente para evitar situações como a revitimização que a Lei Maria da Penha determina a criação de serviços especializados para o atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar. A proposta é que esses serviços contem com profissionais que, sensibilizados em relação à dinâmica do ciclo da violência e às discriminações de gênero existentes, saibam lidar com a complexidade dos casos.

Nessa rota fragmentada, muitas vezes, a mulher desiste da denúncia, por fatores como medo, insegurança, descrença ou reconciliação com o agressor. Para evitar que isso aconteça, é preciso realizar um trabalho de prevenção e acolhimento que garanta que as próprias mulheres sejam capazes de sair do ciclo de violência.

Para conferir todo o conteúdo da matéria, acesse: www.agenciapatriciagalvao.org.br.

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